A partir daí, os militares sempre estiveram convictos que tinham
herdado do Imperador o poder moderador, o qual lhes permitia a tutela sobre a
sociedade, a política e as instituições do Brasil. E este pensamento,
infelizmente, está arraigado na nossa formação social, econômica, cultural e
política, em detrimento de uma formação democrática. Jamais se fez o menor
esforço para a inclusão do povo brasileiro na democracia, pelo que ele nunca
teve condições para defender as suas liberdades individuais, civis, sociais e
políticas.
Não se trata de uma questão pontual, restrita ao governo Bolsonaro, mas é algo permanente. A interferência militar na política se apresenta como um dos maiores problemas históricos da república e da democracia brasileira.
Nenhuma democracia sobrevive ao ativismo político dos militares. É
importante observar o ensinamento universal e atemporal: chefias de Estado ou
enquadram os que são responsáveis pelo uso dos aparatos de força ou serão por
eles enquadrados.
A partir da derrocada da ditadura, quando o povo brasileiro
manifestou o seu repúdio ao governo militar, os membros das Forças Armadas
perseguiram o objetivo de chegar novamente ao comando do País, via eleições.
Beneficiaram-se e se fortaleceram com a degradação da classe política
brasileira. Ao que tudo indica, o objetivo parece ser poderem se apresentar
como os únicos competentes e incorruptíveis, os “restauradores da ordem”, o que
está longe da verdade.
Alcançaram o anseio de chegar novamente ao poder apoiando
massivamente o candidato Bolsonaro na eleição de 2018. Uma situação
incompreensível, vez que Bolsonaro foi expulso do Exército, sempre foi um
político medíocre e era, ele e sua família, envolvido com as milícias. E isto
os militares certamente sabiam ou o sistema de inteligência deles é muito
incompetente.
Bolsonaro montou o governo mais militarizado da nossa história.
Nem no período da ditadura tivemos tantos militares, da ativa e da reserva,
exercendo cargos no governo federal. Em 2021, o Tribunal de Contas da União
registrou 6.175 militares ocupando cargos no governo federal.
E o que de bom os militares fizeram? Contribuíram para que o
governo Bolsonaro fosse avaliado como o pior e mais corrupto de toda a história
do Brasil. Tanto é verdade que, apesar de todos os recursos financeiros
(orçamento secreto), materiais e humanos do Estado colocados nas mãos dos seus
apoiadores a serviço de sua reeleição, não conseguiu ele o seu objetivo.
Afinal, Deus demonstrou que é brasileiro, pois o Brasil não
resistiria a mais um governo Bolsonaro.
De fato, o aumento da corrupção na gestão Bolsonaro foi constatado
por várias instituições, como Transparência Internacional, Organized Crime and
Corruption Reporting Project e Banco Mundial, que apontaram o desmonte da
estrutura legal de combate à corrupção como a principal causa.
Inconformados com a derrota, os militares fomentaram os atos
antidemocráticos que culminaram na invasão e vandalismo das sedes dos Três
Poderes da República. Queriam, sem dúvidas, que o caos resultasse no golpe
final contra a democracia.
O Presidente Lula, após os atos golpistas de 8 de janeiro, agiu corretamente
ao não convocar os militares para contornar a situação, demonstrando que não
tinha mais confiança neles; ao designar um civil como interventor da Segurança
Pública do Distrito Federal; ao declarar que as Forças Armadas não são um poder
moderador; e ao trocar o comandante do Exército. Mas isso são ações pontuais
que, seguramente, não vão dissuadir os militares a abandonar o pensamento de
que são um poder moderador e que têm a missão, quase divina, de tutelar a
sociedade civil.
Será preciso muito mais: estratégia bem definida, metas traçadas,
paciência e, sobretudo, perseverança cotidiana. A oportunidade que se apresenta
é muito favorável para se iniciar a mudança nas Forças Armadas, de forma a
afastar em definitivo da vida nacional o perigo de golpes militares. O desgaste
dos militares pelo envolvimento ou omissão nos atos golpistas de 8 de janeiro e
no mar de lama que está sendo desnudado pelas recentes investigações enseja
essa ação.
Para isso, o Governo Lula deverá apoiar-se na força dos movimentos
sociais e de todos os setores democráticos e progressistas da sociedade,
convocando uma conferência nacional para oferecer sugestões e diretrizes para a
Defesa Nacional, com a participação de lideranças políticas, cientistas,
empresários, diplomatas, jornalistas, procuradores, representantes dos povos
originários e líderes comunitários.
É hora de o Governo ter coragem de agir para afastar, de vez,
qualquer pensamento sobre tutela militar no Brasil e passarmos a concretizar a
nossa democracia.
*Geólogo, advogado e escritor
Meu Caro João Batista. A desejada tutela militar da sociedade brasileira, retrocede, na verdade, ao Império. Durante essa fase da história do país, os pequenos lugarejos, vilas e arraiais eram comandados - assim mesmo: comandados! - por certos senhores poderosos, normalmente autoritários, que eram escudados por certos títulos militares. À pobreza franciscana, restava a esperança messiânica de dias melhores. Esses senhores, todos brancos, desvirginaram as vísceras do país e os frutos nefastos dessa ação destruidora foram transferidos, hereditariamente, a seus descendentes. Vivemos uma nova escravidão que se alimenta e é impulsionada por uma ideologia fascista, sustentada por uma imprensa, igualmente, fascista. É possível a organização da sociedade a partir da base, mas precisamos fazer um esforço hercúleo para vencer os grilhões que o atual sistema perverso nos impõe. Todo apoio deverá ser dado aos movimentos sociais, possíveis células libertárias de um devir, efetivamente novo.
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