quarta-feira, 12 de abril de 2023

Zeina Latif - Política anticíclica é para quem pode

O Globo

Viemos de um período de excessos, principalmente fiscal, e a inflação ainda está acima da meta

Temendo o quadro de desaceleração da economia, o governo acena com expansão fiscal e creditícia. No seu último relatório, o Tesouro projetou um aumento de 12% nos gastos públicos este ano — poderá ser maior por conta de despesas a serem ainda incorporadas, como o ajuste do salário mínimo. Enquanto isso, pretende-se ampliar o crédito do BNDES, o que não traz por si só ganhos de produtividade e crescimento sustentado.

No entanto, com o trabalho de controle da inflação ainda incompleto, o momento dessas iniciativas é inadequado. E tampouco são urgentes tendo em vista as proteções sociais — o bolsa família saltará para 1,7% do PIB, cifra muito superior ao 0,5% do PIB do passado —, os chamados estabilizadores automáticos — como o auxílio desemprego —, e a usual resiliência do crédito direcionado.

É compreensível que governos busquem suavizar os ciclos econômicos por meio de políticas anticíclicas — fiscal, monetária, creditícia. Afinal, quando muito acentuados, prejudicam o planejamento de empresas e o bem-estar dos indivíduos, que sofrem com inflação alta quando a economia fica muito aquecida e com desemprego elevado na fase recessiva.

Porém, nem sempre essa é a recomendação. Depende da natureza dos choques econômicos.

A prescrição do uso de políticas anticíclicas é mais clara quando o ciclo é causado por choques exógenos, gerados por fatores acidentais, como a pandemia (choque adverso) ou o crescimento excepcional do comércio mundial nos anos seguintes à entrada da China na OMC, no final de 2001 (choque benigno).

Porém, muitas vezes, os choques são endógenos, causados por erros na própria condução da política econômica. No caso brasileiro, são geralmente excessos fiscais, como no governo Dilma, demandando posterior ajuste de caráter recessivo.

O resultado é um ciclo econômico ainda mais acidentado, com recessões mais frequentes, inclusive na comparação com países parecidos.

Como agravante, com exceção da regra do teto, os regimes fiscais tiveram viés pró-cíclico, tal que aumentos de arrecadação, decorrentes do crescimento do PIB, levam a mais gastos, aquecendo ainda mais a economia. Em alguma medida, é o caso do arcabouço fiscal agora proposto.

Poucas vezes a política fiscal foi corretamente anticíclica, com recuo do consumo do governo em períodos de demanda privada aquecida, e vice-versa. Ocorreu notadamente no governo FH. É algo que demanda capacidade e disposição política.

Em momentos de correção de erros e excessos, quando bancos centrais são levados a apertar a política monetária, não convém fazer política fiscal anticíclica. O difícil período em que a economia desacelera, mas a inflação ainda segue alta, exige perseverança. Tentar suavizar o ciclo com ativismo fiscal e creditício implica juros altos por mais tempo.

Esse tema remete à discussão sobre a harmonização ou coordenação entre as políticas monetária e fiscal, que ganhou atenção com o ministro Fernando Haddad. Ele defende a necessidade de essas políticas caminharem juntas, pois os juros altos estariam jogando contra o suposto benefício da expansão fiscal.

No entanto, a coordenação das políticas na direção expansionista só seria recomendável em um quadro de choque exógeno não inflacionário, como na pandemia ou na crise global de 2008-09. Não é o caso agora. Viemos de um período de excessos, principalmente fiscal, e a inflação ainda está acima da meta.

A coordenação deveria ser no sentido da austeridade monetária e fiscal, e não do relaxamento desejado. Ainda, com as desconfianças em relação ao compromisso do governo com a disciplina fiscal, a expansão de gastos tende a ter efeito mais modesto sobre o PIB, por conta do aumento da dívida pública ou mesmo da tributação.

Outro aspecto importante é que conduzir política fiscal anticíclica é mais difícil do que parece, pois os gastos utilizados para essa função precisam ter natureza temporária. Não é o caso de investimentos, com longa implementação e podendo gerar fluxo de despesas em custeio para sua operação futura.

Tampouco cabem políticas de efeito permanente, como um maior reajuste do funcionalismo. Restam, na verdade, poucas opções, pois a maioria dos gastos não é de fácil reversão adiante.

Por todos esses pontos discutidos, conclui-se que a política econômica anticíclica é para poucos.

 

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