Folha de S. Paulo
Plataformas temem a corresponsabilização
por discursos que publicam
Sempre que leio os argumentos dos que se
opõem ao PL das Fake News, torço pela sua aprovação. Quando, porém, leio os
argumentos dos defensores do PL, torço pela sua rejeição.
Se escrevo um texto criminoso neste espaço,
a Folha partilha o ônus jurídico; se uma rede social difunde o mesmo
texto, sofro sozinho as potenciais consequências, enquanto a plataforma
contabiliza os lucros. As plataformas de internet temem, acima de tudo, o
núcleo correto do PL: a corresponsabilização por discursos criminosos que publicam.
O modelo de negócio delas organiza-se em torno do impulsionamento da palavra
que acirra emoções primitivas –ou seja, no mais das vezes, o discurso
extremista. Por isso, rejeitam as leis de responsabilidade que regulam a
imprensa.
Os oponentes do PL alargam o conceito de liberdade de expressão até fazê-lo abranger o crime. O Facebook foi o veículo principal da campanha de limpeza étnica conduzida pelos militares de Mianmar contra os muçulmanos Rohingya. Foi, igualmente, o megafone da campanha de ódio do governo nacionalista hindu de Narendra Modi contra os muçulmanos indianos.
Discursos exterministas circulam nas redes,
mirando judeus, cristãos, negros e uma infinidade de outros grupos. No Brasil,
as plataformas serviram à campanha antivacinal de Bolsonaro e à articulação dos
atos golpistas do 8/1. O que é crime fora das redes, é crime nas redes. Os
inimigos do PL almejam perpetuar a "liberdade" de disseminar
discursos criminosos.
Mas queremos criminalizar o crime ou a
mentira? No seu texto, acertadamente, o PL limita-se ao primeiro. Já seus
defensores mais entusiasmados clamam pela eliminação da "mentira", da
"desinformação". As freiras imaculadas esqueceram que a inverdade é
parte do discurso político desde (pelo menos) os debates no Senado Romano no
século anterior à Era Cristã?
O episódio Google evidenciou a extensão da
ira santa. O Google violou a confiança de seus usuários ao transformar a página
neutra de busca em suporte de um link editorial. Foi um gesto antiético de uma
empresa na sua relação privada com os consumidores. Ela plantou a semente da
desconfiança sobre seu bem mais precioso, que é o mecanismo de busca, mas não
cometeu um crime contra a ordem pública.
Segundo a lógica do PL, o Google deve ser
tratado como veículo de imprensa. Nesse caso, o que ele produziu foi, apenas,
um editorial. As freiras reagiram enrolando-se no sagrado pendão auriverde e
invocando nada menos que a Pátria e a Soberania (maiúsculas, aí). Juízes sem
freios entraram no jogo, anunciando sanções preventivas e exigindo uma
"imparcialidade" que não figura em nenhuma lei. Por algumas horas, o
Brasil vestiu-se com as fantasias da China, da Rússia, do Irã ou da Arábia
Saudita...
Banir a "desinformação"?
Prenderemos o bolsonarista que qualificar o AI-5 como um instrumento da
"guerra ao comunismo"? Encarceraremos o arauto brasileiro de Putin
que justifica a invasão da Ucrânia pelo "combate ao nazismo"? Também
sentenciaremos Lula por classificar um impeachment fiscalizado pelo STF como golpe
de Estado?
As freiras histéricas não escondem sua
utopia mais perigosa: entronizar a Verdade (com maiúscula). Entretanto, como se
sabe, o Reino da Verdade é, invariavelmente, o outro nome do totalitarismo. A
democracia recusa a verdade oficial. Nela, o que existe são verdades, no plural
–e, justamente por esse motivo, admite-se a liberdade partidária e exigem-se
eleições competitivas.
O PL tem defeitos óbvios, como a cláusula
vergonhosa que permite à casta parlamentar a produção de discursos vedados aos
demais e as ambiguidades sobre a fonte e natureza de um indefinido órgão
regulador. Seus inimigos, contudo, encontraram um ponto mais frágil, que se
situa fora dele: o discurso de seus defensores. É que, de fato, muitos deles
sonham com a Censura do Bem.
Excelente
ResponderExcluirDemétrio demetriando.
ResponderExcluirExcelente!
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