O Globo
Deputado eleva tom de cobranças; presidente
mostra pouca disposição para confrontá-lo
Arthur Lira está invocado. Ainda não
engoliu o fim do orçamento secreto, decretado pelo Supremo. Sem armas para
enfrentar a Corte, o chefão da Câmara já havia declarado guerra ao Senado.
Agora ameaça o governo em entrevistas ao vivo.
O deputado começou a semana com um
ultimato. Avisou que “as coisas não vão andar” enquanto o Planalto não agir com
“mais fluidez”. “O governo precisa descentralizar, confiar e delegar”, disse à
Rádio Bandeirantes.
Lira é o dono da pauta. Pode travar votações, engavetar projetos, criar dificuldades. Se ele não quiser, as “coisas” não andam. O recado não poderia ser mais claro: o Executivo que se vire para agradá-lo.
Na era Bolsonaro, o deputado era o senhor
das emendas. Em troca da blindagem ao presidente, comandava a partilha de
bilhões de reais do Tesouro. O dinheiro era liberado conforme sua vontade, sem
transparência e sem fiscalização.
Graças ao orçamento secreto, o chefão da
Câmara acumulou poderes inéditos. Em fevereiro, foi reeleito com mais de 90%
dos votos. Um desempenho de dar inveja a seu padrinho, o ex-deputado Eduardo
Cunha.
A regra do jogo mudou, mas Lira quer reaver
a chave do cofre. No início do mês, comandou a derrubada dos decretos de Lula
sobre saneamento. A manobra funcionou como um tiro de advertência. Se o governo
não “confiar” e “delegar”, arrisca sofrer novas derrotas.
O presidente da Câmara é um liberal de
resultados. Ajudou Bolsonaro a arrombar o teto de gastos e agora se vende como
campeão da austeridade. Na semana passada, prometeu “proteger o legado das
reformas”. Mas pode mudar de ideia se o governo “descentralizar” o que ele
deseja.
Até aqui, Lula tem mostrado pouca
disposição para confrontá-lo. Ontem o presidente avisou que manterá um primo de
Lira na chefia do Incra em Alagoas. Se ele pensa que isso fará as “coisas”
andarem, pode esperar sentado.
No fim da entrevista à Bandeirantes, o
repórter Pedro Campos perguntou se é possível “melhorar alguma coisa” na
relação com o Executivo. Como quem não quer nada, Lira deixou uma nova ameaça
no ar: “Eu não seria irresponsável de romper relações com o governo...”.
Sei.
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