O Globo
‘Sou a favor de total liberdade de
imprensa. A verdade, mesmo sendo má, deve ser escrita’, disse marechal Lott
A pretexto de longa entrevista com o
marechal Henrique Duffles Teixeira Lott, morto em maio de 1984, com 89 anos de
idade, entrevista que realizou em duas oportunidades, em 1977 e 1978, o
historiador e jornalista Pedro Rogério Moreira nos fornece elementos
importantes para análise comparativa do que foram as lutas políticas do período
JK, até a assemelhada tentativa de golpe da direita contra Lula, em 8 de
janeiro de 2023.
A primeira parte de seu livro, dedicada às
duas entrevistas com Lott, se organiza em torno do que o marechal lhe
confidenciou. Pedro Rogério nos informa que só decidiu publicá-la no livro
“Lott, a espada democrática” depois das “assombrosas cenas de vandalismo
ocorridas em Brasília” ao longo do 8 de janeiro.
O marechal Lott conta a Pedro Rogério suas lembranças do Exército e os militares com os quais conviveu nesse período, das cartas falsas atribuídas a Arthur Bernardes (as fake news da época) aos movimentos de Getúlio Vargas, chegando aos irmãos Geisel, Ernesto e Orlando, dos quais o primeiro se tornou presidente da República durante o regime militar vigente no país a partir de 1964.
Lott mantém um comportamento alheio às
paixões políticas: “Sou a favor de total liberdade de imprensa. A verdade,
mesmo sendo má, deve ser escrita”. Mas é preciso, antes de mais nada, que o
governante tenha certeza de que o povo o quis. É preciso o consentimento do
povo, “o povo é que decide”, diz o marechal.
Essa simplicidade em linha reta foi sempre
uma característica de Lott, mesmo e sobretudo quando foi levado a ser o
candidato à presidência como sucessor de Juscelino Kubitschek, de quem foi,
durante todo o seu mandato, ministro da Guerra.
Lott conta ao autor do livro tudo o que se
passou nas eleições de 1960, inclusive a proposta de Adhemar de Barros, o terceiro
candidato, de juntar seus votos aos dele. Lott reafirma o que já estivera nos
jornais da época: ele não aceitou o “macete”, isso seria uma traição ao desejo
dos eleitores, o povo que preferia outra solução que o representasse com mais
autenticidade. E isso determina a vitória de Jânio Quadros, que aceitara pelo
silêncio a união com João Goulart, representada pela chapa Jan-Jan.
E assim segue a entrevista de Lott sobre a
época de Juscelino na presidência da República, desde o 11 de novembro, quando
o então general se nega a apoiar a tentativa de golpe para evitar a posse do
presidente eleito. Não há uma palavra condenável sobre seus inimigos, nada que
os diminua gravemente diante da necessidade de enfrentá-los e impedir que
assumam o poder que o povo não lhes concedeu.
“Democracia é governo do povo, para o povo
e pelo povo. Não aceito ditadura de espécie alguma”, diz Lott, “de paisano ou
de militar”.
A segunda parte do livro de Pedro Rogério
Moreira refere-se a movimentos militares que sucederam à ação do general Lott,
de Jacareacanga (PA) e Aragarças (GO) às tentativas fracassadas de diferentes
golpes de elementos militares, sobretudo da Força Aérea. O autor se mantém fiel
ao espírito do que lhe foi dito na primeira parte de “A espada democrática”,
sob o título de “Asas rebeldes (1956 e 1959)”. Todos os “revolucionários” que
aqui aparecem são pessoas que pensaram o Brasil como um país que merecia
respeito e atenção. E que só por isso tentaram interferir em sua História.
Como se trata de soldados da Força Aérea
Brasileira, Pedro Rogério não vacilou em usar reiteradas vezes, nessa parte do
livro, a bela frase de Juscelino Kubitschek para sua equipe de auxiliares cada
vez que se preparava para levantar voo: “Aviadores em bela noite para voar”.
Como eram diferentes dos de hoje esses responsáveis pela segurança do então
presidente!
*Cineasta
Li um artigo sobre o mesmo livro ontem,muito bom,os dois.
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