Folha de S. Paulo
Com risco à democracia contido, STF deveria
voltar às interpretações mais ortodoxas da Carta
O STF prestou
um serviço ao país ao contrapor-se ao golpismo de Jair
Bolsonaro. O tribunal não só invalidou algumas das medidas mais
exorbitantes do ex-presidente como também traçou linhas vermelhas
institucionais. Se não o tivesse feito, militares mais afeitos aos círculos
bolsonaristas talvez tivessem se sentido à vontade para gestos mais ousados,
com consequências potencialmente ruinosas para a democracia.
A fim de executar essa missão, o Supremo, em alguns momentos, permitiu-se interpretações criativas das leis e da Carta. Não dá para dizer que a corte violou a Constituição, mesmo porque, no desenho institucional brasileiro, cabe ao STF determinar o que está ou não de acordo com a Carta. Fica um gostinho de paradoxo de Russell no ar, mas, se nem a matemática está livre dos fantasmas da incompletude, seria despropositado esperar que o direito se salvasse.
De todo modo, penso que a exuberância
hermenêutica do STF se justificava diante de uma dupla circunstância. Tínhamos,
no comando do Executivo, um indivíduo disposto a eliminar ou pelo menos
esmaecer os limites que os freios e contrapesos institucionais lhe impunham e
tínhamos, no comando da Procuradoria-Geral de
República (PGR), um indivíduo disposto a poupar o chefe de qualquer
aborrecimento jurídico. Em outras palavras, os caminhos normais da
institucionalidade estavam entupidos.
A situação mudou. Bolsonaro não é mais o presidente. Augusto Aras ainda ocupa a PGR, mas sua atitude agora é outra e ele já não protege Bolsonaro até de multas de trânsito (deixo para cada leitor concluir o que isso diz sobre Aras). Embora haja muito a investigar e ilícitos a punir, as engrenagens normais da Justiça agora parecem desimpedidas, de modo que o Supremo já pode voltar a operar com interpretações mais ortodoxas da Constituição. Uma das fontes de legitimidade do STF está em deter o poder, mas ser capaz de exercer a autocontenção.
Não entendi a última frase.
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