terça-feira, 16 de maio de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Apesar da pressão, queda de juros seria prematura

O Globo

Ao contrário do que afirmam Lula e petistas, nossa inflação é de demanda e exige remédio amargo

É prematura a pressão para que o Banco Central (BC) reduza os juros. Pelos últimos dados do IBGE, o BC tem adotado uma política de juros responsável e não deveria ceder às pressões para mudá-la. Apesar de a taxa básica de juros permanecer em patamar alto (13,75%), a queda da inflação tem sido mais lenta que o esperado. Tal lentidão reforça a necessidade de os diretores do BC se manterem imunes aos ataques do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de seus ministros, de cardeais do PT e das alas do empresariado tolerantes com o descontrole de preços.

Há, é certo, sinais positivos. Nos primeiros quatro meses deste ano, a inflação foi inferior à do mesmo período de 2022 (2,72% ante 4,29%). Em abril, o IPCA acumulado em 12 meses sofreu queda pelo décimo mês consecutivo e ficou em 4,18%, menor taxa desde outubro de 2020. Como o teto da meta do BC é 4,75%, é compreensível que muita gente diga estar na hora de baixar os juros. Infelizmente, não é o que sugere uma análise mais cuidadosa.

É alta a possibilidade de os preços ganharem novo ímpeto no segundo semestre. Metade do mercado estima o IPCA acima de 6,02% no final de dezembro. Mesmo que tal previsão não se materialize, há motivos para preocupação. Descontados os choques temporários nos preços de maior volatilidade — como energia ou alimentos —, a inflação tem se mostrado mais resistente que o esperado. A medida que capta essa tendência, chamada núcleo da inflação, continua em alta. De acordo com o BC, subiu de 0,37% em março para 0,51% em abril. O aumento se concentra no setor de serviços, onde a inflação em 12 meses foi de 7,49% em abril ante 7,63% em março.

Quais as causas da resistência? No jargão dos economistas, o Brasil vive uma inflação de demanda. Com a massa salarial em crescimento e o desemprego em patamar baixo na comparação com os piores momentos da pandemia, a procura por produtos e serviços tem se mantido elevada.

Contribui para a inflação alta um segundo ingrediente: as expectativas. Se os agentes financeiros acreditam que os preços subirão mais, fica mais difícil contê-los. É nesse quesito que influi a campanha difamatória de Lula contra o BC — baseada na noção ridícula de que a autoridade monetária é contra a queda dos juros. Ao deteriorar as expectativas, Lula dá uma força para a elevação dos preços.

Por fim, a tendência para os próximos meses é o governo dar impulso ainda maior à demanda, em razão da antecipação do 13º salário de aposentados e pensionistas, do aumento real do salário mínimo e do pagamento do reajuste salarial do funcionalismo público.

Se seguir dessa forma, Lula continuará jogando apenas para sua plateia, sem se preocupar com o poder de compra dos mais pobres, a parcela da população que mais tem a perder com a espiral inflacionária. Dá com uma mão para ficar bem com sua base de eleitores, mas tira com a outra com a inflação mais alta. Para piorar, mira no BC à procura de um bode expiatório pela falta de dinamismo da economia. A recusa teimosa em enxergar as causas do problema tornará mais lenta e mais difícil a solução.

Governo precisa regularizar o fornecimento de insulina a diabéticos

O Globo

Pacientes com a doença relatam dificuldades para obter o medicamento em diferentes estados

O Ministério da Saúde precisa regularizar com urgência os estoques de insulina no SUS. Em diferentes estados, pacientes com diabetes que fazem uso regular do medicamento têm relatado dificuldades para obtê-lo, como mostrou reportagem do GLOBO. Quando não o encontram no sistema público, são obrigados a recorrer a grupos de ajuda ou a comprar em farmácias, onde o tratamento custa em torno de R$ 200 por mês.

Não se pode dizer que o governo tenha sido surpreendido. O próprio ministério sabia que os estoques acabariam a partir de maio. No fim de março, o Tribunal de Contas da União (TCU) chamara a atenção para o risco de faltar insulina nos estados. O alerta foi feito depois uma inspeção, realizada a pedido do Congresso, para apurar irregularidades na compra, na entrega e no armazenamento de insumos, vacinas e remédios. Diante da ameaça de desabastecimento, o ministério orientou os estados a substituir as canetas de insulina pelo medicamento em frascos, mas a solução não é ideal, porque a ação é mais lenta.

Nos dois últimos pregões feitos pelo governo, em agosto de 2022 e janeiro de 2023, nenhuma empresa apresentou proposta. Com a redução dos estoques, o governo fez uma compra emergencial para tentar sanar o problema, mas parece ter escolhido o caminho errado. Fechou acordo para comprar 1,3 milhão de tubetes da chinesa Globalx Technology Limited, produto sem registro na Anvisa. A emergência não justifica a compra de medicamentos não aprovados, mesmo que o fabricante tenha garantido a segurança e eficácia do produto.

A situação se torna ainda mais insólita quando se lembra que lotes do medicamento que hoje falta para pacientes com diabetes foram descartados pelo Ministério da Saúde nos últimos anos, por não terem sido usados no prazo previsto. Segundo o TCU, foi perdido quase 1 milhão de tubetes de insulina de ação rápida, com prejuízo de R$ 12,5 milhões aos cofres públicos.

Não importa que o problema tenha sido herdado do governo anterior. O Planalto trocou de comando faz mais de quatro meses, tempo suficiente para pôr a casa em ordem. São evidentes as falhas de logística na distribuição do medicamento. Não só do Ministério da Saúde, pois há municípios sem insulina, apesar de ainda ser encontrada nos depósitos dos estados. É inaceitável que os pacientes com diabetes paguem o preço de tamanha inépcia. É fundamental recompor logo os estoques públicos. De preferência com produtos aprovados pela Anvisa. E na quantidade certa, para que novos lotes não acabem no lixo como tem acontecido.

A força do autocrata

Folha de S. Paulo

Mesmo contra inflação e oposição, Erdogan vai ao 2º turno com chances na Turquia

Pesquisas de opinião indicavam que o autocrata Recep Erdogan, no poder há 20 anos, poderia perder a eleição turca no primeiro turno. Entretanto ele obteve o primeiro lugar com 49,5% dos votos, ante 44,9% de seu principal opositor, Kemal Kilicdaroglu, centrista, a favor do Estado laico e europeizante.

Não é improvável que, no segundo turno, Erdogan conte com a maioria dos eleitores do terceiro colocado, Sinan Ogan, de ultradireita. Caso vença no dia 28, o premiê de 2003 a 2014 conquistará seu terceiro mandato como presidente, com maioria no Parlamento.

Uma inflação de 44% ao ano e a rara coalizão de seis partidos de Kilicdaroglu pareciam ameaçar mais o líder autoritário —que está desgastado, mas nem tanto.

Ele venceu em 2014 com 51,8% e em 2018 com 52,6%. Desta vez, perdeu nas províncias da costa do Mediterrâneo, em Istambul, na capital, Ancara, e no leste curdo. Venceu entre os mais pobres, os religiosos e no interior mais rural.

Depois de enfrentar uma tentativa de golpe, em 2016, Erdogan promoveu expurgos nas Forças Armadas, na alta burocracia e na Justiça; aprovou leis que facilitam prisões de jornalistas. Controla a mídia estatal e veículos privados, de empresários amigos.

Na campanha, recorreu a reajustes salariais e tornou a previdência social mais generosa. Chamado de "neo-otomano", em oposição aos princípios da República laica fundada em 1923, faz propaganda da ideia de Turquia-potência.

Dá indícios de que pode reforçar a tendência pró-religiosa, islâmica, de seu governo —sob o qual mulheres puderam voltar a usar lenços na cabeça em repartições públicas, um tema importante no país.

Diz que a oposição se subordina ao Ocidente, ao FMI e a "terroristas" curdos, que aprovará direitos LGBTQIA+ e é inimiga da família.

O nacionalismo conservador de Erdogan parece ter apoio firme de parte da população, como se nota por seu desempenho em eleições consideradas livres, mas injustas, dados o poder excessivo do presidente e prisões de adversários.

Menos se nota que, apesar da inflação, da heterodoxia econômica e do risco de iminente crise externa, a economia teve crescimento expressivo desde 2003.

A renda per capita cresceu 122%, ante não mais de 27% no Brasil. Os turcos têm hoje o dobro do poder de compra dos brasileiros. Em 2022, a economia cresceu 5,6%. Em uma geração, o nível de vida no país mudou de patamar.

Com o prestígio do nacionalismo religioso, de guerras culturais e do "homem forte", um expoente internacional da autocracia pode conseguir mais uma vitória.

Amor que diz seu nome

Folha de S. Paulo

Uniões homoafetivas quadruplicam, mas Congresso precisa garantir direito em lei

No final do século 19, o escritor irlandês Oscar Wilde foi condenado a trabalhos forçados por manter relações sexuais com outro homem. Durante o julgamento, citou um verso do poema de seu amante —"o amor que não ousa dizer seu nome". A frase tornou-se símbolo da perseguição sofrida por homossexuais ao longo da história.

Passados mais de cem anos, vários países derrubaram leis que interferiam de forma grotesca na vida privada dos indivíduos e criaram outras para garantir direitos, como o casamento. Hoje, o amor não apenas pode dizer seu nome, como registrá-lo em cartório.

No Brasil, a oficialização da união homoafetiva foi liberada há dez anos pelo Conselho Nacional de Justiça, a partir de uma decisão de 2011 do Supremo Tribunal Federal que considerou inconstitucional negar o casamento civil a pessoas mesmo sexo. Antes, cartórios eram obrigados a solicitar autorização judicial para fazer o registro.

Desde então, o número de uniões quase quadruplicou. No ano passado, foram 12.987, ante 3.700 em 2013. Até abril, 76.430 casais homoafetivos oficializaram suas relações —cerca de 7.600 por ano.

O avanço trazido pelo Judiciário deve ser saudado. Contudo é forçoso observar que o Congresso está se eximindo de modo vergonhoso da sua função de legislar. Até supostos interesses eleitoreiros dos parlamentares não encontram mais respaldo na sociedade.

Segundo pesquisa Datafolha, em 2013, 67% da população achava que a homossexualidade deve ser aceita; em 2022, o número saltou para 79%. Já aqueles que consideravam que a homossexualidade deve ser desencorajada caiu de 25% para 16% no mesmo período.

O Código Civil brasileiro instituído em 1916 foi atualizado em 2013, mas, apesar das inovações na seara do comportamento, deixou de fora a união homoafetiva.

Entendimentos do Judiciário tendem a ser mais mutáveis. Caso a composição do STF se torne mais conservadora, magistrados podem rever decisões anteriores e eliminar direitos.

Foi o que ocorreu, por exemplo, nos Estados Unidos —que, em matéria de segurança jurídica, são mais estáveis que o Brasil. A Suprema Corte norte-americana revogou recentemente sua decisão de 1973 que legalizou o aborto.

O Congresso deveria, pois, normatizar em lei a união homoafetiva para garantir maior segurança à norma. Nesse quesito, a sociedade brasileira está mais adiantada que seus representantes.

Com o MST, Lula quer vingança

O Estado de S. Paulo

No terceiro mandato presidencial, petista já nem sequer tenta disfarçar que o MST será um dos instrumentos de sua vendeta pessoal contra um Brasil que não se deixa enrolar por sua lábia

À primeira vista, a IV Feira Nacional da Reforma Agrária, realizada na cidade de São Paulo entre os dias 11 e 14 de maio pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), pareceu ser apenas uma reunião festiva entre cooperativas de pequenos agricultores – esses que teriam transfigurado o MST do grupo invasor de propriedades alheias que sempre foi no “maior produtor de arroz orgânico do País”, segundo a mitologia petista – e a juventude urbana que veste o boné vermelho do MST como item fashion para usar na balada.

Mas o evento, na realidade, foi um ato político de arrepiar os cabelos de todos os que se preocupam com o respeito à ordem jurídica, em particular ao direito de propriedade, e acreditam que sem paz social, no campo ou na cidade, não haverá a mais tênue chance de o Brasil ser um lugar atrativo para novos investimentos e trilhar o caminho do desenvolvimento sustentável. Ao fim e ao cabo, a feira foi pretexto para que o País inteiro visse que o MST conta com mais do que a simpatia da atual administração federal; conta com o endosso do governo Lula da Silva para seus modos truculentos de fazer reivindicações políticas, corriqueiramente afrontosos à Constituição.

A presença maciça de membros do primeiro escalão do governo na feira, poucos dias após Lula em pessoa ter atacado empresários do agronegócio que não lhe nutrem simpatia, sobretudo os produtores paulistas, chamando-os de “fascistas”, não deixa dúvida de que o presidente usa o MST como mais um instrumento de sua vendeta pessoal contra um Brasil que não se deixa enrolar por sua lábia.

A bem da verdade, além da ligação atávica entre PT e MST, a chancela de Lula às práticas do grupo já havia ficado evidente quando o presidente fez questão de levar a tiracolo o chefão do MST, o notório João Pedro Stédile, em sua comitiva durante viagem à China. Não satisfeito com a mera presença de Stédile no séquito, Lula fez questão de que o arruaceiro figurasse na foto oficial do encontro de cúpula entre ele e o presidente chinês, Xi Jinping. Na volta ao Brasil, Lula ainda incluiu o MST entre os membros do chamado “Conselhão”.

O que se viu na feira do MST foi um desfile de ministros de Estado que só não superou a posse presidencial. Boa parte da Esplanada se fez representar no Parque da Água Branca, na zona oeste da capital paulista. Até o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, lá esteve. O cidadão que porventura tenha acordado de um longo coma e lido o noticiário do sábado passado decerto teve um choque ao ver Alckmin ser saudado pelos simpatizantes do MST, entre uma tietagem e outra, como “guerreiro do povo brasileiro”, epíteto que até outro dia era reservado apenas aos mais empedernidos petistas, os mesmos que Alckmin outrora combatia.

À medida que o tempo passa, Lula parece cada vez mais empenhado em deixar claro para o País que aquele líder de uma formidável “frente ampla em defesa da democracia” não passou de uma personagem que ele inventou para posar de pacificador de uma sociedade profundamente dividida. Como presidente, Lula se mostrou incapaz, até agora, de assumir suas responsabilidades como chefe de Estado e de governo, além de aumentar a aposta na radicalização em muitas frentes, apenas com o sinal invertido em relação ao seu antecessor, como forma de manter a coesão de seus apoiadores.

As revelações inequívocas de quão imbricados estão o governo petista e o MST ocorrem justamente no momento em que Lula enfrenta enormes dificuldades para governar o País sem uma base de apoio sólida e confiável no Congresso e sem o apoio da uma parcela significativa da sociedade que não comunga do ideário petista. Em que esses atos de afronta aos brasileiros moderados, ao agronegócio e a seus representantes no Poder Legislativo ajudarão Lula a angariar apoios fora do seu centro gravitacional nesse momento desafiador, só o “gênio político” do presidente é capaz de responder.

Brasil envelhece e precisa se adaptar

O Estado de S. Paulo

Novas projeções sobre o perfil da população incluem impacto do aumento das mortes pela covid; políticas públicas em saúde, educação e trabalho precisam ser repensadas urgentemente

O Brasil precisa adaptar suas políticas públicas às novas expectativas para o crescimento populacional. E é necessário que essa reformulação seja feita de maneira urgente, porque os fundamentos das prioridades dos gastos governamentais ficarão rapidamente desatualizados, segundo as projeções mais recentes sobre o crescimento do número de brasileiros. O envelhecimento populacional está chegando mais cedo.

Um impacto importante da pandemia de covid, ainda pouco analisado, é a antecipação do momento em que a população do Brasil vai parar de crescer e passará a decair. O aumento da mortalidade por covid, que ocorreu em todas as faixas de idade, mudou as projeções populacionais. Estudo divulgado na semana passada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) indica que ela deverá crescer até 2030, quando atingirá um total de cerca de 215 milhões de pessoas. A partir daí, passará a diminuir, tanto que se espera que em 2040 sejamos apenas 209 milhões. As projeções sugerem que a população continuará em decréscimo por, pelo menos, 30 anos após 2040.

A conclusão natural desse processo será o envelhecimento populacional, que já vem ocorrendo desde os anos 1980 no País – e em outras regiões do mundo. Segundo a autora do trabalho, Ana Maria Camarano, especialista em pesquisas de igualdade de gênero, raça e gerações do Ipea, apenas a faixa da população com mais de 45 anos tenderá a aumentar a partir de 2020. Esperase redução para os demais grupos etários e o que ela chamou de superenvelhecimento da população.

Esse panorama exige, portanto, mudanças importantes em como os governos de forma geral – a União, Estados e municípios – vão direcionar seus esforços e recursos. A mudança no perfil da população já está impactando de forma sensível o mercado de trabalho e esses efeitos devem se aprofundar. Deverá ser menor o contingente de jovens a entrar no mercado a cada ano, mas eles precisam estar mais bem preparados para as novas exigências laborais.

Houve um aumento na escolaridade média da população nas últimas décadas, confirma o estudo do Ipea, mas continuamos em pior situação do que países emergentes, mesmo alguns com graves problemas econômicos, como a Argentina. É certo que em muitos subsetores da economia hoje a demanda por trabalhadores é menor do que no passado, com a maior utilização de, por exemplo, robôs na indústria e de mecanismos de inteligência artificial nos setores de serviços e comércio. Isso significa menor procura de trabalhadores, porém de trabalhadores com melhor formação.

A menor entrada de pessoas procurando emprego a cada ano indica, por sua vez, que as empresas precisam, elas também, adequar suas rotinas para manter o trabalhador por mais tempo nos seus cargos. O estudo do Ipea indica, nesse caso, sugestões como cargos e horários flexíveis, redução de preconceitos com relação ao trabalho do idoso, melhoria no transporte público, entre outras iniciativas.

Assim, é preciso repensar as prioridades na área da educação. Gradualmente, vai ser necessário menor número de vagas na pré-escola e na educação básica com a queda na taxa de natalidade. Vale relembrar que a taxa de fecundidade, que já foi de quatro filhos por mulher num período relativamente recente, na década de 1980, caiu abruptamente para 2,2 filhos no início deste século e agora está em 1,6 filhos. Claro que a prioridade deve continuar a ser a oferta de vagas para todas as crianças, mas essa necessidade está se reduzindo ano a ano. Também é preciso reorientar as diretrizes para saúde e educação. Um país com gente mais velha deve estar preparado para oferecer mais leitos hospitalares, mais tratamento geriátrico e mais condições que facilitem a rotina dos idosos nas grandes cidades.

Como se vê, é uma tarefa hercúlea que o Brasil e os brasileiros têm pela frente. O envelhecimento populacional não deveria assustar, mas deve ser visto como um caminho para o País entrar, de fato, no século 21. Isso, entretanto, só ocorrerá se governo e sociedade compreenderem que estamos entrando numa nova fase.

Os velhos problemas da Light

O Estado de S. Paulo

Soluções para furtos de energia passam pela presença do Estado em regiões onde está ausente há décadas

A Justiça do Rio de Janeiro aceitou o pedido de recuperação judicial apresentado pela Light na semana passada. O grupo acumula dívidas de cerca de R$ 11 bilhões, concentradas, sobretudo, na distribuidora, que atende 4,5 milhões de consumidores na capital fluminense e em 30 municípios do Estado. Como a legislação impede que concessionárias de serviços públicos entrem em recuperação judicial, a solicitação foi feita em nome da holding, que inclui operações em geração, transmissão e comercialização de energia.

Os problemas na Light não são recentes, mas a empresa alegou que seus desafios se agravaram nos últimos meses. Em abril, a companhia havia obtido uma liminar para suspender o pagamento de débitos e promover uma mediação coletiva com seus credores. Porém, com receio de que a cautelar fosse derrubada e as dívidas executadas, a Light apelou à recuperação judicial para impedir que a crise atingisse as operações da distribuidora, motivando em um processo de intervenção por parte da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Como era de esperar, o pedido de recuperação judicial da Light não foi bem recebido. Além de ter sido visto como uma forma de driblar as restrições da lei, ele foi interpretado como uma maneira de forçar a Aneel a referendar um reajuste extraordinário nas tarifas da companhia e de pressionar o Executivo a aprovar, de forma antecipada, a renovação da concessão da Light, que vence em 2026. O pedido causou incômodo ao governo, que precisa lidar com outras 20 distribuidoras interessadas em renovar contratos com vencimento entre 2025 e 2031. Em reação, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, declarou que empresas ineficientes não poderão renovar seus contratos.

Se a Light poderá ou não continuar à frente da concessão, é algo que cabe ao governo decidir, conforme regras ainda a serem definidas pela Aneel. Mas, independentemente do desfecho dessa novela, o governo terá de encontrar uma solução para o problema crônico dos furtos de energia que assolam a área em que a Light atua, algo que tem drenado as receitas da concessionária nos últimos anos.

Não é algo simples ou trivial. É verdade que 20% da região é dominada pelo crime organizado, o que restringe o acesso de funcionários para a realização de serviços de manutenção. Porém, de toda a energia comprada para atender a baixa tensão, a Light só consegue faturar 42% do que efetivamente entrega. É bem possível que a empresa tenha sido leniente no combate ao problema, mas o crescimento dos furtos nos últimos anos indica que os chamados “gatos” ultrapassam a temática da segurança pública e esbarram em questões sociais, culturais e comportamentais.

Qualquer medida financeira e operacional que ignore esses problemas terá efeito temporário e paliativo. A empresa que ficar responsável pela concessão precisará buscar soluções inovadoras para enfrentálos de forma definitiva, mas o sucesso delas dependerá do apoio, da participação e da presença do Estado em uma área marcada por sua ausência há décadas.

Ressuscitar carro popular é perda de tempo e dinheiro

Valor Econômico

O governo Lula continua olhando para o passado, sem responder aos desafios do tempo presente

O projeto do governo Lula de ressuscitar o automóvel popular parece mais próximo da realidade, embora não haja consenso a respeito nem entre as próprias montadoras. Resta saber como vai superar desafios nada triviais para concretizá-lo, entre os quais abrir mão de impostos em meio a uma inaudita batalha para amealhar receitas para viabilizar o novo arcabouço fiscal, e conseguir financiamento em condições viáveis em um momento em que a taxa básica de juros teima em persistir no patamar de 13,75% ao ano.

Assim como prometeu aos eleitores que voltariam a ter picanha para fazer um churrasco, o presidente Lula vem defendendo que a população, atormentada diariamente por um transporte público péssimo, tenha acesso a outro sonho de consumo da classe média, o automóvel próprio, mesmo que em versão popular.

Lula não se conforma, no entanto, com os preços dos automóveis mais baratos disponíveis nas revendedoras brasileiras, ao redor de R$ 70 mil. A própria Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) informou que simulações calculam que o Fusca popular, lançado por Itamar Franco durante seu governo, na primeira metade da década de 1990, custaria hoje R$ 80 mil, apesar de ser despojado e não contar com vários itens de segurança. Antes dele, em 1964, o governo militar também procurou estimular a indústria e o consumo com veículos populares como o Teimoso, com assentos de material ligeiramente acolchoado, montado sobre estruturas de metal aparente, e sem seta para sinalizar a direção do veículo.

Muito se evoluiu. Desde 2013, todos os carros novos têm que ser equipados com airbag e freios ABS. Outros avanços estão por vir de acordo com o Projeto Rota 2030, lançado pelo governo federal em 2019 com o objetivo de estimular o desenvolvimento tecnológico, a inovação, a segurança, o meio ambiente, a eficiência energética e a qualidade. Entre os itens de segurança a serem incorporados até o fim desta década estão proteção de impacto ao pedestre; câmera de ré ou sensor sonoro; alerta de cinto de segurança solto; luzes de rodagem diurna e alerta de colisão.

Muitos desses componentes são importados, o que justifica em parte a elevação dos preços. Os semicondutores, por exemplo, dispararam desde a pandemia. As montadoras optaram, então, por se concentrar nos veículos mais caros, com maior margem de lucro, mas que vendem menos. Ressentem-se agora da ausência dos modelos mais baratos, mas com maior volume de vendas. Com uma capacidade instalada de 4,5 milhões de veículos anuais, a indústria automobilística produziu 2,37 milhões em 2022, incluindo carros de passeio, veículos comerciais leves, ônibus e caminhões.

Apesar de desejarem vender mais, as empresas do setor não imaginam voltar atrás e dispensar os avanços tecnológicos, muitos dos quais, na verdade, já são corriqueiros em outros mercados e nas fábricas de suas matrizes. Retroceder significaria ficar fora do mercado global. Por isso, alguns executivos do setor preferem defender a viabilidade de um veículo de entrada mais barato.

Mas o governo menciona um carro de R$ 45 mil a R$ 50 mil. Para chegar a esse preço estaria o governo disposto a renunciar a impostos, que representam de 30% a 50% do preço de um automóvel, em um momento em que busca fontes de receita em todos os cantos?

O combustível é outro ponto de discussão. Vincular os benefícios a veículos que usam apenas etanol facilitaria defender o programa em um momento em que o mundo todo procura reduzir a emissão de poluentes e incentiva os automóveis elétricos. Mas isso ocasionaria gastos adicionais para a indústria, que já produz os carros flex. Mesmo com a tecnologia do etanol, não seria o caso de desprezar o desenvolvimento de automóveis elétricos, uma tendência global, até porque o mercado externo sempre foi cobiçado.

No Brasil, os veículos elétricos representam 3,3% dos veículos novos vendidos e os importados têm isenção total de impostos desde 2015. O percentual é bem pequeno perto da experiência internacional. Desde a década de 1990, quando o Brasil relançava o Fusca, a Noruega incentiva o automóvel elétrico, que atualmente constitui 80% dos veículos novos vendidos. Nos EUA, metade da nova frota vendida é elétrica e a proposta da agência de proteção ambiental é elevar esse percentual a dois terços até 2032.

Para a Anfavea, os juros altos também influenciam negativamente ao encarecer o financiamento para a compra de veículos. A associação chega a sugerir modelo chileno que reduziu o custo financeiro ao autorizar o uso de garantia baseada em recursos de fundo semelhante ao FGTS. Mas se o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, tem combatido até o saque-aniversário do FGTS, certamente não veria com bons olhos essa alternativa.

Uma agenda modernizante não inclui o estímulo ao uso de carros, mas de transportes públicos eficientes em quantidade adequada. O governo Lula continua olhando para o passado, sem responder aos desafios do tempo presente.

 

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