O Estado de S. Paulo
Quanto custa a busca de Lula por liderança regional e protagonismo mundial?
Ao desembarcar em Brasília nesta
terça-feira, o presidente da Argentina, Alberto Fernández, vai ajudar bastante
a responder a uma pergunta que não quer calar: quanto vai custar a recuperação
da liderança do Brasil e de Lula na América do Sul, fundamental para a ambição
de algum protagonismo global?
Fernández desistiu de concorrer à reeleição
e chega num momento de desespero na Argentina, com o dólar valendo mais de 400
pesos e uma inflação de mais de 100%, a maior em 30 anos. É uma viagem de emergência,
não vai sair barata para o Brasil e depois tem mais.
As reuniões de hoje terão Lula, Fernández e a equipe econômica. As orelhas do BNDES vão arder. Ele vai ser chamado a financiar empresas brasileiras que exportam para a Argentina, que já raspou o fundo do tacho de suas reservas e terá de fazer contorcionismos para dizer como, e se, vai pagar a dívida.
Lula volta a se reunir com Fernández duas
vezes, uma no fim do mês, num “retiro” dos presidentes da América do Sul em
Brasília, e outra em 4 de julho, na cúpula do Mercosul em Porto Iguaçu, na
Argentina. Nas três ocasiões, um estará de pires na mão e o outro, com os
cofres abertos.
Outro vizinho do Mercosul, o Paraguai,
também só pensa naquilo: tirar uma casquinha da ambição brasileira por
liderança e protagonismo. Eleito com 47% dos votos no último domingo, o
economista Santiago Peña, de 44 anos e do eterno Partido Colorado, só assume em
agosto, mas já quer renegociar o acordo binacional de Itaipu, que completa 50
anos.
O Brasil construiu a usina sozinho, com uma
contrapartida: o uso de energia é meio a meio e quem não consome os seus 50% é
obrigado a vender o excedente para o parceiro. O Paraguai não usa nem um quarto
da sua cota e, desde os dois primeiros mandatos de Lula, tenta: ou ficar livre
para vender o excedente para outros países, ou renegociar os valores que o
Brasil lhe paga. Lula vai ceder? Se ceder, o que o Brasil lucra com isso?
Na fila também está a Venezuela, que vive
crise sem fim e terá eleições em 2024, a primeira após a reaproximação com a
Colômbia, que sedia reuniões internacionais para uma saída que inclua votos
livres e fim das sanções ao país. O Brasil está dentro, mas quer ficar por
cima.
O custo da liderança é medido em cifrões,
mas há uma outra moeda: o silêncio leniente. Ok, a Nicarágua não fica na
América do Sul, mas isso não justifica a falta de uma recriminação enérgica a
um regime sanguinário, aqui nas nossas barbas. O Brasil tem de reocupar um
espaço naturalmente seu na região, para alçar voos maiores mundo afora, mas,
“amigos, amigos, negócios à parte”.
Mandou bem minha cara.
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