Valor Econômico
A destruição de alicerces fundamentais para
o crescimento do país vem ocorrendo de maneira metódica
Impressiona o pantagruélico apetite do
governo Lula para voltar ao passado, ao ressuscitar políticas públicas que,
além de obsoletas, fracassaram flagrantemente em seus propósitos e que
deixaram, muitas delas, uma herança maldita para o país que ainda está longe de
ter sido digerida.
A coleção de intenções, tentativas e ações governistas para reviver um passado nada glorioso se avoluma a cada dia: fim da paridade de preços da Petrobras; incentivo para carros populares; revogação parcial do marco regulatório do saneamento; reestatização da Eletrobras; demolição do teto de gastos; extinção da TLP e volta da política de subsídios do BNDES, inclusive para financiar novamente países em estado falimentar; interferência na autonomia do Banco Central etc.
Atribui-se a Nelson Rodrigues ter dito que
“o subdesenvolvimento não se improvisa, é obra de séculos”. A exatidão dessa
frase se mostra evidente quando se analisa os primeiros meses do terceiro
mandato de Lula. Como se percebe na lista acima, a destruição (tentada ou
consumada) de alicerces que poderiam ser fundamentais para acelerar de maneira
sustentável o crescimento do país vem ocorrendo de maneira metódica, inclusive
atingindo avanços institucionais que datam da primeira passagem de Lula pela
Presidência da República.
Comecemos pela ideia de incentivar os
carros ditos “populares”, mediante redução de tributos. Do ponto de vista
fiscal, a medida contraria frontalmente o espírito do novo arcabouço fiscal
proposto pelo próprio governo e ainda sequer aprovado pelo Congresso. Se há
preocupação com o excesso da carga de impostos sobre veículos, o governo
deveria investir na reforma fiscal e não em ações de desoneração setorial.
Ademais, não há qualquer vestígio de preocupação “social” numa medida que
beneficiará apenas a classe média.
Quanto à mudança na política de preços
da Petrobras,
prometida por Lula em campanha e agora oficializada, o mínimo que se pode dizer
é que ela escancara as portas para o uso político da empresa, confirmando os
temores de retrocesso em sua governança e ameaçando trazer de volta o
desequilíbrio financeiro e a excessiva alavancagem que afetaram a empresa nas
gestões petistas anteriores. A propósito da Petrobras,
outro lamentável retrocesso anunciado é a suspensão do programa de venda de
ativos e a intenção de voltar a investir no refino e na distribuição de
derivados de petróleo.
Seguindo no roteiro das viagens ao passado,
as tentativas de reestatizar, por vias oblíquas, a Eletrobras e
a mudança, por decreto presidencial, do marco regulatório do saneamento para
beneficiar empresas estatais expuseram o viés estatizante e intervencionista do
PT, visando recriar a mesma estrutura ineficiente e vulnerável às barganhas
políticas e a corrupção que veio à tona com os escândalos do mensalão e da
operação Lava-Jato. Na mesma toada, há a decisão anunciada por Lula de
suspender quaisquer novas privatizações, inclusive a dos Correios.
Por sua vez, a marcha a ré implícita em
declarações do presidente do BNDES também é preocupante. Uma das medidas mais
positivas adotadas durante o governo Temer foi a criação da TLP e a eliminação
dos subsídios nas operações do banco, além da devolução ao Tesouro dos recursos
imprudentemente repassados à instituição. A partir dessas mudanças, observou-se
o florescimento do mercado de capitais brasileiro, inclusive com o surgimento
de um mercado de ativos de crédito privado que antes praticamente inexistia.
Vale consignar que tal alteração no modus
operandi do BNDES não afetou negativamente o crédito de longo prazo no Brasil,
muito pelo contrário. Assim, parece no mínimo estranho buscar recriar um modelo
que já estava obsoleto e que trouxe prejuízos para o Tesouro, como no caso dos
duvidosos empréstimos para Cuba e Venezuela.
Além de todo esse saudosismo na agenda
microeconômica, o governo Lula tenta demolir o tripé macroeconômico que muito o
ajudou no seus dois primeiros mandatos, mas que foi parcialmente abandonado
durante a fracassada gestão Dilma. Ao contrário do que fez com Henrique
Meirelles, Lula e uma ala do PT buscam interferir no Banco Central presidido
por Roberto Campos Neto, trazendo consequências negativas para execução da
política monetária e para as expectativas dos agentes econômicos. Não bastasse
isso, tudo indica que a política fiscal seguirá muito mais a irresponsabilidade
que marcou o governo Dilma do que uma trajetória de superávits primários verificada
no primeiro mandato de Lula.
Felizmente, o atual perfil ideológico do
Congresso Nacional servirá de freio para muitas dessas aventuras passadistas do
governo de Lula, como se viu no caso das alterações da Lei do Saneamento.
Porém, não deixa de ser trágico para o país a atualidade perene da frase de
Roberto Campos cunhada décadas atrás: “Por amor ao passado, o Brasil perdeu o
presente e comprometeu o futuro”.
*Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central e é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo
O colunista é aquele que escrevia na Veja,eu acho que é.
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