Folha de S. Paulo
Não faltará ocasião para testar a firmeza
dos compromissos ambientais
A ministra Marina Silva tem insistido no
que considera a principal diferença entre os dois períodos em que comandou o
Ministério do Meio Ambiente. O primeiro, entre 2003 e 2008, ao ocupar um nicho
no governo, a partir do qual construiu boa parte das instituições que regem a
proteção de nossas florestas e a biodiversidade.
Hoje a questão ambiental se destaca entre os compromissos do governo Lula, com espaço próprio em distintas áreas da administração, entre elas nada menos de 19 ministérios e bancos públicos, assegurando-lhe fortes ferramentas de ação.
Os ventos do mundo e a intensa atividade de
grupos da sociedade organizada —que denunciaram e resistiram ao desmonte das
políticas e órgãos federais promovido pelo desgoverno Bolsonaro— foram
responsáveis por essa mudança, cujo alcance não deve ser subestimado.
Com ela vai ganhando corpo a ideia de
desenvolvimento sustentável que entrelaça tarefas imediatas e preparação para
um futuro assentado no uso de energias renováveis; exploração econômica das
florestas em pé; infraestruturas mais resistentes a desastres naturais;
indústrias menos poluidoras e serviços inteligentes; produção e consumo de
alimentos com menor pegada de carbono; e, por último, mas não menos importante,
redução das distâncias sociais.
No fecundo debate em curso, emergem
numerosas propostas a serem testadas para combinar enfrentamento dos riscos
presentes —exploração predatória das matas e dos recursos naturais, avanço do
crime organizado na Amazônia, ameaças às populações indígenas e tradicionais—
com escolhas que assegurem um futuro menos cinzento para o país e para o
planeta.
Se a longo prazo a agenda ambiental é um
jogo de ganha-ganha, no imediato ela necessariamente impõe perdas e contraria
interesses —e não só os ilícitos— e visões enraizadas na sociedade e no próprio
governo.
Não faltam exemplos:
a linha de transmissão de eletricidade que atravessará terra indígena para
ligar Manaus a Boa Vista; a Ferrogrão, que beneficiará os produtores do
Centro-Oeste, ao custo de afetar um parque nacional; projetos de rodovias no
Norte, Nordeste e Centro-Oeste cuja construção põe em perigo espécies animais
ou terras demarcadas; e o arriscado plano da Petrobras de
explorar petróleo e gás no mar, do Amapá ao Rio Grande do Norte.
Sem contar pelo menos 22 projetos em
tramitação no Congresso que decerto tornarão inviável o controle do
desmatamento.
Assim, não faltará ocasião para testar a
firmeza dos compromissos ambientais do governo e sua aptidão para arbitrar
conflitos, a fim de criar condições políticas a iniciativas sustentáveis.
*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
Artigo pra lá de bom.
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