O Globo
Quando Jair
Bolsonaro já parecia suficientemente encrencado com a Justiça para
pensar em se candidatar novamente à Presidência da República, um novo front de
investigações se abriu, desta vez sobre o esquema que fraudou cartões de
vacinação contra a Covid-19 para ele e sua filha Laura viajarem sem transtornos
para o autoexílio nos Estados Unidos.
Além dos 16 processos que enfrenta no
Tribunal Superior Eleitoral, Bolsonaro também é alvo de um inquérito que apura
responsabilidades pelos atentados de 8 de janeiro e de outro sobre a suspeita
de contrabando das milionárias joias sauditas incorporadas indevidamente a seu
acervo particular. Agora está enredado em nada menos que uma investigação de
falsificação de documentos públicos.
Assim como no caso das joias, trazidas ao
Brasil escondidas na mochila de um funcionário do Ministério
de Minas e Energia sob a crença de que ninguém fosse se dar conta, no
caso dos cartões de vacinação fake também houve lances toscos — como o registro
falso de Bolsonaro ter sido baixado nos próprios computadores do Palácio do
Planalto, dias antes de ele embarcar para os Estados Unidos para fugir da posse
de Lula.
Agora, porém, a investigação tende a subir
alguns degraus na escala de estragos ao ex-presidente. Primeiro porque pela
primeira vez a Polícia
Federal obteve autorização da Justiça para entrar em sua casa e
apreender seu celular.
Depois, porque também foi alvo da PF o ajudante de ordens e arquivo vivo das armações de Bolsonaro durante o governo, o coronel Mauro Cid, preso dentro da vila militar onde morava, sem prazo para ser solto. Mensagens, áudios, documentos, depoimentos e uma série de novas pistas recolhidas na operação renderão meses de revelações e novas acusações.
Se antes boa parte do mundo político já
considerava provável que Bolsonaro fosse declarado inelegível pelo Tribunal
Superior Eleitoral no futuro próximo, agora parece unânime em Brasília que ele
não terá como escapar a esse destino.
Ainda assim, é cedo para dizer que
Bolsonaro seja carta fora do baralho. Sua reação imediata ao episódio — dizer
que não sabia de nada e declarar-se vítima de perseguição do Supremo —, embora
manjada, tem apelo junto a um público fiel. Quem já via Alexandre
de Moraes como uma espécie de Sergio Moro da
esquerda só encontrou mais argumentos na ordem de apreensão do celular, do
passaporte e de armas.
O discurso já está pronto: num dia, o
ex-presidente causava furor na Agrishow, principal feira agropecuária do
Brasil. No outro, os bolsonaristas ajudaram a impor ao governo Lula uma derrota
na batalha pela aprovação do Projeto de Lei das Fake News no Congresso. No
terceiro dia, a PF invade a casa de Bolsonaro e apreende seu celular por causa
de “um mero cartão de vacinação”.
Não importa que falsificar documentos seja
crime, mais grave ainda quando pode ter sido perpetrado por ordem do próprio
presidente da República. A estratégia da vitimização já deu certo noutros
momentos e para outros personagens.
Pode muito bem funcionar para Bolsonaro.
Tudo depende dos deslizes cometidos por seus adversários, principalmente de
Alexandre de Moraes. Foi explorando os erros de seus inimigos, afinal, que Lula
renasceu das cinzas.
É aí que entra uma outra variável — que
dificilmente alguém admitirá, mas que certamente está nas cogitações das
cabeças brancas de Brasília. Em casos de desterro político, o timing faz toda a
diferença.
Tirar Bolsonaro tão cedo assim do páreo
pode não ser uma alternativa tão interessante para o governo Lula, porque dá
tempo à direita de se reorganizar em torno de alguma outra liderança, talvez
até mais palatável ao eleitor insatisfeito com a gestão do petista.
Não é raro ouvir entre membros do Centrão e
da direita um diagnóstico parecido com o do presidente da Câmara, Arthur Lira,
em recente entrevista ao GLOBO: “O eleitor de direita se posicionou no Brasil.
Ninguém vai tirar essa herança dos quatro anos de Bolsonaro. Ele jogou fora a
possibilidade de reeleição? Sem dúvidas. Outro nome de direita, como Romeu Zema,
Tarcísio de Freitas ou Ratinho Jr., vai desperdiçar essa chance e errar tanto?
Então, talvez Bolsonaro seja melhor cabo eleitoral do que candidato”.
Faltando tanto tempo para as eleições, é
impossível saber se o vaticínio de Lira se provará certo. O evidente é que há
um cálculo em curso em Brasília. Quanto mais Bolsonaro se enrola, mais parece
crescer a torcida em certa ala da direita para que seu enredo tenha um desfecho
rápido. Desse ponto de vista, o Supremo e o TSE podem
até acabar fazendo um favor à direita — e criando novos problemas à esquerda.
Até a menina entrou no rolo,coitada!
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