domingo, 28 de maio de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Lei é essencial para plataforma digital pagar por conteúdo

O Globo

Sem pressão do Congresso, as gigantes da internet não se mexem para remunerar jornalismo, revela estudo

O modelo predatório de uso do conteúdo jornalístico pelas grandes plataformas digitais, em especial Google e Facebook, é um dos principais temas em discussão no Congresso Nacional no âmbito do Projeto de Lei (PL) de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, popularizado como PL das Fake News. Nas últimas negociações, o relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), aceitou contemplar a questão num projeto separado. Qualquer que seja a solução formal adotada, é fundamental haver legislação obrigando as plataformas a sentar-se à mesa de negociação para que o trabalho jornalístico seja remunerado de modo justo.

Essa é a principal conclusão que emerge de um estudo alentado comparando a experiência de vários países, divulgado na última semana pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). Fica claro que, sem o poder de coerção da legislação aprovada no Congresso, com o apoio de atos administrativos baixados por órgãos de defesa da concorrência, as plataformas simplesmente não negociam com os veículos de imprensa em termos leais.

O estudo elenca as principais experiências legislativas no mundo. A australiana, de 2021, tem servido de base a projetos no Brasil, mas não é imune a críticas. Os autores consideram vaga a definição de empresa noticiosa com direito a pagamento das plataformas, permitindo remuneração a veículos que disseminam desinformação.

A Europa está, diz o estudo, mais avançada na construção da base jurídica para negociação. O Parlamento Europeu incluiu o tema na legislação sobre o Mercado Único Digital Europeu, e vários países adotaram leis próprias. Na França, jornais como Le Monde, Le Figaro e a Aliança da Imprensa de Informações Gerais (APIG) se entenderam com as plataformas em 2021, ano em que o governo francês multou o Google em € 593 milhões por resistir a abrir negociações. No caso da APIG, que representa veículos nacionais e de circulação regional, as conversas duraram dois anos. Em virtude da pressão, o Google informou em novembro passado ter assinado mil acordos com jornais em 11 países europeus.

Nos Estados Unidos, ainda há resistência a legislar sobre o tema. Uma lei com apoio bipartidário não entrou em pauta nos últimos dois anos, mas os partidos já decidiram apresentá-la na nova legislatura. No Canadá, um projeto foi aprovado na Câmara e está em tramitação no Senado.

As plataformas resistem a fazer acordos com os veículos e ameaçam suspender acesso a conteúdos jornalísticos nos países em que a legislação entra na pauta. Na Austrália, o Facebook chegou a bloquear por um período até serviços de saúde e organizações de caridade. No Canadá, o Google vetou acesso de parte dos usuários a notícias. A reação tem forçado o recuo. As próprias plataformas dependem do conteúdo de qualidade fornecido pelo jornalismo profissional para gerar tráfego.

As questões elencadas pelo estudo são fundamentais: pelo que deve haver pagamento, quem deve ser beneficiado, quem deve pagar, com base em que dados, qual deve ser o papel do Estado e como se dará a decisão. Toda boa legislação tem de respondê-las de modo eficaz. Qualquer que seja a formulação, está claro que, sem ajuda do Legislativo e, em certos casos, também de órgãos do Executivo, será impossível as plataformas digitais cederem e aceitarem pagar pelo que hoje usam de graça.

Risco de Trump voltar à Casa Branca deve ser levado a sério

O Globo

Nenhum rival republicano parece ter chance de derrotá-lo nas primárias — e contra Biden ele pode levar a melhor

O lançamento da candidatura Ron DeSantis à Presidência dos Estados Unidos esteve longe de ser o evento que o governador da Flórida imaginava. A conversa pelo Twitter com o bilionário Elon Musk foi marcada por falhas técnicas. O maior problema para DeSantis, porém, será político: enfrentar nas primárias Donald Trump, franco favorito. As pesquisas têm sido implacáveis com qualquer outro republicano. Na média do site RealClearPolitics, Trump está 33 pontos à frente de DeSantis (54% a 21%). Lidera com folga nos estados que abrirão as prévias (Iowa e New Hampshire). Sites de apostas lhe dão um terço de chance de levar a Presidência.

A pergunta evidente é: como um político sobre quem pesam diversos processos, com acusações que vão de fraude contábil a estupro (por esta já foi civilmente condenado), ainda submetido a investigação por apropriação ilegal de documentos do Estado, conhecido por mentir compulsivamente (até hoje insiste que Biden roubou as eleições) e mentor de uma tentativa violenta de golpe de Estado depois da derrota em 2020 consegue manter as rédeas do Partido Republicano?

Trump estabeleceu laços estreitos com seu eleitorado de extrema direita, para o qual nada disso importa. Não perdeu prestígio nem apoio pelas derrotas republicanas em 2018 e 2020. E se beneficia da gestão vacilante de Joe Biden na Presidência, que tem contribuído para a alta da inflação sem resolver os dilemas econômicos responsáveis pela vitória de Trump em 2016.

Naquela época, fazia sentido acusar Trump de tentar tomar à força o Partido Republicano. Agora, nenhum republicano parece ter chance de derrotá-lo. Faz seis anos que trumpistas controlam o comitê nacional do partido. Mais da metade da bancada republicana na Câmara foi eleita pela primeira vez e está sob a influência de Trump. Dos dez deputados republicanos que votaram a favor de seu impeachment em 2021, apenas dois ainda têm mandato. E são minoritários em seus distritos.

Proporção razoável dos republicanos — 58% segundo pesquisa YouGov — gostaria de votar numa alternativa. Mas, com o partido sob o controle de Trump, são imensas as dificuldades de alguém despontar. É o que tentará De Santis, sem despertar muita esperança. Tão ou mais à direita que Trump, o governador da Flórida não controla as alavancas do poder no partido. Na primeira vez em que Trump venceu uma eleição primária, em 2016, ele era o outsider. Hoje se tornou o establishment contra o qual um dia se insurgiu.

Isso não significa que não possa haver emoções nas primárias. O calendário promete solavancos. O julgamento de um processo por falsificação de registros em Nova York estará em andamento logo depois da Super Terça, no início de março, quando votam eleitores de mais de uma dezena de estados. Não se prevê que algum dos processos contra Trump esteja concluído até o fim das primárias. Mas há a possibilidade de que um réu concorra à Casa Branca e seja eleito. A volta de Trump seria péssima notícia não só para os americanos, mas para todo o mundo.

O ocaso de Collor

Folha de S. Paulo

Nos estertores da Lava Jato, STF condena ex-presidente por corrupção

Prefeito e governador, deputado federal e senador, além de primeiro presidente do Brasil desde a redemocratização. O currículo político de Fernando Collor de Mello (PTB), ao qual se acrescenta o estigma do impeachment, ganha agora nova linha desabonadora.

Por maioria de 8 a 2, o Supremo Tribunal Federal condenou Collor pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, num julgamento deslanchado a partir de investigações da hoje agonizante Operação Lava Jato.

O relator do caso, ministro Edson Fachin, restou convencido de que Collor recebeu propina num esquema da BR Distribuidora, uma subsidiária da Petrobras. Segundo a acusação, o ex-presidente amealhou R$ 20 milhões para influenciar a diretoria da empresa de modo a direcionar licitações.

Em seu voto, o relator teve a prudência de rebater duas críticas comuns, e nem sempre equivocadas, quando se trata da Lava Jato: a de que o processo se baseia apenas em delações e a de que se estaria criminalizando práticas normais do presidencialismo de coalizão.

Indicações políticas, diz Fachin, são inerentes ao sistema de governo brasileiro; o que contraria o ordenamento jurídico é o uso indevido dessa teia de relações.

E, no caso de Collor, o uso indevido se comprovou, aos olhos de Fachin, não por meros depoimentos, mas por uma chusma de documentos juntados aos autos.

De celulares apreendidos colheram-se mensagens incriminatórias; no escritório do famigerado doleito Alberto Yousseff encontraram-se comprovantes de depósitos; a quebra de sigilo bancário revelou que, só em dezembro de 2012, entraram nas contas de Collor R$ 357 mil em espécie; na garagem do ex-presidente estavam carros como Lamborghini, Porsche e Ferrari.

Se tocasse apenas a Fachin, a pena de Collor montaria a quase 34 anos de prisão, mas a quantia exata depende de deliberação da corte. A detenção em si, por sua vez, depende de se esgotarem as generosas possibilidades de recursos.

O desfecho do processo não impediu a ministra Cármen Lúcia de confessar uma amargura cívica ao notar que os crimes atribuídos a Collor tenham sido cometidos de 2010 a 2014. Não lhe incomodou, em particular, que fossem gestões do PT, e sim que, àquela época, o STF julgasse a ação penal do mensalão.

"Nada disso causou qualquer temor para pessoas que estavam a praticar atos denunciados depois pelo Ministério Público", disse a ministra. "Espero que esse julgamento e todos os outros venham para reparar isso", completou.

É, de fato, o que se espera: que as investigações avancem dentro dos limites legais e que condenações sirvam também de exemplo.

Complexa e irrealista

Folha de S. Paulo

Nova regra fiscal dá margem para que governo explore brechas para expandir gasto

Aprovado por larga margem na Câmara dos Deputados, o projeto que instaura a nova regra para o controle do gasto do governo e da dívida pública deve tramitar no Senado sem grandes modificações.

Já é possível, portanto, um veredicto sobre o desenho quase final: o Congresso melhorou em algo a proposta do Executivo, mas as normas ficaram complexas, o que sempre dá margem a subterfúgios.

A estabilização da dívida, além disso, dependerá de aumentos exorbitantes na arrecadação, que não parecem realistas, como mostram as simulações mais recentes da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão de monitoramento vinculado ao Senado.

Para a IFI, essas duas características aumentam os riscos de descumprimento das novas metas mais flexíveis no médio prazo.

O aspecto positivo do novo desenho que substituirá o teto de gastos, não há dúvida, foi afastar cenários mais adversos que poderiam advir de uma licença para gastar sem limites, como queriam parte do governo e o PT.

A combinação de restrições não deixa de ser um fator disciplinador. De essencial, há limites para o crescimento das despesas (entre 0,6% e 2,5% ao ano acima da inflação), metas de um saldo positivo de 1% do PIB até 2026 e gatilhos de ajuste no caso de seu descumprimento.

Entretanto fica claro que os objetivos de elevação do gasto, sobre a base já aumentada do ano passado, não levarão a uma queda do endividamento em proporção do PIB nos próximos anos.

Quase a totalidade do ajuste necessário para estabilizar a dívida, algo em torno de R$ 150 bilhões de forma permanente, dependerá de mais receitas, que devem ter evolução menos favorável do que pretende o governo petista.

Enquanto o Ministério da Fazenda projeta arrecadar R$ 135,2 bilhões neste ano com medidas adotadas até agora, a IFI enxerga apenas R$ 63,4 bilhões. A diferença fica muito maior em prazos mais alongados —R$ 645 bilhões ante R$ 305 bilhões no triênio 2023-2025.

Resta evidente que há imprudente otimismo do Executivo com o potencial de coleta com as alterações legais que alteram bases de cálculo de impostos e contribuições. O mais provável é que haja dificuldades jurídicas, que devem levar a resultados mais modestos.

O risco, portanto, é que o governo explore os espaços abertos por regras mais complexas para descumprir os compromissos.

Uma cidadania incompleta e degradada

O Estado de S. Paulo

Enquanto a sociedade não abandonar as esperanças no Estado paternalista e não desprivatizar o Estado patrimonialista, a Nação continuará a agonizar na inanição e na ignorância

“Ohomem é o problema da sociedade brasileira: sem salário, analfabeto, sem saúde, sem casa, portanto, sem cidadania. A Constituição luta contra os bolsões de miséria que envergonham o País”, disse o presidente da Assembleia Constituinte, Ulysses Guimarães, ao promulgar a nova “Constituição Cidadã”.

Mais de três décadas depois, que vergonha! O Brasil é uma das nações mais desiguais do mundo. Uma das mais violentas também. O País voltou ao mapa da fome. Os jovens que chegam a completar o ensino médio mal sabem escrever ou realizar operações aritméticas elementares. Metade da população não tem esgoto.

A vergonha cala tanto mais fundo ante as potencialidades congênitas de um País preservado de catástrofes naturais, farto em recursos alimentares e energéticos, sem histórico de guerras ou conflitos civis, povoado por imigrantes de todo o mundo que compartilham de uma cultura plural e tolerante. Somem-se a isso as oportunidades da economia verde e as necessidades geopolíticas da Europa e EUA de realocarem negócios em países geográfica e culturalmente próximos.

O abismo entre a utopia inclusivista da Constituição e uma realidade socioeconômica brutalmente desigual e estagnada espelha o abismo entre as elites políticas e econômicas extrativistas e uma massa de excluídos desnutridos e iletrados. A Carta confere um vasto catálogo de direitos. Mas como reivindicá-los quando mal se consegue vencer a luta cotidiana pela sobrevivência?

O abismo social é causa e consequência de uma cidadania totalmente incompleta. Antes, da renitente perversão da cidadania por uma cultura classificada pelo historiador José Murilo de Carvalho como “estadania”. A cidadania, escreve Carvalho no artigo Cidadania, estadania e apatia, publicado em junho de 2001 no Jornal do Brasil, é “a integração das pessoas no governo via participação política, na sociedade, via garantia de direitos individuais, e no patrimônio coletivo, via justiça social”. Nosso Estado, porém, “não é um poder público garantidor dos direitos de todos, mas uma presa de grupos econômicos e cidadãos que com ele tecem uma complexa rede clientelista de distribuição particularista de bens públicos”.

Uma das consequências é a excessiva valorização do Poder Executivo, o encanto do líder messiânico, sebastianista, o grande dispensador de empregos e favores. Outra é a visão privatista dos interesses coletivos. “Não há uma construção social do político”, escreve Carvalho. “Quando a virtude privada estabelece contato com o Estado, gera o aborto do fisiologismo e do clientelismo, quando a virtude do Estado se comunica com a sociedade, gera o aborto do paternalismo e do corporativismo.”

No mercado prevalecem os oligopólios e a falta de competição. As grandes corporações exigem do Estado subsídios e barreiras protecionistas. Os sindicatos exigem a calcificação de leis trabalhistas que tornam as contratações proibitivas. O resultado é um déficit geral de produtividade e inovação.

A contraface do Estado paternalista, o Estado patrimonialista, é o grande promotor de privilégios e impunidade. “Sobre a sociedade, acima das classes, o aparelhamento político – uma camada social comunitária embora nem sempre articulada, amorfa muitas vezes – impera, rege e governa, em nome próprio, num círculo impermeável de comando”, resumiu Raymundo Faoro no livro Os Donos do Poder (1958).

A espiral viciosa se perpetua. A estagnação econômica acentua a frustração. A ira popular se volta não só contra os incumbentes políticos, mas contra a própria política. Inflama-se a esperança em salvacionistas autoritários. E assim os donos do poder concentram mais poder.

Um círculo virtuoso depende de educação para garantir igualdade de oportunidades; segurança jurídica para garantir isonomia; meritocracia e produtividade para garantir competitividade, prosperidade e mobilidade social. Mas a ativação desse ciclo depende da capacidade de romper o vício de origem da cultura política brasileira. Enquanto a sociedade civil não encontrar modos de desprivatizar o Estado e democratizar o poder, a “Constituição Cidadã” seguirá brilhando no céu das ideias utópicas, enquanto na terra agreste da realidade a Nação agoniza na inanição e na ignorância.

Assim fica difícil atrair investimentos

O Estado de S. Paulo

Não se pode condenar o investidor que fica confuso diante de casos como o da exploração de petróleo na Margem Equatorial, avalizado por um governo petista e demonizado por outro

Enquanto os ministros de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e do Meio Ambiente, Marina Silva, se engalfinham em razão da possibilidade de exploração de petróleo na Margem Equatorial, que inclui a bacia da Foz do Amazonas, chama a atenção uma questão bem mais prosaica: como um governo leva a leilão público blocos para exploração de petróleo, atrai para a disputa grandes petroleiras internacionais, arrecada milhões de reais com a assinatura dos contratos e, ao longo de dez anos, não autoriza nenhuma operação na área?

É uma situação que ilustra à perfeição a insegurança que afugenta investidores privados no momento em que o País mais precisa de recursos para impulsionar seu desenvolvimento. Recorde-se que a rodada de leilões da Agência Nacional do Petróleo (ANP) que incluiu a bacia da foz do Amazonas foi realizada em 2013 – na gestão da petista Dilma Rousseff, portanto.

Para desmerecer os projetos da Petrobras, o atual presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, chegou a dizer que dezenas de poços já foram perfurados na região sem que se tenha encontrado quantidade significativa de petróleo. Ou seja, não haveria razão para perfurar um novo poço. Há aí uma meia-verdade: esses primeiros poços foram feitos em águas rasas, e a Petrobras quer perfurar em águas profundas – onde, a julgar pela descoberta de petróleo em países vizinhos na região, as reservas são promissoras.

Essa sinalização negativa do governo, sugerindo desarticulação e intransigência, não traz prejuízos apenas ao setor de petróleo. Pode contaminar outras áreas de investimento. Afinal, como garantir a atração do capital em licitações de transmissão de energia, de abertura de novas rodovias e de obras de infraestrutura sem uma atuação coesa e transparente que assegure o planejamento privado? A tarefa básica do Estado, antes de colocar a concorrência nos editais, é pesquisar minimamente a viabilidade de cada projeto, identificar gargalos e verificar soluções para eventuais impasses.

Antes de ir a leilão, os blocos de petróleo passam pelo crivo antecipado do Conselho Nacional de Pesquisa Energética, são avaliados preliminarmente por um comitê de trabalho interinstitucional – do qual participam, inclusive, o Ministério de Meio Ambiente e o Ibama – e, por fim, são submetidos a uma manifestação conjunta da ANP e Ibama. Todo este rito foi cumprido na Margem Equatorial – debalde, como agora se vê.

A ANP mantém em oferta pública permanente mais de 40 blocos na região que inclui a foz do Amazonas. Quem vai se aventurar? Se os riscos reais são tão elevados, como o Ibama e o Ministério do Meio Ambiente fazem crer com tanto estardalhaço, por que, ao longo de uma década, o Ibama não indeferiu definitivamente a exploração da área? A confusa atuação de todos os órgãos envolvidos deixa a impressão de que há muito mais do que questões técnicas ou políticas em jogo. De uma hora para outra, uma área considerada por um governo petista como promissora fronteira de exploração de petróleo, capaz de atrair investimentos estrangeiros, é tratada por outro governo petista, dez anos depois, como um “presente de Deus” (palavras da ministra Marina Silva), cuja exploração equivaleria a uma heresia.

A francesa TotalEnergies, que, junto com BP e Petrobras, fez o lance mais alto daquele leilão de 2013, entregou os pontos depois de oito anos tentando obter uma licença. Até mesmo para os trabalhos de sísmica, que não requerem nenhuma perfuração, a empresa encontrou dificuldades. Acabou desistindo de cinco blocos e foi investir em outro lugar. Como ela, outras empresas seguiram o mesmo caminho.

O que estamos assistindo neste momento é mais do que um bate-cabeça eventual em torno da concessão de uma licença ambiental específica. É o retrato da falta de rumo do Estado brasileiro, com grande potencial de deixar um prejuízo de imagem difícil de superar. É possível que o martelo acabe sendo batido pelo presidente Lula da Silva em favor da exploração. Seja qual for o desfecho, no entanto, esse é um caso que deve servir de exemplo do que não se deve fazer na condução de licitações públicas.

Os ‘multidevedores’

O Estado de S. Paulo

Enquanto o governo incentiva compra de carros, inadimplentes acumulam dívidas em 11 lugares diferentes, em média

O recorde de mais de 70 milhões de brasileiros inadimplentes, 43,43% da população acima de 18 anos, já havia sido revelado pela Serasa nos dados coletados em março. Agora, um estudo da MGC Holding, empresa especializada na recuperação de créditos vencidos, mostra que esse imenso contingente é formado por “multidevedores”, pessoas que acumulam, em média, débitos não pagos em 11 locais diferentes, um salto na média histórica de três calotes por devedor, como mostrou a Coluna do Broadcast.

São números que assustam, porque sugerem impossibilidade de colocar as contas em dia. Mais do que isso, reforçam a total inversão de prioridades do governo, que corre para tentar impor a volta do carro popular – medida polêmica e com grande potencial de elevar ainda mais o endividamento do consumidor – enquanto o Desenrola Brasil, lançado no primeiro mês da gestão Lula da Silva, continua enrolado. O programa, uma promessa de campanha para aliviar o peso da inadimplência de pessoas físicas, especialmente na faixa de baixa renda, deveria estar rodando há três meses, conforme estimativas iniciais.

É impressionante a miopia populista que faz o governo investir energia política no barateamento dos carros e do crédito para financiá-los a prestações a perder de vista (sem falar na briga para reduzir artificialmente os preços dos combustíveis), como se a ilusória condição de dono de carro mudasse a realidade de quem tem renda insuficiente para necessidades básicas e para honrar compromissos.

O pacote do carro popular, que foi anunciado na quinta-feira passada, 25, não por acaso Dia da Indústria, parece fadado ao fracasso. Como salientou o economista José Roberto Mendonça de Barros, em entrevista ao Estadão, o Brasil não vive um momento no qual seja possível vislumbrar uma solução no curto prazo para a crescente limitação de renda dos consumidores. Além disso, a aposta das montadoras tem recaído sobre modelos mais sofisticados, como os SUVs, líderes de venda de um mercado para poucos.

Já a medida provisória (MP) para a criação do Desenrola, que prevê a renegociação de R$ 50 bilhões em dívidas, nem sequer foi enviada ao Congresso. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a MP está pronta, mas o software para rodar o programa ainda não foi desenvolvido. Para isso não há qualquer data estipulada. Pressionado a indicar um prazo, o ministro respondeu que não é programador.

Sem entrar no mérito da discutível concepção do projeto de retorno do carro popular, o governo deveria programar melhor sua lista de urgências. A adequação das condições para a efetivação do consumo antecede o próprio consumo – como, aliás, era o que o governo deveria observar na administração das próprias contas públicas. Pesquisa que a Febraban acaba de concluir mostra que a expectativa de inadimplência para este ano segue em alta: aumentou de 4,7% no levantamento de março para 4,8% este mês. É urgente reverter essa tendência.

 

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