Correio Braziliense
A pior coisa que poderia ocorrer ao governo,
neste momento delicado da nossa política externa, em razão do posicionamento
sobre a Ucrânia, é uma crise no Meio Ambiente
A polêmica sobre a exploração de petróleo
na foz do Rio Amazonas, que opõe institucionalmente a Petrobras, que pretende
fazê-la, ao Ibama, que não autoriza, é nitroglicerina pura. Além de o ministro
das Minas e Energia, Alexandre Silveira, entrar em rota de colisão com a
ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, arrasta para o contencioso o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, numa hora em que o eixo da política externa
foi deslocado da economia sustentável para o tema da guerra e da paz.
A Petrobras pediu para explorar um campo
com potencial de 14 bilhões de barris de petróleo a 175km da costa do Amapá,
mas o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama) negou licença à estatal na quarta-feira.
A pior coisa que poderia ocorrer ao governo, neste momento delicado da nossa política externa, em razão do posicionamento de Lula em relação à guerra da Ucrânia, é um desembarque de Marina do governo. Ela é a fiadora da credibilidade do país nos fóruns internacionais sobre o meio ambiente, que abriram as portas da política mundial para o presidente Lula, antes mesmo de sua posse, além de desbloquear os recursos financeiros para o Fundo Amazônia.
A defesa da Amazônia sempre foi uma
bandeira da esquerda, muito mais pela ótica da integridade territorial e da
garantia de suas reservas minerais; mais recentemente, em razão das populações
ribeirinhas, dos seringueiros e dos indígenas, em defesa dos direitos humanos,
com forte atuação da Igreja Católica. Talvez tenha sido o cacique Raoni o
primeiro a sacar que a Amazônia já estava “internacionalizada”, ao deixar sua
aldeia para correr o mundo ao lado do cantor Sting, em busca de solidariedade
internacional à luta pela demarcação das terras indígenas.
Ex-seringueira, Marina seguiu essa trilha,
principalmente depois do assassinato do líder seringueiro Chico Mendes. Quando
ministra do Meio Ambiente, adotou uma agenda muito mais ampla, mas não perdeu o
eixo da luta pela preservação da floresta em pé. Ocorre que a população da
Amazônia hoje é estimada em 38 milhões de habitantes, que vivem, sobretudo, das
atividades econômicas tradicionais, entre as quais a pecuária e a exploração
mineral. Marina saiu do governo Dilma Rousseff por se opor à construção da
represa de Belo Monte, no Rio Xingu, perto de Altamira (PA).
Há um choque tremendo entre as lideranças
populares e indígenas da Amazônia, representadas por Marina e, agora, também
pela ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, e parte da elite política
dos estados da Amazônia, que representa interesses econômicos e políticos
tradicionais. Há também uma aliança tácita com madeireiros, garimpeiros,
pecuaristas e grileiros na região, que agora também registra a forte presença
dos traficantes de drogas.
O governo de Jair Bolsonaro agravou esse
choque, ao estimular o desmatamento e o garimpo, bem como a invasão das terras
indígenas. De certa forma, consolidou a internacionalização da Amazônia, por
transformar o desmatamento numa “ameaça global”. Ninguém pode ser indiferente a
essa nova realidade, muito menos o presidente Lula, que pretende solicitar à
Petrobras novos estudos sobre a viabilidade da exploração de petróleo na foz do
Amazonas, mais precisamente na costa do Amapá.
Pode virar mico
A posição de Lula é ambígua, disse que não
emitirá licença para a Petrobras se houver riscos ambientais. Ao mesmo tempo,
declarou que considera essa possibilidade remota, já que o ponto de exploração
fica a mais de 500km de distância da foz do rio. Vale lembrar que o presidente
da Petrobras, Jean Paul Prates, é petista de carteirinha. Foi senador pelo Rio
Grande do Norte e está com o prestígio em alta, por ter adotado uma nova
estratégia de fixação de preços da empresa, que reduziu os preços do diesel, da
gasolina e do gás de cozinha.
Na Amazônia, há mais de 100 poços de
petróleo sendo explorados em terra, há décadas. Não se tem notícia de
vazamentos até hoje. No mar, já houve mais de 100 outras perfurações, também
sem notícias de acidentes ambientais. Entretanto, essa é uma discussão técnica,
como a probabilidade de aviões caírem. Quando acontece, é uma tragédia.
A discussão, porém, deve ter outra
dimensão. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), se queremos ficar
próximos do objetivo de não aquecer a temperatura média do planeta mais do que
1,5° Celsius até 2100, mais de dois terços das reservas conhecidas de petróleo
nunca poderão ser utilizadas. Um ciclo de exploração de petróleo em águas
profundas, da prospecção à produção, leva até 20 anos para alcançar a
rentabilidade desejada.
Até a margem equatorial do Amazonas iniciar
produção, estaremos nos primeiros anos da próxima década. Países como a Arábia
Saudita, que não têm florestas, venderão seu petróleo ao preço de quem sabe que
o uso de petróleo vai acabar. Cada 0,1° Celsius a mais do que 1,5° Celsius
custam trilhões de dólares em perdas econômicas, milhares de mortos por
tragédia naturais e alto risco de colapso civilizacional. Segundo
ambientalistas, abrir uma nova fronteira de petróleo em vez de investir no
baixo carbono é visão de curtíssimo prazo e pode ser um mico financeiro
colossal.
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