Desigualdade caiu graças a programas de auxílio a pobres
O Globo
Último ano do governo Bolsonaro registrou a
menor concentração de renda na série histórica do IBGE
Não foi uma pesquisa qualquer a divulgada
pelo IBGE na
última quinta-feira. A Pnad Contínua de 2022 desmente clichês sobre a pobreza,
ao mesmo tempo que revela uma
queda na desigualdade ao patamar mais baixo da última década. A
renda brasileira continua concentrada como em poucos países, mas essa
concentração diminuiu em razão da profusão de auxílios aos pobres durante o
governo Jair Bolsonaro.
Nos 28 anos que passou no Congresso,
Bolsonaro vociferava contra os programas de transferência de renda. No poder,
diante da emergência trazida pela pandemia, não teve alternativa a não ser
lançar dois auxílios emergenciais. Em 2020, reconhecido por decreto o estado de
calamidade pública, propôs um auxílio de R$ 200 mensais. O Congresso subiu esse
valor para R$ 600, e, para não perder popularidade, Bolsonaro assinou a lei.
Quando tentou a reeleição, manteve o valor no Auxílio Brasil, nome do programa
que criou para substituir o Bolsa Família.
A melhoria na renda também sofre reflexo
das condições do mercado de trabalho. Historicamente, a procura por mão de obra
cresce depois de pandemias, e o trabalhador ganha força nas negociações por
melhor remuneração. Foi assim depois da Peste medieval, da Gripe Espanhola e
também da Covid-19. Nos Estados Unidos, houve no pós-pandemia forte crescimento
salarial nos segmentos de renda mais baixa, revertendo 25% da desigualdade que
crescia desde 1980, revelou estudo dos economistas americanos David Autor,
Arindrajit Dube e Annie McGrew publicado em março. A troca de emprego em busca
de salários melhores, principalmente entre jovens sem curso universitário, foi
o motor dessa transformação. A pandemia tornou o mercado de trabalho americano mais
dinâmico, a favor do trabalhador.
No Brasil, a responsabilidade pela diminuição da pobreza e da desigualdade detectada pelo IBGE recai sobretudo nos programas de auxílio. Era uma tendência esperada, apesar das acusações de que o governo Bolsonaro ampliou a fome no país. O economista Daniel Duque, pesquisador do Ibre/FGV no Rio, já divulgara projeções de queda na pobreza depois confirmadas pela Pnad Contínua. A população em pobreza extrema (renda diária abaixo de US$ 2,15) caiu, segundo o IBGE, a 7,2% no ano passado, ante 10,3% em 2021 e 9,1% em 2019. A mesma tendência foi observada nos demais segmentos de pobreza.
Embora a renda média do brasileiro continue
abaixo dos níveis de 2019, a dos pobres cresceu mais que a dos ricos. “A renda
dos mais pobres está 18% maior do que a de 2019! E a dos mais ricos está
menor”, escreveu Duque. Daí a queda na desigualdade, medida pelo índice de
Gini. O valor apurado em 2022 — 0,518 —, embora ainda alto na comparação
internacional, é o menor da série histórica do IBGE, iniciada em 2012.
O Bolsa Família, que deverá custar entre R$
140 bilhões e R$ R$ 150 bilhões neste ano, ainda precisa recuperar o foco do
passado para ser mais eficaz. Dadas as pressões fiscais, Duque entende que,
daqui para a frente, a melhoria de renda dependerá mais do mercado de trabalho.
A transferência direta, com foco, continua a ser um poderoso instrumento de
política social. Só o crescimento sustentado, porém, será capaz de gerar
emprego no volume necessário para tornar a pobreza uma situação rara e
excepcional.
Eleição na Turquia representa última chance
de evitar ditadura de Erdogan
O Globo
Líder da oposição aparece como favorito nas
pesquisas, mas há dúvida se autocrata turco aceitará resultado
O primeiro turno das eleições presidenciais
na Turquia amanhã
mobilizará mais que os 64 milhões de eleitores aptos a votar. Governos,
observadores e a opinião pública de diferentes países acompanharão de perto o
resultado. No poder desde 2002, o presidente Recep Tayyip
Erdogan, personificação irretocável do nacionalismo populista
autocrático, nunca enfrentou disputa eleitoral tão incerta.
Pesquisas dão vantagem ao líder da
oposição, Kemal Kilicdaroglu. Em jogo está não apenas o futuro da democracia
turca, mas o fluxo de refugiados para a Europa, o futuro da Otan, disputas no
Oriente Médio e a influência externa da Rússia, questão que ganhou urgência com
a guerra na Ucrânia.
As duas décadas de Erdogan no poder podem
ser divididas em dois períodos. Na primeira metade, atraiu capital externo,
investiu em infraestrutura e viu o país deslanchar. Em 2013, deu início a uma
guinada autoritária, reprimindo violentamente um protesto em Istambul.
Aproveitou a tentativa de golpe militar em 2016 para acelerar seu projeto
autocrático, prendendo opositores, aparelhando o Judiciário e enfraquecendo a
imprensa.
Mesmo sem carisma, Kilicdaroglu, um
servidor público aposentado, conseguiu unir a fragmentada oposição. Entre suas
promessas estão: restabelecer a independência do Judiciário, acabar com a lei
contra insultos ao presidente (que Erdogan usa para prender críticos e calar a
imprensa) e descentralizar o poder da Presidência, dando mais voz ao Parlamento.
Na área econômica, Kilicdaroglu se
beneficia da inflação fora de controle. Antes do surto demagógico do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva contra o Banco Central, Erdogan investiu contra o
aumento dos juros para controlar os preços e contra a independência da
autoridade monetária. Resultado: a Turquia, com inflação de 43% em 12 meses, só
perde para a Argentina no ranking de inflação entre as maiores economias.
No front externo, a oposição, se eleita,
investirá na relação com a União Europeia. Kilicdaroglu afirma que em pouco
tempo acabará com o veto para a entrada da Suécia na Otan. Também deverá
controlar mais as fronteiras. Pela localização, a Turquia é uma espécie de
portão da Europa para migrantes do Oriente Médio. As investidas contra os
curdos, tanto dentro do país como na Síria, tendem a perder força. Embora
prometa manter boas relações com a Rússia, Kilicdaroglu não terá a intimidade
que Erdogan tem com Vladimir Putin.
Se nenhum dos dois candidatos obtiver mais de 50% dos votos, o segundo turno ocorrerá em duas semanas. Uma vitória de Kilicdaroglu porá enfim um ponto final no galope ditatorial de Erdogan. Isso se ele aceitar sair sem ensaiar uma rebelião ou tentar dar um golpe. A derrota da oposição, em contrapartida, significará que o país terá para todos os efeitos mergulhado numa ditadura, a exemplo de Rússia ou Venezuela.
Menos desigual
Folha de S. Paulo
Auxílio e emprego levam distância entre
ricos e pobres a queda histórica em 2022
Em 2022, como mostram dados
recém-divulgados pelo IBGE, o total dos
rendimentos dos brasileiros aumentou em relação ao sombrio ano anterior, quando
a economia estava abatida pela pandemia, os salários caíram aos menores níveis
da década e foi interrompido o pagamento do auxílio emergencial.
Foi progresso em relação a um estado de
ruína, decerto. De melhor, beneficiou
especialmente os mais pobres, em parte graças ao aumento dos benefícios
assistenciais. Ainda assim, o rendimento médio domiciliar per
capita, de R$ 1.586 mensais, mostrou-se idêntico ao de 2017 e não muito maior
do que os R$ 1.555 do longínquo 2012, em valores corrigidos pela inflação.
Para o conjunto da população, o aumento
real do indicador foi de 6,9%. Já para o décimo mais pobre dos brasileiros, a
melhora foi de 57,3%, embora de apenas R$ 106 mensais por pessoa para R$ 162. O
resultado, de todo modo, é queda da vergonhosa desigualdade social.
Olhando para a frente, não parece possível
recuperar a renda dos mais pobres com aumentos adicionais do pagamento de
benefícios como do Bolsa Família. É preciso, pois, acelerar o crescimento da
economia, orientando o desenvolvimento na direção daqueles sem emprego, na
informalidade e com contratos precários.
Em primeiro lugar, observe-se que, mesmo
entre os mais pobres, para os quais a desocupação, a exclusão do mercado e o
emprego precário são comuns, o trabalho era, em 2022, fonte de 72% dos
rendimentos; no ano menos conturbado dos tempos recentes, 2019, de 82%. É daí,
do trabalho, que pode advir progresso maior e duradouro.
Segundo, o benefício médio do Bolsa Família
em abril, de R$ 670,33, já equivalia a 50,8% do salário mínimo, e este
correspondia a 45,8% do rendimento médio do trabalho no país.
Terceiro, é inviável que a despesa com
benefícios sociais dê saltos como os verificados nos anos da Covid-19. Em 2019,
o gasto total anual com o Bolsa Família foi de R$ 41,8 bilhões (valor corrigido
pela inflação); em 2022, de R$ 91,5 bilhões; neste ano, deve chegar a R$ 167
bilhões. É mais do que o triplo de todo investimento federal em obras e
equipamentos no ano passado.
Trata-se de despesa meritória e inevitável.
Porém disputa recursos com outras rubricas do Orçamento, quase todo destinado a
gastos obrigatórios. Para haver mais progresso, tanto no trabalho como na
política social, é preciso mais crescimento duradouro do PIB.
Cumpre que o Tesouro gaste melhor,
destinando mais aportes em infraestrutura econômica e social —e que facilite o
investimento privado, em especial o favorável aos pobres, como em saneamento, o
que o governo deveria saber.
Labirinto genético
Folha de S. Paulo
Pangenoma atualiza análise do DNA; remédios
ainda precisam ficar mais acessíveis
Em 2000, o Projeto Genoma Humano anunciou o
primeiro sequenciamento da cadeia de DNA que constitui cada ser humano do
planeta. Com ele, veio a esperança de cura para diversas doenças.
Contudo as expectativas continuam distantes
para a grande maioria da população mundial, dados os desafios técnicos para a
decodificação, os preços elevadíssimos e a abrangência étnica restrita.
Na verdade, o genoma nunca foi
completamente sequenciado. Em 2003, houve uma análise atualizada, mas 8% dos
3,2 bilhões de pares de bases do DNA estavam faltando. Isso ocorre porque a
corrente de genes não é uma trilha linear —sequenciá-la não é como traduzir um
livro, mas como picotá-lo e aí tentar remontar suas palavras.
No entanto uma edição mais
precisa, publicada na quarta-feira (10), preencheu parte dessa lacuna.
Quase 120 milhões de letras de DNA vieram à luz.
Ademais, se o primeiro esboço era de apenas
um indivíduo norte-americano, agora incorpora-se material genético de 47 homens
e mulheres de várias etnias, como africanos, asiáticos e sul-americanos —daí o
termo pangenoma para designar essa nova empreitada.
O Brasil, país miscigenado, pretende ajudar
a aumentar esse raio de abrangência do escopo com o projeto Genomas Brasil,
lançado em 2020 pelo Ministério da Saúde, e com um banco
genético privado coordenado por Lygia da Veiga Pereira, pesquisadora da USP.
Hoje, 80% desses dados são de populações brancas da Europa e dos EUA.
Ainda será necessário, porém, um portentoso
investimento em avanço científico e tecnológico para que geneterapias —que
operam ou adicionando um novo gene ao corpo ou reparando um que passou por
mutação— sejam acessíveis. Até países ricos enfrentam dificuldades para bancar
os remédios.
O Zolgensma,
droga para atrofia muscular, por exemplo, custa US$ 1,7 milhão (R$ 8,7 milhões).
Não à toa, famílias brasileiras acionaram a Justiça para ter acesso à medicação
e, até novembro, juízes obrigaram o SUS a pagar 102 tratamentos —o que ainda
gera controvérsias, pois trata-se de verba pública que poderia ser direcionada
para problemas básicos de saúde que atingem milhões de brasileiros.
A humanidade apenas começa a adentrar o labirinto genético, e as questões tendem a ser mais complexas à medida que se conheça toda a informação monumental contida em nossas células.
Lula está atrapalhando o governo
O Estado de S. Paulo
Em menos de cinco meses no cargo, o petista
destratou o agronegócio, desrespeitou o BC e desmoralizou decisões do
Congresso. Assim fica mais difícil arranjar apoio ao governo
É ocioso esperar que o sr. Lula da Silva
desça do palanque e, enfim, saia do “modo eleição” e entre em “modo governo”,
vale dizer, que fale e aja com um tanto mais de responsabilidade. Se isso
acontecesse, estar-se-ia diante de um fenômeno tão espantoso como o nascer do
Sol a oeste. Mas o presidente da República poderia ao menos tentar conter a sua
natureza de eterno candidato e se comportar como o chefe de Estado e de governo
que carrega sobre os ombros o peso de conduzir um país com 215 milhões de
habitantes e problemas extremamente complexos a serem resolvidos. Se não por
vontade genuína, por interesse político. Lula precisa conquistar apoios na
sociedade e articular uma base congressual sólida que hoje, definitivamente, ele
não tem.
Boquirroto, desagregador e por vezes
arrogante, Lula tem se comportado como se tivesse vencido a eleição por uma
margem confortável de votos. Não que o placar final do pleito importe para sua
legitimidade no cargo – afinal, ganhar por diferença de um voto ou de 10
milhões de votos é rigorosamente a mesma coisa. A questão é que Lula é incapaz
de compreender que, para governar bem o Brasil, precisa, necessariamente,
conquistar o apoio de parcela significativa da sociedade que não faz parte do
seu cercadinho ideológico e que só votou no petista para evitar a tragédia que
seria a reeleição de Jair Bolsonaro.
O presidente, no entanto, tem agido no
sentido de repelir os cidadãos que não se ajoelham no altar da seita que ele
lidera, não de atraí-los para um esforço nacional de construção de um discurso
de pacificação e de um plano de governo mais moderado e responsável, que seja
capaz de recolocar o País nos trilhos do crescimento sustentável e, assim,
melhorar as condições de vida da população, sobretudo dos brasileiros que
dependem diretamente da ação do Estado para ter uma vida digna.
Num único dia, a quinta-feira passada, a
matraca de Lula atacou as privatizações, classificando como “sacanagem” a
privatização da Eletrobras, e o agronegócio, chamando de “fascistas” os
produtores rurais que não lhe nutrem simpatia. Não são expressões dignas de um
presidente da República. Os sabujos petistas podem argumentar que o antecessor
de Lula, Jair Bolsonaro, fazia muito pior. Mas, ora vejam, onde está o Lula
que, na campanha eleitoral, se apresentou como a antítese da truculência
bolsonarista, na tal “frente ampla pela democracia”?
A natureza, já se vê, é implacável. Lula
não sabe, e a esta altura não vai aprender mais, como se comportar fora do
palanque e longe dos comícios. Tudo o que faz, cada palavra raivosa que
pronuncia, tem propósitos eleitoreiros. Na sua eterna disputa por votos, trata
como inimigos todos os que ousam não ser vassalos de seu projeto de poder.
Nessa conta entram desde os congressistas que aprovaram matérias que Lula
despreza até o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, que faz
valer a autonomia do BC, prevista em lei, para resistir às estocadas petistas
contra a prudente política monetária.
Com esse tipo de atitude leviana, Lula se
torna o principal responsável pelas agruras por que tem passado o governo
nesses meses iniciais. Até o momento, o presidente parece empenhado em fazer um
balanço reverso, elencar tudo o que foi feito no País enquanto o PT não esteve
no governo e simplesmente destruir. Assim é com a privatização da Eletrobras,
com a autonomia do BC, com a Lei das Estatais e até, pasme o leitor, com a Lei
de Responsabilidade Fiscal, sob risco de virar letra morta se o projeto de
arcabouço fiscal do governo for aprovado tal como foi apresentado.
Não será animado pelo espírito de revanche
que Lula fará deste o “mandato da sua vida”, como não se cansa de dizer. Se
quiser arregimentar apoio de quem não reza pela cartilha carcomida do
lulopetismo, Lula faria muito bem se falasse menos. Para um país cansado de
tanta parolagem irresponsável, que nada produz além de barulho e divisão, seria
um alívio.
Transferência de renda não faz milagre
O Estado de S. Paulo
Programas sociais ajudaram a reduzir a
desigualdade, mostra o IBGE, mas a superação real da pobreza depende de um
setor privado competitivo e de um poder público eficiente
Nas últimas três décadas o Brasil passou a
orbitar entre as 10 maiores economias do mundo, mas há muito mais tempo
persiste como um de seus países mais desiguais. A desigualdade é tanto mais
escandalosa em um país pacífico, rico em recursos naturais e em culturas
multiétnicas. Assim, não há como não sentir um sopro de esperança ante os dados
divulgados pelo IBGE dando conta de que, em 2022, a desigualdade recuou para o
menor patamar da série histórica, iniciada em 2012.
No último ano, o Índice de Gini – que mede
a desigualdade de renda, numa escala de 0 a 1 – recuou de 0,544 para 0,518. Por
trás dessas cifras há uma evolução robusta. Segundo os cálculos da FGV Social,
a pobreza recuou de cerca de 14% para 9,6%.
Junto à recuperação do emprego após o
choque pandêmico, a manutenção dos programas de transferência de renda
expandidos na crise é a principal alavanca dessa evolução.
O pior desfecho para esse alívio seria se
ele desse lugar à complacência, ao invés de estimular um esforço transformador.
Em um país desigual como o Brasil, transferências de renda são condição
necessária, mas não suficiente, para uma redução da desigualdade contínua e sustentável.
O lugar-comum é incontornável: não basta dar o peixe, é preciso ensinar a
pescar.
Parece óbvio, mas não é. Prova disso são os
dados coletados pela FGV Social que mostram um padrão: nos anos eleitorais há
uma redução da pobreza, seguida de aumento nos anos seguintes.
Ou seja, a lógica dos programas sociais no
Brasil é dar, à beira das urnas, um punhado de peixes que vão minguando até a
próxima corrida por votos. A cada quatro anos o Estado patrimonialista veste a
fantasia paternalista e, assim, perpetua seus negócios com um setor privado
marcado por privilégios oligopolistas e protecionismos. A renda segue
concentrada, mas como a produtividade é cada vez mais distante da dos países
desenvolvidos ou em desenvolvimento que crescem mais aceleradamente, também
essa renda se deteriora.
Reverter esse ciclo depende de uma
refundação do Estado e da liberalização da economia. Para produzir riquezas, é
preciso um setor privado competitivo e inovador. E, para distribuí-las na forma
de igualdade de oportunidades, um Estado eficiente e inclusivo.
O mérito de um Estado de Bem-Estar Social
sustentável se mede menos pela quantidade de vulneráveis que ele assiste do que
pela quantidade que ele emancipa. Mas, na caça de votos, os demagogos competem
por quem distribui e promete mais distribuição de renda, e negligenciam os
fatores de geração de renda e do maior dos programas sociais: o emprego. Os
fatores pós-produção da responsabilidade social – os programas assistenciais –
são enfatizados em detrimento dos fatores pré-produção – educação e capacitação
– e os fatores da produção propriamente dita – investimentos e inovação.
O ciclo de redução da pobreza nas duas
primeiras décadas deste século ilustra a fugacidade dessa lógica populista. O
superciclo das commodities impulsionou um crescimento robusto do PIB. A gestão
petista ampliou programas de distribuição de renda para os pobres e de crédito
para a classe média que aumentaram o consumo. Mas pouco investiu em reformas
modernizantes do Estado e em instrumentos para o crescimento sustentável, como
educação, infraestrutura e diversificação econômica. Findo o ciclo, foi preciso
sustentar os gastos com mais dívidas, as contas públicas foram arrebentadas, o
crédito e investimentos secaram, a produtividade caiu, o desemprego aumentou e
milhões caíram na pobreza. De volta ao poder, o PT pretende resgatar essas
pessoas reciclando as mesmas fórmulas, mas com um Estado fiscalmente combalido
e sem nada parecido com as receitas das commodities dos anos 2000.
Há uma verdade genuína na lógica
progressista de que o crescimento da riqueza nacional sem distribuição gera
iniquidades. Mas é só uma meia-verdade. É preciso que as lideranças públicas e
privadas os levem a reconhecer o outro lado dessa equação que forma a verdade
completa: a distribuição da riqueza sem o seu crescimento só gera mais pobreza.
Apostas online, crise no futebol
O Estado de S. Paulo
Manipulação de resultados é só uma amostra
dos males que a jogatina é capaz de produzir
Um surto de manipulação de resultados de
jogos de futebol se espalha no País, aparentemente no mesmo ritmo em que
proliferam, ao arrepio da lei, as casas de apostas online. O esquema até aqui
descortinado pelo Ministério Público de Goiás (MPGO) já mostrou que nem a elite
do esporte nacional − vitrine para o mundo − está a salvo da ação criminosa de
apostadores que tentam ditar o que se passa nos gramados, interferindo até
mesmo no número de escanteios ou de cartões amarelos e vermelhos.
Como noticiou o Estadão, a Justiça goiana
recentemente acatou denúncia do MP-GO com base na Operação Penalidade Máxima 2,
que apontou fraudes inclusive em partidas da Série A do Campeonato Brasileiro
de 2022. Um time com a tradição do Santos − e isso não é trivial − afastou um
de seus zagueiros, transformado em réu na ação. As investigações prosseguem e
sabe-se lá o que haverão de revelar. Por ora, a única certeza é que as casas de
apostas online, antes mesmo de serem legalizadas, já provocaram um tremendo
estrago.
Vale notar que os jogos de azar são
proibidos no País. Como já registramos outras vezes neste espaço, a Lei de
Contravenções Penais (Decreto-Lei 3.688/1941) continua em vigor e prevê pena de
detenção de três meses a um ano para quem estabelece ou explora esse tipo de
atividade. Punição, aliás, reforçada pelo Congresso em 2015, com a fixação de
multa para quem participa da jogatina, mesmo que pela internet. A propósito, é
falacioso o argumento de que tal realidade teria sido alterada pela Lei
13.756/2018, considerando que as chamadas “apostas de quota fixa” não foram
ainda regulamentadas − algo que o governo, equivocadamente, pretende fazer em
breve, por medida provisória em fase final de elaboração. Em resumo, as
empresas que exploram a jogatina online vêm operando ilegalmente no Brasil.
É espantoso, então, que as casas de apostas
online não apenas sigam funcionando, como também patrocinem quase todos os
clubes da Série A do Brasileiro. O poderio econômico desse setor de faturamento
bilionário, por sinal, costuma ser invocado por quem defende a liberação dos
jogos de azar. Os arautos da jogatina fingem não ver, claro, que os recursos
que surgem de um lado desaparecem do outro, no rastro da desagregação do tecido
social e dos demais danos provocados pelos jogos de azar. Sem falar na porta
que se abre para a lavagem de dinheiro e outros crimes.
Ora, as tramoias reveladas até aqui não
deixam dúvida quanto aos riscos representados pelos sites de apostas: mal esse
tipo de empresa se instalou no País e já produziu um cenário de crise que
atinge em cheio uma paixão nacional e o poderoso mercado da bola. Fraudes de
que não se tinha notícia em tamanha extensão e profundidade − e que agora
passam a exigir a atenção e a mobilização do aparato estatal, consumindo tempo
e recursos do governo, com a Polícia Federal já convocada a entrar na
investigação. Eis o triste retrato do que as casas de apostas online são
capazes de produzir. Um problema que só se agravará se essa modalidade de jogo
vier a ser legalizada no Brasil.
Bolsonaro não distribuiu renda,comprou votos.
ResponderExcluir