O Globo
Processo de escolha dos ministros do STF é
tema de dois livros lançados recentemente
Agora que a indicação para uma vaga no
Supremo Tribunal Federal (STF) pelo presidente Lula desperta o interesse da
classe política e da própria sociedade, muito pela característica específica do
provável escolhido, o advogado pessoal do presidente Cristiano Zanin, dois
livros são importantes para se entender os mecanismos que levam historicamente
às decisões dos presidentes, sistema baseado na prática dos Estados Unidos para
escolher os membros da Suprema Corte.
Como se constata nos livros, Zanin tem
algumas características que podem ajudá-lo, como um círculo de relações
brasilienses, mas também estará sujeito a uma pressão da sociedade que veio
crescendo nos últimos anos e interfere na posição dos sabatinadores, senadores
que hoje já não têm uma posição inócua na escolha.
Um dos livros, mais recente, é “Os donos do Direito”, uma biografia coletiva dos ministros do STF, coordenado por Fernando Fontainha, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Outro, anterior, de Álvaro Palma de Jorge, professor-fundador da FGV Direito Rio, “Supremo Interesse”, trata da evolução do processo de escolha dos ministros do STF.
Tomando por base os ministros escolhidos
nos primeiros 25 anos de vigência da Constituição, de 1988 a 2013, Fontainha e
outros chegam à conclusão de que a elite dos juristas que atingem o ápice da
carreira pode ser definida em três categorias, que classificam como
“subalternas”, “brasilienses” e “instrumentais”. As elites subalternas, segundo
os autores, têm características biográficas distintas das comumente encontradas
em grupos dirigentes ou elites tradicionais.
Consideram “notável” a porosidade do cargo
a indivíduos sem tradição familiar nas profissões jurídicas, oriundos de famílias
de imigrantes, de origem de classes médias e de naturalidade interiorana. O que
poderia significar que as corporações jurídicas conseguiram montar um sistema
meritocrático, no entanto parece aos autores que outros sistemas de acesso
foram criados, como concessão de comendas e láureas de instituições militares,
legislativas, religiosas e federações de indústria e comércio. Sobretudo, a
maioria dos escolhidos vinha de experiência no Executivo. Uma mistura de
autonomia política e disposição à subalternidade seria o caminho para galgar o
mais alto posto do Judiciário.
Quanto às elites brasilienses, os autores
constataram que dois terços dos escolhidos trabalhavam em Brasília na ocasião
da decisão, o que reforça a ideia de que as redes de contatos enraizadas na
Capital Federal são importantes para a definição. As elites instrumentais são
formadas por indivíduos que procuram se creditar a uma vaga no STF através da
atuação acadêmica aliada a a outra atividade. A via de títulos acadêmicos é
caminho para chancelar a exigência de “notável saber jurídico”. A mobilidade de
carreiras e territorial facilita a interação social em busca da indicação.
Analisando mais especificamente o processo
de escolha dos ministros do STF, o livro de Álvaro Palma de Jorge vê com otimismo
a evolução do nosso sistema democrático, e não endossa as críticas à atuação do
Senado ao sabatinar os indicados. Ele lembra que a comparação com as sabatinas
no Congresso dos Estados Unidos deve ser relativizada, pois indica que o Senado
de lá levou “mais de um século” para chegar ao estágio de complexidade a que
assistimos hoje.
Palma de Jorge vê “uma evidente
transformação” do processo de escolha, incluindo “a paulatina inclusão informal
da participação popular nesse processo”. Para exemplificar a evolução do
sistema de sabatina, ele define a participação popular como fundamental, num
processo “para frente” que parece inexorável.
Na sabatina do hoje ministro Edson Fachin,
pela primeira vez o Senado colocou o seu portal E-Cidadania à disposição do cidadão
para perguntas ao sabatinado. “A curva é clara, no sentido de mais participação
e de mais transparência”
Pois é.
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