O Globo
Artur da Távola pensava e escrevia sobre
alguma coisa que não estava acontecendo como devia acontecer
Éramos todos adolescentes. Estávamos nos
salões do Caiçaras, aquele clube que fica no final de Ipanema. Ou no início do
Leblon. Um espaço em forma de ilha, cujo acesso se dá por uma ponte construída
entre a avenida por onde passam os automóveis e a ilha propriamente dita. No
clube, íamos festejar o aniversário de uma menina, o 15º de sua vida.
Mal terminou seu pequeno e eufórico
discurso, o pai da moça começou a sofrer ataques dos meninos presentes que,
entre assobios e aplausos, lhe enviavam, ao corpo e sobretudo ao rosto
impecável, bolinhos e sanduíches.
Um rapaz um pouco mais velho se destacava no meio dos gestos, risadas e protestos, a comandar a ação de todos. Um jovem percebeu minha curiosidade e me disse com certo orgulho: “Esse é o Paulo Alberto Monteiro de Barros, o Paulinho. Foi ele quem organizou essa operação, hoje de manhã na praia.”
Àquela altura eu estudava na PUC, para a
qual prestara um vestibular bem-sucedido para o curso de Direito, em homenagem
a meu pai. Mas não me ocorria ser advogado. Eu já era tarado por cinema, só não
sabia se poderia viver dos filmes.
Enquanto eu assistia aos filmes e
conversava nos cineclubes das faculdades do Rio com meus novos amigos sobre
cinema, fazia também política estudantil na PUC e na União Metropolitana dos
Estudantes (UME ).
Numa manifestação no campus da PUC, vi um
rapaz calar uma jovem radical de direita oferecendo-lhe uma flor colhida em
nossos jardins, como resposta gentil às barbaridades que ela dizia sobre o
discurso dele.
Reconheci o rapaz que conheci no Caiçaras,
estava novamente diante de Paulo Alberto Monteiro de Barros, o Paulinho.
Tornei-me um admirador dele. O que não
podia imaginar é que meu herói também me observava, com seus critérios sobre
minha participação política e cultural. E qual não foi meu espanto quando ele
me convidou para acompanhá-lo no trabalho de renascimento do jornal
universitário da UME, “O Metropolitano”.
No “Metrô”, Paulo Alberto seguia me
encantando, não só fazendo um jornal pioneiro por sua qualidade, mas também
pela originalidade de seu modo de se fazer. Ele nos surpreendia com as decisões
que tomava, mantendo “O Metropolitano” em sua linha de independência e análises
agudas da realidade em que vivíamos.
No final desse período, por insistência da
equipe que comandara, Paulo Alberto resolveu experimentar a “política real”,
sua participação na política partidária e eleitoral. Ele se aproximou então de
Fernando Ferrari e decidiu se candidatar com a cobertura do PTN, o partido
comandado pelo deputado. Além de sua origem trabalhista, o PTN tinha a vantagem
de não estar queimado pelo comportamento ambíguo de seus políticos, como era o
caso do PTB, o partido trabalhista tradicional.
A Revolução Francesa, no século XVIII,
havia marcado as posições para o resto da história das democracias, com seu
slogan de liberdade, igualdade e fraternidade. Os capitalistas ocidentais
haviam eleito a liberdade como seu guia político; o socialismo emergente
escolhia a igualdade como seu rumo. Para nós, o Brasil seria a pátria da
fraternidade, mesmo que não soubéssemos ainda direito o que seria isso.
Começamos a conversar sobre o assunto,
antes do golpe de Estado de 1964. Tínhamos a sincera sensação de que vivíamos
um tempo de mudanças, mas cuidávamos para que essas mudanças não se tornassem
parecidas com o lugar-comum da velha política brasileira.
A partir de março de 1964, Paulo Alberto
foi para uma representação latino-americana no Rio, e viajou em seguida para a
Bolívia, onde viveria seus primeiros anos de exílio. Dei-lhe de presente minha
coleção completa de exemplares do “Metropolitano”, ele não tivera tempo de
recolher os seus.
Fiquei muito tempo sem saber dele, tendo
apenas vagas notícias que me eram enviadas por nossos amigos. Foi quando
comecei a ouvir falar de Artur da Távola, o nome que adotaria para seguir
escrevendo seus comentários políticos e sociais, como fazia no “Metropolitano”.
Escrevi-lhe longo texto para dizer que não
era esse um bom pseudônimo para escrever sobre o Brasil. A Távola Redonda não
tinha nada a ver com o que o país estava vivendo. Ele me respondeu que eu não
tinha entendido nada de suas intenções. Calei-me e ele em breve já era um de
nossos mais importantes cronistas, falando de rádio, TV e textos, falando aos
poucos do que importava falar. Eu tinha que reconhecer que ele estava certo. E
o fiz assim que pude.
Artur da Távola pensava e escrevia sobre
alguma coisa que não estava acontecendo como devia acontecer. E ele então,
sempre que podia, acabava me dizendo que “você talvez tenha alguma razão, mas
foi assim que senti a força do que dizia, foi assim que vivi a questão,
misturado com eles”.
Artur da Távola herdara de Paulo Alberto a mítica de um Brasil do futuro. Paulinho tinha mais uma vez razão.
Adorava Artur da Távola.
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