terça-feira, 2 de maio de 2023

Andrea Jubé - Jogos, trapaças e CPIs fumegantes

Valor Econômico

Presidente da Câmara, Arthur Lira, quer discutir a relação entre Legislativo e Executivo direto com Lula

A semana começa em ebulição com a tonitruante entrevista do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), alertando que a relação do governo com o Congresso não é de “satisfação boa”. Sem rodeios, ele acrescentou que a articulação política está desorganizada, e que embora integrantes da base aliada estejam à frente de ministérios, o que interessa mesmo aos parlamentares são as emendas.

Lê-se a política nas entrelinhas, mas poucas vezes um presidente da Câmara mandou recados claros como o céu de Brasília em maio. A consequência foi imediata: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve se reunir com Lira já nesta terça-feira para tratarem dos ruídos na relação.

Se a reunião não ocorrer hoje, aliados pressionam para que Lula não embarque para Londres, onde acompanhará a coroação do rei Charles, sem a conversa prévia com o presidente da Câmara.

Petistas não escondem o desconforto com o ritmo frenético das viagens de Lula ao exterior. Nestes primeiros quatro meses, ele visitou Argentina, Uruguai, China, Emirados Árabes, Portugal e Espanha. Embarca na noite na noite de quinta-feira (4) para o Reino Unido. No fim de maio, vai ao Japão como convidado da cúpula do G7, que reúne os países mais ricos do mundo. Em junho, pretende aterrissar no Congo.

Nos bastidores, aliados chegam a compará-lo ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que dedicou boa parte do segundo mandato às viagens internacionais, e, ganhou o apelido de “Viajando Henrique Cardoso”.

Em geral, aliados concordam que o mandatário acerta ao se dedicar a recompor as relações diplomáticas do Brasil com os principais chefes de Estado e de governo, numa conjuntura em que a imagem do país saiu chamuscada após a gestão Jair Bolsonaro, particularmente, em relação ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável.

Mas não bastassem as incursões ao exterior, Lula quer mais agendas fora de Brasília: nesta quarta-feira, anunciará políticas para a educação ao lado do ministro Camilo Santana (PT) no Ceará.

Num cenário de instabilidade no Congresso, em que a base governista ainda é gelatinosa, e o presidente da Câmara vai a público declarar que a relação com o governo não está boa, aliados cobram de Lula que fique mais tempo na capital federal, e tome as rédeas da articulação política.

Não se contesta a experiência do trio de articuladores principais de Lula. O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), e o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), foram ministros de Lula e Dilma Rousseff. O líder governista na Câmara, José Guimarães (PT-CE), está no quinto mandato, e foi líder sob Dilma.

Contudo, ao contrário de Dilma, que pela falta de traquejo aceitou convocar o então vice-presidente Michel Temer para assumir a interlocução com o Legislativo - e o desfecho em 2016 é conhecido de todos - Lula é um gigante da articulação e do diálogo. Por isso, lideranças da estatura de Arthur Lira cobram a interlocução com Lula. É nesse contexto que Lira disparou sobre Padilha: “um sujeito fino e educado, mas que tem tido dificuldades”, disse a O Globo.

Não se exigem olhos de lince para compreender que a relação do Executivo com a Câmara é de turbulência faz tempo. O governo mal havia digerido a CPI mista dos atos golpistas de 8 de janeiro, quando Lira anunciou que instalaria não uma, mas três comissões parlamentares de inquérito na Casa para investigar o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), a dívida bilionária das Lojas Americanas e as apostas esportivas.

Com a CPI mista dos atos golpistas, serão quatro colegiados com munição para atrasar votações cruciais como o projeto da nova regra fiscal, e a reforma tributária, e tumultuar os trabalhos legislativos nos próximos seis meses.

Interlocutores de Lira junto ao governo alegam que a relação com o presidente da Câmara desgastou-se porque o Palácio do Planalto cutucou a onça com vara curta. Primeiro negou pleito de Lira para indicar o ministro da Saúde. (Lira refuta o pedido).

Simultaneamente, Lula negou ao principal aliado de Lira, o líder do União Brasil, Elmar Nascimento (BA), o cargo de ministro da Integração Regional, que foi para Waldez Góes, indicado de Davi Alcolumbre (União-AP).

Para agravar, o cobiçado Ministério dos Transportes foi para o ex-governador de Alagoas Renan Filho (MDB-AL), filho de Renan Calheiros (MDB-AL), adversário figadal de Lira.

Outro gesto que irritou Lira foi o estímulo do governo à formação do bloco PSD, MDB, Republicanos, Podemos e PSC, com 142 deputados. Em reação, Lira saiu-se com o bloco União, PP, PDT, PSB, Avante, Solidariedade, Patriota, PSDB e Cidadania, com 173 deputados.

Agora o MST quer afastar do cargo o superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Alagoas, apadrinhado de Lira. Em reação, o MST virou alvo de CPI.

Lira flertou com a ironia ao afirmar que quer “dar tranquilidade ao Brasil” após autorizar três CPIs, quando se aguarda a votação da nova regra fiscal e da reforma tributária. A declaração sobre “não sacanear o governo” faz parte do jogo político, que tem regras, trapaças e CPIs fumegantes.

 

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