domingo, 7 de maio de 2023

Merval Pereira - Dificuldades na transição

O Globo

Lula não entendeu que foi eleito por um eleitorado insatisfeito com Bolsonaro, mas que não é seu

A dificuldade do governo com o Congresso era previsível, porque o Congresso atual é, talvez, o mais conservador dos últimos tempos, pelo menos em contraposição ao governo Lula, não o da campanha, mas o de fato. Lula conseguiu ser eleito por uma diferença mínima porque vestiu na campanha a fantasia do líder moderado, que desejava fazer um governo de transição com o apoio das forças democráticas. Um governo de aliança nacional.

A dificuldade do governo com o Congresso era previsível, porque o Congresso atual é, talvez, o mais conservador dos últimos tempos, pelo menos em contraposição ao governo petista, não o da campanha, mas o de fato. Lula conseguiu ser eleito por uma diferença mínima porque vestiu na campanha a fantasia do líder moderado, que desejava fazer um governo de transição com o apoio das forças democráticas. Um governo de aliança nacional.

Como o anseio majoritário, mas nem tanto, era se livrar de Bolsonaro, ele logrou êxito; inclusive conseguiu tirar do Congresso uma verba astronômica para poder começar a governar. Logo depois de eleito, deu uma guinada e tanto em direção à tendência mais à esquerda do PT. Não entendeu que a correlação de forças entre esquerda e direita mudou e também que a institucionalização do Brasil mudou muito nesses 20 anos.

Desde a Polícia Federal até o Banco Central, passando pelas agências reguladoras e pelo Tribunal de Contas da União (TCU), o Executivo tem hoje sua capacidade de atuar mais restrita a regras, normas. O que, há 20 anos, se resolvia com o mensalão e o petrolão, hoje exige ingredientes mais ideológicos. Naquele tempo, Lula era o grande líder nacional, a tal ponto que a direita não ousava dizer seu nome.

Os parlamentares de centro-direita se contentavam com os esquemas fisiológicos , não se atreviam contestar a popularidade do presidente da República. O governo Dilma serviu para rachar essa imunidade (impunidade) do PT, as denúncias da Operação Lava-Jato enfraqueceram o ídolo e a direita colocou-se em busca de uma saída.

A primeira tentativa foi continuar apostando no PSDB, e o deputado Aécio Neves quase derrota o PT. Com as revelações da Lava-Jato enfraquecendo a esquerda e também a direita, o eleitorado de direita e centro-direita ficou sem alternativa, à espera de um candidato que pudesse derrotar o lulismo. O que Lula não entendeu é que ele foi eleito presidente desta terceira vez por uma opção majoritária do eleitorado, pelo apoio que recebeu da parcela do eleitorado de centro-direita desiludido com o desastre de Bolsonaro. Que não é seu eleitor e não se agrada da ideia de emprestar dinheiro para países quebrados de governos esquerdistas, que já deram calote no Brasil em outros governos de Lula; não gosta do apoio à Rússia. Pode ter gente como Bolsonaro a favor da Rússia, mas os mais moderados são a favor da democracia ocidental. Ninguém quer brincadeira com países comunistas, mesmo que eles só existam na imaginação dos mais temerosos, com aventuras de acordos internacionais enquanto não se resolve nem as questões internas, como crescimento econômico e equilíbrio fiscal.

A dificuldade de Lula para negociar vai além da questão de verbas – que tem sua importância e continuará tendo. Mas ele não consegue resolver o outro lado, o da ideologia, da política propriamente dita. Em vez de fazer um governo de união nacional, o governo Lula está indo pela esquerda do PT. Vejamos o caso do marco regulatório do saneamento, que levou o governo Lula à sua primeira derrota no Congresso. Acho que a questão tem muito mais a ver com a preferência da maioria pelo investimento privado, contra a visão estatista do governo, por ser de centro-direita, conservadora no sentido de ser contra a esquerda, pelo menos a esquerda representada pelo PT.

O Congresso é também reformador e modernizador, tanto que, desde o governo Temer, aprovou as reformas da Previdência, do ensino médio e trabalhista , todas agora na mira de uma esquerda avessa a qualquer reforma, objetivamente conservadora na defesa de privilégios, especialmente de corporações, e até reacionária por ser contra o novo mundo das relações sociais e o novo mundo do trabalho. A reintrodução de uma nova espécie de contribuição social obrigatória é exemplar dessa postura, e encontrou eco no Supremo

 

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