O Globo
Base aliada aprova arcabouço, mas os
próprios petistas cravam uma estaca no projeto ambiental e indígena do governo
Foi vitória do ministro Fernando Haddad a
aprovação do novo regime fiscal sustentável na Câmara com 372 votos. Haddad fez
costura lenta e bem cerzida da parte que lhe cabe nessa grande confusão que
ainda não se acertou, que é a base parlamentar. Mas o governo está em apuros,
por não saber para onde quer ir. Ontem, a comissão mista aprovou, com votos dos
petistas, a demolição de dois ministérios, o do Meio Ambiente e o dos Povos
Indígenas. Uma das poucas a lutar pelo projeto governista foi a deputada Célia
Xakriabá, do PSOL de Minas. Petistas ajudaram a cravar essa estaca no projeto
ambiental e indígena do governo.
Haddad manteve contatos com parlamentares de todas as tendências, acompanhou o relator, neutralizou o fogo amigo, e fez aliança direta com os presidentes das duas casas. Quando Haddad foi indicado a perspectiva era de um rombo de R$ 230 bilhões. Ele prometeu reduzi-lo abaixo de R$ 100 bilhões este ano. Ainda não está garantido, mas hoje já tem a aprovação na Câmara de um limite para as despesas. O ministro se movimenta entre dois fogos. De um lado, a direita, amplificada no mercado financeiro, diz que o arcabouço é frouxo. De outro, a esquerda gostaria de não ter limite algum.
O governo também ganhou nos destaques do
arcabouço, mas ontem foi dia de derrota na proposta de organização da
administração. Nas palavras de Célia Xakriabá, a comissão mista, ao aprovar o
relatório do deputado Isnaldo Bulhões, estava tirando cérebro e coração de dois
órgãos conduzidos por mulheres, Sonia Guajajara e Marina Silva. O Ministério
dos Povos Indígenas não pode ficar sem o poder de demarcar terras indígenas. O
Cadastro Ambiental Rural é instrumento para o Ministério do Meio Ambiente
combater o roubo de terra pública, a bagunça fundiária, e o desmatamento. O CAR
é estrangeiro ao Ministério da Gestão e Inovação. Essa derrota do governo foi
imposta pelos próprios petistas e pela base governista.
No almoço que houve na terça-feira, o
senador Rodrigo Pacheco falou em começar a discutir o arcabouço na semana que
vem e terminar antes do recesso. O deputado Arthur Lira disse que quer votar a
reforma tributária também antes do recesso no dia 13 de julho. Serão portanto
45 dias de intensos trabalhos. Os dois reafirmaram o apoio à Fazenda, mas
disseram que isso é diferente de apoio ao governo.
Aliás, neste almoço de terça, de Haddad,
Lira, Pacheco e empresários, o presidente do Banco Central, Roberto Campos
Neto, ouviu muitas queixas. Foi poupado apenas pelo banqueiro André Esteves e o
presidente da Febraban, Isaac Sidney. Empresários ligados ao atual e ao antigo
governo criticavam Campos Neto com a mesma intensidade. Na conjuntura, há melhoras.
A previsão do Focus para a inflação do ano teve uma queda na última pesquisa
para 5,8%. O primeiro trimestre foi de forte crescimento do PIB, como ficará
comprovado daqui a uma semana quando o IBGE divulgar o número. O dólar voltou
ontem a ficar abaixo de R$ 5. Na economia há avanços, com o arcabouço, e
melhora nos indicadores.
O governo, contudo, está enfrentando muito
mal uma crise decisiva. O Ministério do Meio Ambiente está perdendo várias das
suas atribuições por vingança, porque o Ibama negou licença para a Petrobras
perfurar a costa da Amazônia. Em 2018, o Ibama, no governo Temer, negou a
licença para cinco blocos da empresa Total, muito próximos a esse bloco 59.
Perguntei a técnicos daquela primeira negativa quais foram os motivos. Eles são
parecidos com os atuais. Disseram que negaram porque é uma região complexa, o
grupo não mostrou que o empreendimento é tecnicamente viável, nem capacidade de
mitigar os riscos ou de gerenciar acidentes. Além disso, a biodiversidade local
é pouco estudada. O termo “pesquisa” que está sendo usado pelos defensores do
projeto não é correto. O termo é perfuração.
Um dos principais projetos internacionais
do Ministério da Fazenda é concluir o acordo Mercosul-União Europeia. Com o
governo anterior era impossível, por falta de uma política ambiental decente.
Agora, a janela se abriu. Mas, se o sistema de meio ambiente não tiver
governança, o projeto não vai andar. O risco que o governo corre ao se
deslumbrar com o lobby da energia fóssil é não perceber qual é a natureza desse
mandato. Ele veio para proteger o meio ambiente e fortalecer os povos
indígenas. Não pode trair essa agenda sob risco de perder o rumo.
Verdade.
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