quarta-feira, 12 de abril de 2023

Vera Magalhães - Prevenir ataques é missão de todos

O Globo

O governo Lula resolveu adotar o que chama de ação emergencial para obrigar as plataformas digitais a agir para moderar ativamente conteúdos que contenham pregação de violência contra crianças e jovens em ambiente escolar e para retirar do ar, quando solicitadas, páginas, perfis e postagens que propaguem apologia a ataques desse tipo.

O que chama a atenção, pela gravidade, é a postura reativa de algumas companhias, notadamente o Twitter, diante da escalada nítida de ameaça e o alastramento do incentivo a esse tipo de crime nas últimas semanas.

Desde que foi comprado pelo bilionário Elon Musk, o Twitter vai caminhando a passos largos para se tornar uma terra de ninguém em termos regulatórios. É claro o objetivo de Musk de promover a redenção da extrema direita norte-americana ligada, na origem, a Donald Trump, mas ramificada em subgrupos ainda mais radicais e violentos, propagadores de ideias supremacistas e apologéticas à violência contra grupos como mulheres, negros, LGBTQIAP+ e outros. Esses grupos vinham sendo banidos ou sua atuação vinha sendo bastante limitada pela empresa antes de ela mudar de mãos.

Com a chegada de Musk, outra investida do Twitter passou a ser na estigmatização, quando não franca perseguição, à imprensa profissional. Os conteúdos de veículos jornalísticos passaram a se perder no fluxo que a rede oferece ao usuário, as verificações de contas autenticadas viraram um selo pago em dólares, e as credenciais de empresas que se recusam a aderir à política são suprimidas, como aconteceu com o The New York Times há algumas semanas.

A isso se somam iniciativas sórdidas, comemoradas com sarcasmo pelo próprio Musk, que demonstra ter no Twitter seu brinquedinho ideológico. É dessa natureza a “trollagem” de responder a questionamentos destinados aos canais para atender a mídia com emoji de fezes, o que ocorreu com todos os que tentaram denunciar a profusão de perfis com apologia a ataques em escolas que invadiu o Twitter.

Diante de tal show de horrores e da franca disposição da empresa em retirar de cena todos os seus postos de compliance e mediação com as autoridades e a imprensa brasileiras, trocando-o os por esses canais-fantasmas, é acertada a iniciativa do Ministério da Justiça de baixar uma portaria instando o Twitter a retirar do ar conteúdos com apologia a crimes violentos em escolas e a promover a verificação ativa das contas que os propagam.

A discussão sobre a responsabilização das empresas de tecnologia e redes sociais pelos conteúdos que propagam crimes, discurso de ódio e ameaças à própria democracia é complexa, está só começando e se desenrolará no Congresso, por meio da discussão de um projeto de lei em tramitação na Câmara, e no Supremo Tribunal Federal, depositário de diversas ações sobre o assunto. O governo participará do debate com sugestões já enviadas ao deputado Orlando Silva (PCdo B-SP), relator do PL 2630.

Mas a portaria atende a uma emergência. Desde os últimos ataques em escolas e numa creche em Blumenau, o efeito contágio se alastrou, com contribuição fundamental das redes sociais, de forma a desencadear uma onda de boatos que levou pânico a comunidades escolares em todo o Brasil. Menções a ataques sangrentos como o de Columbine, nos Estados Unidos, levam à difusão de ameaças da repetição em série no Brasil.

Que empresas de mídia deem de ombros cinicamente a algo de tal gravidade e aleguem o respeito aos termos de uso para se negar a retirar do ar páginas que tratam assassinos de crianças como heróis e mártires justifica plenamente a ação emergencial do governo. Justificaria a de qualquer governo em qualquer país.

 

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