Valor Econômico
Efeito cascata de benefícios faz teto virar
piso para alguns servidores
Em 12 de janeiro de 2015, entraram em vigor
as Leis nº 13.093 e 13.095, que instituíram a “gratificação por exercício
cumulativo da jurisdição” para os magistrados da Justiça Federal e do Trabalho.
O benefício consiste no pagamento de um extra de até 1/3 do salário do juiz caso ele exerça alguma atividade além das suas competências normais. A remuneração básica de um juiz federal ou trabalhista atualmente está em R$ 33.924,93, R$ 35.710,46 ou R$ 37.589,96, a depender do nível da carreira.
Em 2020, o Conselho Nacional de Justiça,
órgão criado para exercer o controle administrativo e financeiro do Judiciário,
estendeu a gratificação a todos os juízes do país. A medida foi tomada numa
canetada do ministro Dias Toffoli, sem respaldo legal, justificada pelo
entendimento de que a Justiça brasileira é unitária e, assim, o benefício dado
a um deve valer para todos.
Dois anos depois foi a vez do
procurador-geral Augusto Aras reconhecer que todos os promotores e procuradores
também fazem jus à gratificação, sob o argumento de que há uma simetria entre
Judiciário e Ministério Público. O adiciona também foi instituído sem aprovação
do Congresso, mediante mera “recomendação”.
Na semana passada, o mesmo Aras
regulamentou a gratificação no âmbito do Ministério Público da União.
Malandramente, ele transformou a gratificação numa licença de até 10 dias por
mês e abriu a possibilidade para os procuradores “venderem” folga não
usufruída. A manobra tem uma razão: convertida em “indenização”, não está
sujeita ao teto salarial do funcionalismo e nem à cobrança de Imposto de Renda.
Em tempo, o pagamento será retroativo 01/01/2023.
Graças a penduricalhos como esse, é difícil
encontrar um juiz ou promotor, mesmo em início de carreira, que ganhe menos do
que o soldo dos ministros do STF, hoje em R$ 41.650,92.
Em resposta a um tweet meu sobre esses
absurdos, o pseudônimo Senhora Lu me alertou: “Informe-se bem sobre a
remuneração de juiz federal. Depois me diga se há equivalência entre magistraturas
estaduais, ministérios públicos estaduais e federais e magistratura federal.
Isso sem contar advocacia pública.”
Senhora Lu tem razão. A fábrica de
penduricalhos salariais em geral começa com a criatividade nos Tribunais e
Procuradorias Gerais de Justiça nos Estados. Longe da cobertura da imprensa,
desembargadores e procuradores se sentem à vontade para criar auxílios,
adicionais, abonos e afins que, muitos anos depois, serão estendidos a toda a
magistratura, promotores e procuradores do MP e, por tabela, Tribunais de
Contas, por meio de decisões administrativas como as de Toffoli e Aras.
Mas, como Senhora Lu disse, esse não é um
privilégio do Judiciário. Em 2016, o Congresso aprovou a Lei nº 13.327, que
determinou que os honorários de sucumbência de ações vencidas pela União cabem
aos advogados públicos pertencentes às carreiras da AGU e das Procuradorias
Gerais da Fazenda Nacional, do Banco Central e das autarquias e fundações.
Num processo, honorários de sucumbência são
valores devidos pela parte perdedora ao advogado do lado vencedor. Há décadas,
é uma forma de remuneração da advocacia privada. Depois de muito lobby, os
advocados públicos conseguiram a equiparação. Mas há uma “pequena” diferença:
ao contrário de seus colegas do setor privado, membros das carreiras jurídicas
do Executivo ganham R$ 22.905,79 em início de carreira e R$ 29.761,03 no final,
mesmo se não redigirem uma petição sequer no mês.
Desde 2017, os honorários renderam R$ 9,7
bilhões. Eles deveriam ser usados para financiar políticas públicas, mas foram
parar do bolso de advogados e procuradores federais. Sua associação defende que
a benesse é “uma modalidade de remuneração por performance inspirada nas mais
modernas formas do regime privado, privilegiando a qualificação profissional e
o máximo empenho”. Todos os seus membros, porém, estão ganhando um extra de até
R$ 12.000 por mês, independentemente da “performance” - e mesmo os aposentados
são contemplados.
Essa distribuição indiscriminada de
penduricalhos está deixando a elite do funcionalismo em pé de guerra. Auditores
da Receita Federal pressionam o ministro da Fazenda pela regulamentação de um
“bônus de eficiência e produtividade”. Apesar dos rendimentos que vão de R$
22.921,71 a R$ 29.760,95, os fiscais recebem também um “plus” de R$ 3.000,00
por mês desde 2016. Segundo o pleito da categoria, o agrado poderá passar para
R$ 10.000 mensais por auditor.
A possibilidade de concessão do benefício
aos fiscais desperta o ciúme de outras carreiras igualmente poderosas. “Esse
tratamento desigual criará distorções. Teremos diretores do BC ganhando menos
que um auditor da Receita em início de carreira”, ressaltou Henrique
Seganfredo, presidente da Associação Nacional dos Analistas do Banco Central do
Brasil (ANBCB).
Unidos aos auditores do Tesouro Nacional e
da CGU, os analistas do Bacen se mobilizam para (surpresa!) aprovar o seu
próprio bônus.
Já faz tempo que o teto virou piso para a
elite do funcionalismo público brasileiro.
*Bruno Carazza é mestre em
economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as
engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
Pois é!
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