O Globo
Nos primeiros meses de mandato, vários
documentos, gastos e ações de governo foram classificados com diferentes graus
de sigilo
A curta interinidade do “interventor-geral”
da União, Ricardo Cappelli, à frente do Gabinete de Segurança Institucional
(GSI) termina com quase 90 servidores do órgão exonerados, num movimento
chamado internamente de “desbolsonarização” do GSI. Trata-se de uma necessidade
não apenas para esse órgão, mas para todo o governo e também para as práticas
da gestão pública.
Uma coisa é sanear os cargos que têm
hipersensibilidade institucional e política do aparelhamento ideológico que
Jair Bolsonaro conscientemente promoveu. Os postos militares, ou os civis que
foram dados sem critério a militares, estão no topo dessa lista.
Mas há certos desvios que Bolsonaro foi
instituindo no governo que não são necessariamente ruins para quem pega o
bastão da máquina pública, e é a tentação de mantê-los que deve ser evitada
pelo governo Lula e fiscalizada de perto pela sociedade e pela imprensa. Diz um
ditado muito famoso que “o uso do cachimbo entorta a boca”.
O uso elástico do sigilo é a mais notável desses cachimbos. Embora o discurso de que acabaria com os sigilos de cem anos que Bolsonaro decretou a torto e a direito tenha sido um dos mais frequentes de Lula na campanha eleitoral, nos primeiros meses de mandato vários documentos, gastos e ações de governo foram classificados com diferentes graus de sigilo sem que haja justificativa para isso.
O caso da íntegra das imagens do Palácio do
Planalto no dia 8 de janeiro é o mais gritante. Em entrevista ao podcast 2
+ 1 que está no ar, o ministro-chefe da Controladoria-Geral da União,
Vinicius de Carvalho, deixou claro que não foi consultado sobre a decisão e que
não concorda com ela. Mais: soube do sigilo de cinco anos das imagens pela
imprensa.
O órgão responsável pela transparência da
gestão não foi consultado sobre uma decisão capital. Deveria ser de interesse
absoluto do próprio governo, em primeiro lugar, esclarecer as falhas do GSI que
levaram a que a sede da Presidência da República estivesse tão desguarnecida
diante da ação dos vândalos bolsonaristas.
A divulgação imediata e irrestrita das
imagens era necessária até para que a “desbolsonarização” do GSI fosse feita
naqueles primeiros dias de janeiro, quando o próprio Lula deixou claro o
inconformismo com o fato de os golpistas terem encontrado “a porta aberta” no
Palácio.
Fosse feito o obrigatório pente-fino nas
imagens, com seu envio ao Supremo Tribunal Federal e à Polícia Federal,
debruçada sobre um detalhado processo de perícia e identificação dos
criminosos, o GSI já poderia estar funcionando sob novo comando, uma vez que
ficou evidente a inadequação do general Gonçalves Dias para missão tão
delicada, e a oposição não estaria agarrada à construção de uma narrativa sem
pé nem cabeça para tentar fazer show na CPI dos Ataques Golpistas e inverter as
responsabilidades pela tentativa malograda de golpe de Estado.
Como já escrevi no dia da leitura do
requerimento da CPI, diante do avanço dos inquéritos e, logo mais, dos
processos contra os executores, financiadores e idealizadores do 8 de Janeiro,
o esperado showzinho bolsonarista para as redes sociais na comissão não terá o
condão de evitar as responsabilizações.
E não haverá morfina ou cloroquina que
evite que Bolsonaro, pessoalmente, responda pelas inúmeras vezes em que usou o
cargo e as dependências do governo para desacreditar o processo eleitoral, o
Judiciário e as demais instituições democráticas. Das comemorações de 7 de
Setembro ao discurso diante do cercadinho para seus apoiadores em 9 de dezembro
de 2022, em que falou com todas as letras, e aparentemente sem medicação, que
algo aconteceria no “momento oportuno”.
Mas, para sanear as instituições, é preciso
não cair na tentação de repetir as práticas deletérias com sinal trocado.
Recorrer àquele sigilo maroto quando algo não vai bem não é atitude aceitável
de um governo que incluiu como sua missão resgatar a democracia.
Concordo com Vera.
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