Folha de S. Paulo
Mesmo com PL das Fake News, debate manterá
conflitos e divisões políticas
Ainda hoje é comum a ideia de que a força
da extrema direita repousa na disseminação de fake news nas
redes sociais. Por esse motivo, o projeto
de lei 2.630/2020, que institui a Lei Brasileira de Liberdade,
Responsabilidade e Transparência na Internet, e recebeu o apelido infeliz
de PL
das Fake News, é visto como uma tábua de salvação por certos setores
progressistas, sobretudo após a invasão
golpista de 8 de janeiro.
É verdade que a aprovação
do PL irá dificultar a circulação de conteúdos criminosos nas redes
que já se enquadram na lei brasileira, como crimes contra o Estado democrático
de Direito, atos
de terrorismo e atos preparatórios de terrorismo.
Para tanto, as plataformas serão instadas a conter conteúdos ilícitos de forma análoga ao que já ocorre na legislação recém-aprovada pela União Europeia: o que for ilegal offline também passa a ser ilegal online.
No entanto, a ideia de que a moderação de
conteúdos será realizada por algum tipo de Ministério da Verdade que irá dizer
o que é verdade ou mentira na internet não se sustenta.
De acordo com Chico Brito Cruz,
diretor-executivo do InternetLab, em entrevista
ao podcast Café da Manhã, as propostas sobre moderação de conteúdo em jogo
são de dois tipos.
A primeira diz respeito a quem
deve ser responsabilizado e, eventualmente, pagar por danos
relacionados a determinados conteúdos. No caso de conteúdos publicitários, o
relator do PL propõe que a plataforma seja responsabilizada e pague pelos
danos. Nos demais casos, será necessário o descumprimento de ordem judicial
para que a plataforma passe a responder pelo conteúdo danoso.
A segunda é de ordem sistêmica e inspirada
pela legislação europeia. Será preciso mapear e analisar regras internas,
sistemas automatizados e algoritmos e apontar quais medidas de mitigação de
riscos à democracia ou aos direitos de crianças e adolescentes, por exemplo, serão
empregadas. As plataformas não serão punidas por casos específicos, mas apenas
se houver uma falha sistêmica em coibir conteúdos criminosos.
Ou seja, a regulação não incide sobre
conteúdos específicos que eu, você, o tio do "Zap" e a sobrinha
do TikTok postam
nas redes. Ninguém vai ser perseguido por postagens afirmando que "Lula, ajudado
pelo STF,
deu um golpe nas instituições brasileiras" ou que "Temer deu
um golpe, com o Supremo, com tudo", e as empresas não irão vetar tudo o
que possa parecer fake news sobre temas sensíveis listados na lei, preocupações explicitadas
por Joel
Pinheiro da Fonseca nesta mesma seção.
Assim, ainda que as redes sociais se tornem
espaços mais seguros com a aprovação do PL, o debate público continuará
permeado pelos mesmos conflitos políticos e divisões ideológicas.
E a extrema direita não irá desaparecer em um passe de mágica. Afinal, a disseminação de suas principais ideias e narrativas prescinde de fake news e conteúdos abertamente criminosos, uma vez que o processo estrutural que de fato é responsável por seu fortalecimento, e que compreende a erosão da ordem neoliberal, a falência do modelo social-democrata e a crise de legitimidade da ação estatal, apenas continua a se aprofundar.
*Doutora em ciência política pela USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
Não entendi muito bem o último parágrafo.
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