domingo, 7 de maio de 2023

Cacá Diegues* - Bela noite para voar

O Globo

‘Sou a favor de total liberdade de imprensa. A verdade, mesmo sendo má, deve ser escrita’, disse marechal Lott

A pretexto de longa entrevista com o marechal Henrique Duffles Teixeira Lott, morto em maio de 1984, com 89 anos de idade, entrevista que realizou em duas oportunidades, em 1977 e 1978, o historiador e jornalista Pedro Rogério Moreira nos fornece elementos importantes para análise comparativa do que foram as lutas políticas do período JK, até a assemelhada tentativa de golpe da direita contra Lula, em 8 de janeiro de 2023.

A primeira parte de seu livro, dedicada às duas entrevistas com Lott, se organiza em torno do que o marechal lhe confidenciou. Pedro Rogério nos informa que só decidiu publicá-la no livro “Lott, a espada democrática” depois das “assombrosas cenas de vandalismo ocorridas em Brasília” ao longo do 8 de janeiro.

O marechal Lott conta a Pedro Rogério suas lembranças do Exército e os militares com os quais conviveu nesse período, das cartas falsas atribuídas a Arthur Bernardes (as fake news da época) aos movimentos de Getúlio Vargas, chegando aos irmãos Geisel, Ernesto e Orlando, dos quais o primeiro se tornou presidente da República durante o regime militar vigente no país a partir de 1964.

Lott mantém um comportamento alheio às paixões políticas: “Sou a favor de total liberdade de imprensa. A verdade, mesmo sendo má, deve ser escrita”. Mas é preciso, antes de mais nada, que o governante tenha certeza de que o povo o quis. É preciso o consentimento do povo, “o povo é que decide”, diz o marechal.

Essa simplicidade em linha reta foi sempre uma característica de Lott, mesmo e sobretudo quando foi levado a ser o candidato à presidência como sucessor de Juscelino Kubitschek, de quem foi, durante todo o seu mandato, ministro da Guerra.

Lott conta ao autor do livro tudo o que se passou nas eleições de 1960, inclusive a proposta de Adhemar de Barros, o terceiro candidato, de juntar seus votos aos dele. Lott reafirma o que já estivera nos jornais da época: ele não aceitou o “macete”, isso seria uma traição ao desejo dos eleitores, o povo que preferia outra solução que o representasse com mais autenticidade. E isso determina a vitória de Jânio Quadros, que aceitara pelo silêncio a união com João Goulart, representada pela chapa Jan-Jan.

E assim segue a entrevista de Lott sobre a época de Juscelino na presidência da República, desde o 11 de novembro, quando o então general se nega a apoiar a tentativa de golpe para evitar a posse do presidente eleito. Não há uma palavra condenável sobre seus inimigos, nada que os diminua gravemente diante da necessidade de enfrentá-los e impedir que assumam o poder que o povo não lhes concedeu.

“Democracia é governo do povo, para o povo e pelo povo. Não aceito ditadura de espécie alguma”, diz Lott, “de paisano ou de militar”.

A segunda parte do livro de Pedro Rogério Moreira refere-se a movimentos militares que sucederam à ação do general Lott, de Jacareacanga (PA) e Aragarças (GO) às tentativas fracassadas de diferentes golpes de elementos militares, sobretudo da Força Aérea. O autor se mantém fiel ao espírito do que lhe foi dito na primeira parte de “A espada democrática”, sob o título de “Asas rebeldes (1956 e 1959)”. Todos os “revolucionários” que aqui aparecem são pessoas que pensaram o Brasil como um país que merecia respeito e atenção. E que só por isso tentaram interferir em sua História.

Como se trata de soldados da Força Aérea Brasileira, Pedro Rogério não vacilou em usar reiteradas vezes, nessa parte do livro, a bela frase de Juscelino Kubitschek para sua equipe de auxiliares cada vez que se preparava para levantar voo: “Aviadores em bela noite para voar”. Como eram diferentes dos de hoje esses responsáveis pela segurança do então presidente!

*Cineasta

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