Folha de S. Paulo
O ex-presidente americano mostra o que
acontecerá com a direita brasileira
Quando Trump deixou
o poder em 2021, em meio ao trauma que foi o 6 de janeiro, ele
parecia liquidado. Mau perdedor, tendo que enfrentar vários processos judiciais
e ainda com o maior ataque à democracia americana pesando sobre suas costas;
suas falas bombásticas agora pareciam simplesmente irrelevantes.
Desde então, tudo mudou. Trump está mais
forte do que nunca. Não só seu estilo conseguiu manter uma base de apoiadores
forte, como mesmo os problemas jurídicos que ele enfrenta acabaram por
fortalecê-lo. Pesam contra ele desde acusações graves (como ter interferido
junto a autoridades eleitorais para mudar o resultado da votação) até
contravenções menores e que só receberam a atenção da imprensa e do sistema de
Justiça por se tratarem do ex-presidente.
O próprio fato de enfrentar um processo judicial e até o de ser condenado o fortalece, por alimentar a narrativa de que é um perseguido pelo sistema. Não tenho dúvida de que isso seja especialmente verdade quando o processo é por algo menor, por alguma tecnicalidade que escapa ao entendimento da maioria. Mas é bem possível que até acusações de crimes mais sérios possam ter o mesmo efeito.
Abuso sexual, tentativa de roubar votos. No
mundo de hoje, é fácil encontrar os motivos para se negar, minimizar ou mesmo
justificar qualquer ato, ainda que criminoso. É o "quem faz", e não o
fato em si, que motiva os posicionamentos. O mesmo vale na direção contrária:
para quem não gosta de Trump, qualquer conduta dúbia ganha as cores de um crime
contra a humanidade.
Certo ou errado, o fato é que esses
embaraços judiciais fortaleceram Trump como o candidato republicano para 2024.
O governador da Flórida, Ron
DeSantis, que aparecia como possível sucessor, agora já parece carta
fora do baralho. Tudo pode mudar até o ano que vem, mas o prognóstico está
muito bom para Trump.
Não há nada que obrigue o Brasil a repetir
passo a passo a dinâmica americana. Mas a semelhança é impressionante. A
campanha nas redes, a presidência marcada por polêmicas e ataques à democracia,
a imprensa como inimiga, a derrota depois de uma eleição acirrada. Até o nosso
6 de janeiro tivemos, com meros
dois dias de diferença para marcar nossa tímida singularidade.
Sendo assim, prevejo que
Bolsonaro será o líder inconteste da direita até 2026 e que ninguém
conseguirá destroná-lo. Isso não é torcida; na verdade desejo muito estar
errado. Só não acredito que esteja.
Mas temos sim uma grande diferença com
relação aos EUA. Ela está, não na dinâmica do apoio popular, e sim no
funcionamento das engrenagens da Justiça. Não se vislumbra nada que impeça
Trump de concorrer, se assim o quiser. Já por aqui, os embaraços jurídicos de
Bolsonaro provavelmente o tornarão inelegível. E daí não importa o quanto os
eleitores o queiram, ele não estará na urna. Exatamente como aconteceu
com Lula em
2018.
Permanecendo como líder moral, mas incapaz
de concorrer, conclui-se que o nome de direita para 2026 não surgirá por se
contrapor a Bolsonaro, e sim por conseguir a bênção dele. E, para isso, terá de
ser fiel a ele.
Chego, assim, à pergunta que não quer calar para quem deseja uma direita democrática e viável: é concebível que alguém possa, ao mesmo tempo, receber o apoio de Bolsonaro e os votos do bolsonarismo sem, contudo, reproduzir seus métodos desastrosos e mesmo criminosos na hora de governar?
A pergunta que não quer calar.
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