Folha de S. Paulo
De ilusionismos eleitorais também padecem
as democracias
Há 20 anos, Luiz Inácio da Silva era
um personagem a quem quase tudo era permitido. Hoje, não mais. Sinal de que o
Lula eleito em 2022 estava com a cabeça em 2002 foi aquele voo
em jatinho de empresário amigo para participar da COP27, no Egito, ainda
durante a transição.
Pertence à mesma série de descompassos entre o pretendido e o resultado obtido o lugar dado a João Pedro Stedile na comitiva da viagem à China, em abril, enquanto o convidado anunciava ofensiva de invasões de terra pelo MST. Ambos os casos provocaram críticas e desconcerto.
Em vários outros houve bem mais que isso. O
Congresso reagiu na forma de derrotas impostas a uma agenda que não se adequava
ao perfil do Parlamento, diverso daquele de 2003 em que o Senado era presidido
por um José
Sarney aliado incondicional, e a Câmara, pelo petista João
Paulo Cunha.
Os repetidos reveses, com destaque para o
da desidratação
das pastas do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas na medida provisória
do redesenho da Esplanada, são atribuídos ao conservadorismo do Congresso. É
verdade, mas surpresa alguma.
Esse
perfil saiu nas urnas em outubro passado. O governo eleito no final daquele
mês desde então sabia que deveria compatibilizar sua pauta à da representação
congressual escolhida pela maioria do eleitorado. Goste-se ou não, foi o pacto
proposto e deveria ser observado.
De ilusionismos eleitorais também padecem
as democracias. Sob o jugo do populismo definham de modo sutil e vagaroso,
diferentemente do desmonte explícito provocado pelos arroubos de aspirantes a
tiranos.
A venda de utopias na corrida por conquista
de votos faz parte do jogo. É normal, mas dentro de limites.
Quando se ultrapassam as fronteiras do
razoável e as ilusões vendidas se desfazem por completo no confronto com a
realidade, tem-se o chamado estelionato eleitoral sob a égide do qual se
contrata o descrédito da política, mortal para a democracia.
Pois é.
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