segunda-feira, 1 de maio de 2023

Entrevista | Simone Tebet: Copom não terá mais desculpa para não baixar o juro após aprovação do arcabouço em junho

Por Maria Cristina Fernandes, Valor Econômico

Em entrevista ao Valor, ministra diz que "a cada condição que o BC coloca e a gente vai resolvendo, eles vão colocando outras. Vão colocar mais o quê?

Simone Tebet entrou no governo determinada a convencer os colegas de ministério de que sua missão no Planejamento não era a de uma liberal vocacionada a tesourar o gasto social. Na quinta-feira da semana passada, ao participar da audiência, no Senado, ao lado do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e do presidente do Banco CentralRoberto Campos Neto, foi para cima. Usou a metáfora da dose que diferencia o remédio do veneno para dizer que a taxa de juro de 13,75% encaixava a política monetária nesta segunda condição.

Entrevista No dia seguinte, em entrevista ao Valor, a ministra do Planejamento deu um passo adiante. Disse que a aprovação do arcabouço fiscal em maio, na Câmara, e na primeira semana de junho, no Senado, deixará o BC sem alternativa: “Não terá mais desculpas para não baixar o juro no Copom, nem que seja 0,25 ponto percentual. A cada condição que o BC coloca e a gente vai resolvendo, eles vão colocando outras. Vão colocar mais o quê?” Após o encontro da semana que vem, o Copom vai se reunir em 20 e 21 de junho e depois em 1 e 2 de agosto.

A origem no agronegócio e a filiação no MDB lhe dão liberdade para ser ainda mais incisiva que Haddad, que precisou superar os estigmas do petismo para se impor junto aos agentes financeiros. A intimidade adquirida com o Judiciário e com os atuais líderes da oposição quando presidiu a Comissão de Constituição e Justiça do Senado, a norteia para trafegar nos impasses surgidos nos tribunais e no Congresso durante a tramitação das propostas econômicas do governo.

Na semana passada, a previsão, no governo, era de que o placar no julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a exclusão dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS da base de cálculo para a tributação federal (Imposto de Renda de Pessoa Jurídica e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) seria de 7 a 2. A cautelar do ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, porém, levou à unanimidade do 9 a 0. Com um placar desses, o STF, na avaliação interna do governo, reverterá o entendimento do STJ, crucial para a União amealhar as receitas necessárias à sustentação do arcabouço fiscal. “O Supremo já deu demonstração de que tem o papel de guardião da Constituição passa por uma interpretação mais sistêmica”, diz a ministra.

Simone Tebet não teme que a derrota de uma entidade do setor nessa ação, a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), aumente a tensão com os ruralistas. “O ambiente está conflagrado por outras razões. Sou do agronegócio e sei que a tensão tem mais a ver com a invasão de áreas produtivas e com a demarcação de áreas indígenas sem a devida compensação”.

No fim da semana passada, depois de saber que o ex-presidente Jair Bolsonaro compareceria a uma feira de agronegócios, a Agrishow — que perdeu o patrocínio do Banco do Brasil — na comitiva do governador de São Paulo, Tarcísio Freitas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva proibiu o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, de subir ao mesmo palanque. O governador ligou para Lula na tentativa de se justificar, mas o presidente permaneceu irredutível.

A experiência da ministra na CPI da Covid lhe dá segurança para afirmar que a CPMI dos atos golpistas não mobilizará a população da mesma forma e, por conseguinte, não afetará a tramitação da reforma tributária. “Naquela CPI as pessoas estavam apavoradas e queriam vacina, agora já viraram a página e querem emprego”.

Se a ministra dá por certa a aprovação do arcabouço até junho, acredita que a reforma tributária, para passar, depende de mais negociação política com a Câmara dos Deputados do que do burilamento técnico da proposta. Já haveria, na sua opinião, um grau de consenso consolidado em torno da proposta.

Esse consenso estaria exemplificado na escolha do relator, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), parlamentar que mergulhou no tema nas legislaturas de Rodrigo Maia na Presidência da Casa. Cresce, no governo, a expectativa de que os deputados podem vir a cobrar, dos senadores, celeridade na aprovação da liberalização do jogo aprovada na Câmara na gestão Jair Bolsonaro e paralisada no Senado.

Quatro meses depois de ser empossada no cargo, Tebet diz que a surpresa mais positiva no Executivo foi com o grau de comprometimento dos ministros das pastas de estruturas pequenas, como Anielle Franco (Igualdade Racial), Silvio Almeida (Direitos Humanos) e Cida Gonçalves (Mulheres) em buscar saídas para viabilizar seus projetos. Situa, entre os desafios a serem superados, a conquista da metade do Brasil que não votou em Lula.

A seguir, a entrevista concedida por Simone Tebet ao Valor no escritório da Controladoria Geral da União em São Paulo, no prédio em que também fica a sede do Banco Central na Avenida Paulista, no final da manhã da última sexta-feira.

Valor: O arcabouço fiscal só se sustenta com novas receitas. O que lhe dá segurança de que o governo disporá delas?

Simone Tebet: O arcabouço tem o objetivo de controlar o gasto público e estabilizar a dívida no médio prazo. O endividamento iria bater em 90% do PIB em 10 anos. Apenas o arcabouço garante que fique em torno de 85%. Com a reforma tributária, a partir de 2025, o PIB, em 15 anos, pode crescer 20%. A preocupação com a meta se situa dentro dessa perspectiva. Assim como a meta de inflação é importante, a meta do primário é fundamental porque ninguém pode gastar mais do que arrecada. Além disso, só vamos gastar 70% do aumento real da receita. Preciso de R$ 150 bilhões mas se conseguirmos R$ 125 bilhões fico dentro da banda com um déficit no primeiro ano. Se eu não conseguir a receita desejada, vou conseguir o objetivo principal do arcabouço que é conter gasto. Vou ter que conter de qualquer jeito. Tem LDO, TCU e Congresso que pode chamar a equipe econômica a qualquer momento para avaliar o cumprimento do arcabouço. O julgamento contrário ao uso dos descontos do ICMS no lucro tributável já garante metade dessa receita

Valor: Mas isso foi no STJ, falta o Supremo...

Tebet: Mas com um placar como este, de 9 a zero, a ação chega com força no Supremo. A Corte já deu demonstração de que hoje tem uma visão mais ampla de seu papel. É um papel de guardião da Constituição mas com uma interpretação mais sistêmica. E nessa ótica, entender que se nós, da União, não podemos aprovar projetos que impactem estados e municípios sem compensá-los, a recíproca também é verdadeira. A tese jurídica é muito forte. Os estados podem dar incentivo, mas não podem comprometer a receita federal. No aspecto jurídico estamos bem calçados, mas, aliado a isso, o Supremo tem essa consciência de que se quisermos ter responsabilidade fiscal, e isso é fundamental para impactar na queda da taxa de juros, precisamos incrementar a receita.

Valor: O fato de ser uma decisão que coloca União de um lado e a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), do outro, não conflagra ainda mais a relação com o setor?

Tebet: O ambiente do agronegócio está conflagrado por outras razões. Eu sou do agronegócio. Tem muito mais a ver com a invasão de áreas produtivas, a demarcação de áreas indígenas sem a devida compensação de pagamento em dinheiro. Porque não é um problema demarcar área para o setor produtivo, desde que se pague em dinheiro já que a Constituição deu um prazo de 5 anos e não demarcou, não fez o dever de casa. É preciso mudar a Constituição para que o pagamento seja em dinheiro e não em título da dívida agrária. A questão do agro é muito mais a questão fundiária do que qualquer outra coisa. O agronegócio está disposto a discutir a reforma tributária. Estive ontem com o presidente da Frente Parlamentar do Agronegócio, Pedro Lupion. Estão prontos para discutir a reforma, onde perde e onde ganha.

Valor: Uma parte importante do gasto tributário é no agronegócio. O setor está disposto a ser reonerado?

Tebet: São dois pacotes. No primeiro, de 12 de janeiro, teve a denúncia espontânea no Carf [Conselho Administrativo de Recursos Fiscais] e a revisão dos contratos da gestão passada que podem chegar a R$ 20 bilhões. Algumas dessas receitas são permanentes, outras são temporárias. Foram anunciados 150 bi, que seja 30% disso. O segundo pacote envolve os riscos judiciais, onde a AGU, o Planejamento e a Fazenda trabalharam e passa por esta vitória no STJ e pode render R$ 70 bilhões, e a tributação de apostas eletrônicas, que ninguém sabe exatamente, mas pode render R$ 10 bilhões. E um terceiro pacote, se essas medidas não forem suficientes, será o do gasto tributário.

Valor: O arcabouço foi bem recebido, mas as lideranças partidárias já avisaram que não aceitarão a descriminalização da Lei de Responsabilidade Fiscal. Foi um erro colocar isso no arcabouço?

Valor: Não. Houve um erro de interpretação. A LRF nunca impediu o governo de não cumprimento. Meta é meta. Se tenho fatores externos que me impedem de cumprir meta, como uma pandemia, mandamos um PLN [projeto de lei do Congresso sobre matéria orçamentária de iniciativa do Executivo] e o Congresso muda a meta. O problema da [ex-presidente] Dilma [Rousseff] é que não tinha uma lei permitindo que ela mudasse a meta. Se o Congresso quiser fazer algum ajuste não tem problema algum, desde que seja no aspecto institucional. Temos que dar uma satisfação ao Congresso, temos o TCU na nossa cola.

Valor: Quando se espera a aprovação definitiva do arcabouço?

Tebet: Sabemos que quando o presidente da Câmara dá a palavra ele cumpre. Temos um bom canal com o relator, o deputado Claudio Cajado (PP-BA). E estivemos no Senado esta semana e não vi uma oposição raivosa. A pauta fiscal é a pauta da direita.

Valor: A senhora acha que o presidente do Banco Central foi convencido naquela audiência no Senado?

Tebet: Naquela audiência fui clara ao dizer que não há contradição em o Banco Central defender meta de inflação e defender que taxa de juro controla inflação porque a inflação é um imposto pernicioso para os mais pobres. Mas também não tem contradição quando o governo indaga se os juros de 13,75% estão corretos. Se justificam? E que inflação é esta? Que fatores são esses? São os mesmos lá de trás? A guerra continua na Ucrânia e a pandemia empobreceu o mundo, a gente sabe, e a inflação cresceu por isso. É preciso uma reanálise da inflação. E o tipo da inflação é provisória, é sazonal. Essa análise precisa ser feita. Vi o Arminio Fraga falando mais do social do que Roberto Campos [Neto]. O país não tem só risco fiscal. Tem risco fiscal e social. Estamos vendo liberais falando isso. Dentro desse processo acredito piamente que o arcabouço vai ser votado até o meio do ano e o Banco Central não vai ter saída senão baixar o juro. Vi Marcos Lisboa e Arminio Fraga falando claramente o seguinte: taxa de juro tem a ver com o fiscal. Estamos autorizados a fechar o ano com 2% de déficit do PIB, mas estamos mostrando que vamos fechar com metade disso, ou menos da metade.

Valor: Mas Arminio Fraga também também falou que a conta não fecha...

Tebet: Ele diz que a conta não fecha porque ele ainda não foi apresentado de forma oficial ao incremento da receita. Por isso essa decisão do Supremo é importante para nos planejarmos com passos futuros. A fala do Banco Central na última reunião do Copom é que o BC não trabalha com expectativa. Trabalha com expectativa de juro mas não com expectativa de aprovação no Congresso. Mas está tudo caminhando para aprovar em maio na Câmara e, no mais tardar, na primeira semana de junho no Senado. Aprovado, qual vai ser a desculpa do Copom para não baixar, ainda que 0,25 ponto percentual? Cada condição que o BC coloca e a gente vai resolvendo, eles vão colocando outras. E agora vai colocar o quê?

Valor: A CPMI dos atos golpistas não vai atrapalhar?

Tebet: A comissão não vai atrapalhar os trabalhos no Congresso. É muito diferente da CPI da Pandemia. Nesta, a sociedade estava dentro de casa, apavorada e as pessoas queriam saber da vacina. Agora as pessoas querem comer e querem o emprego. Elas não vivenciaram de perto o 8 de janeiro. A população já virou a chave, no seguinte sentido: continuo de direita, sou contra Lula, mas não quero Bolsonaro. As bolhas que se retroalimentam têm de 7% a 8% das redes. Não vai impedir nada. Na hora que Lira quiser, ele coloca em plenário

Valor: A tributária também?

Tebet: Passa no primeiro semestre na Câmara e no final do segundo semestre no Senado. Tem que fazer concessão na educação, saúde e serviços, e aí passa.

Valor: E aí volta para a Câmara?

Tebet: Pode promulgar o que tem coincidência e deixar o que não tem pra fazer duas promulgações.

Valor: Na audiência do Senado, cobrou-se a reforma administrativa que, inevitavelmente, atingiria o Judiciário. Dada a dependência que o Executivo hoje tem do Judiciário na pauta fiscal, convém prosseguir nela?

Tebet: Não é uma reforma para o imediato. Pode ser que no segundo semestre, depois que a Câmara entregar a reforma tributária, Lira queira retomar a PEC 32, mas eu não me preocuparia com ela agora. É um equívoco dizer que esta reforma vai mexer com estabilidade, basta regulamentar a reforma do Fernando Henrique [Cardoso]. A grande reforma é a redução do custo da máquina pública, do prontuário único no SUS à digitalização de todo a máquina pública. Isso traz qualidade para o gasto púbico e diminui o efetivo de servidores.

Valor: Quatro meses depois, que balanço a senhora faz do governo?

Tebet: Me surpreendi com a qualidade e vontade política de servir dos novos ministros que, com estruturas pequenas estão empenhados em demonstrar saídas para o Brasil, nas pastas da Igualdade racial [Anielle Franco], Direitos Humanos [Silvio Almeida], das Mulheres [Cida Gonçalves]. E também no Meio Ambiente que está se organizando com o tempo. Há um envolvimento, um comprometimento com o Brasil, uma fidelidade ao país. Todo mundo brigando por recurso e se engajando no social, no que interessa, no bem coletivo. Muita determinação em obter resultado. Não é porque sou liberal que meu papel é o de tesourar gasto. É o de achar espaço para o social. Me interessa a qualidade do gasto, em livrar o Estado do que é supérfluo, que vai pelo ralo.

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