sábado, 20 de maio de 2023

Luiz Paulo Velloso Lucas* - Viver não é preciso

Portal Notícias,24 horas (ES)

Navegar é preciso. Exige treinamento, mapas, bússola, régua, compasso e astrolábio que eram os instrumentos utilizados pelos navegadores portugueses na época dos descobrimentos e que também inventaram a vela latina, triangular, que permite velejar contra o vento. A navegação hoje conta com o GPS e instrumentos sofisticados e segue sendo exemplo de atividade de precisão, que usa conhecimento científico, cálculos e planejamento. Na navegação temos objetivos, destino e traçamos rotas.

Os poetas, de Fernando Pessoa a Paulinho da Viola, advertem que a vida não é como a navegação, é imprecisa e incerta. “Não sou eu quem me navega quem me navega é o mar”, diz um samba famoso do compositor portelense.

A atividade de planejamento na vida particular, nas organizações ou nos governos exige uma postura que procure combinar a ciência dos navegadores com a sabedoria dos poetas. O ensinamento fundamental da poesia é que o curso da nossa vida é uma resultante onde influem, além de nossas próprias decisões, escolhas e atitudes, a ação dos outros e o acaso. O economista chileno Carlos Matus preferia falar em “cálculo tecnopolítico” como sendo a ferramenta básica do planejamento e do processo de tomada de decisão nos governos.

Ainda há quem insista em fazer distinção entre “técnica” e “política” mas, na grande maioria das situações, não é a forma mais inteligente de lidar com o processo decisório. Existe muita literatura sobre a importância das políticas públicas baseadas em evidencias cientificas e comprovação empírica.

De fato, abandonar o “achismo” e o improviso, estudar experiências de êxito e fracasso, trabalhar com estatísticas e indicadores, fazer diagnósticos e desenhar cenários, gerar alternativas de decisão e avaliar os prós e contras de todos os caminhos possíveis são práticas gerenciais de excelência que reduzem muito os erros e as imprecisões. No entanto a boa gestão pública não é só isso. Não é precisa como a navegação muito embora deva recorrer a todos seus instrumentos. É a qualidade da política praticada que determina e condiciona a gestão pública.

A política, a luta e o exercício do poder político costumam ser analisados e qualificados com o auxílio de categorias como “pequena ou grande política”; política com “P” maiúsculo ou minúsculo; política de estadista, do baixo e do alto clero, maquiavélica, pragmática ou programática, “toma lá dá cá” entre outras.

Há também o conceito de “capital político” e de “capital cívico” que se relacionam com o grau de confiança existente na sociedade e sua disposição em acreditar e cooperar. Qualificar o processo político é procurar manter o leme das decisões de governo sempre no rumo do interesse público em meio ao ruído, por vezes ensurdecedor, dos múltiplos interesses particulares em disputa.

O interesse público é um alvo móvel que depende fortemente das diferentes formas de enxergar a vida e os interesses de cada segmento, categoria ou setor da sociedade. Trata-se de uma construção abstrata e edificá-la é o papel mais nobre das lideranças que surgem e se afirmam no processo político. Quanto mais se disponham a liderar estratégias transformadoras e se afastem dos populismos, mais avanço social e prosperidade ajudarão a produzir.

Quando o poder político é percebido como operando a favor da transformação social e do desenvolvimento, o capital cívico aumenta. Se, ao contrário, o poder político é capturado por interesses privilegiados, e é visto desta forma, a confiança se perde junto com o capital cívico.

Os economistas identificados com a escola institucionalista explicam o desenvolvimento dos países pela qualidade de suas instituições. Qualidade das instituições e da gestão pública.

A política é o barco da vida quando nos aventuramos navegar.

*Luiz Paulo Vellozo Lucas – engenheiro de produção pela UFRJ com cursos de pós *graduação em finanças (Arthur Andersen), desenvolvimento econômico (BNDES) e economia industrial (IE-UFRJ), mestrado em Engenharia e Desenvolvimento Sustentável pela UFES. Foi funcionário de carreira concursado do BNDES onde ingressou em 1980, aposentando-se em agosto de 2016. Foi prefeito de Vitória por dois mandatos consecutivos (1997-2000 e 2000-2004), deputado federal pelo Espírito Santo e foi diretor Presidente do BANDES, Banco de Desenvolvimento do Espirito Santo entre 2015 e 2016 e do IJSN-Instituto Jones dos Santos Neves entre 2019 e 2020. Atualmente é Sub Secretário de Desenvolvimento Econômico do governo do Espirito Santo.

 

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