sexta-feira, 12 de maio de 2023

Rogério F. Werneck - Discurso econômico de Lula é torto e embaraçoso

O Globo

A retórica arrevesada do governo vem lhe causando sérias dificuldades no Congresso Nacional

Tendo tomado posse já há mais de quatro meses, Lula ainda não entendeu que não foi a esquerda que o elegeu, e sim a aversão que grande parte do eleitorado de centro nutria por Bolsonaro. Continua convicto de que as urnas lhe conferiram mandato para levar adiante ideias arcaicas das alas mais atrasadas do PT. E ainda não parece ter percebido a real extensão das restrições que lhe serão impostas pela sólida maioria de centro-direita eleita para o Congresso.

O discurso econômico do governo não dá sinais de melhora. Parece a cada dia mais torto. E não chega a ser surpreendente que lhe venha causando sérios embaraços no Congresso.

De um lado, há o fascínio por uma agenda restauracionista, de insistência em políticas que se provaram equivocadas no passado: manipulação de preços de combustíveis, construção de refinarias, desenvolvimento da indústria naval, exigências severas de conteúdo local, programas de crédito subsidiado, complacência com o MST e fixação na ideia de “reindustrializar” o país a qualquer custo.

De outro há uma cruzada de desmantelamento de tudo que esteja remotamente associado aos governos Temer e Bolsonaro: teto de gastos, Lei das Estatais, reforma trabalhista, reforma do ensino médio, marco do saneamento, Banco Central independente e privatização da Eletrobras.

As eleições para as Mesas da Câmara e do Senado, em fevereiro, já prenunciavam as dificuldades que Lula enfrentaria para construir uma base governista minimamente sólida.

Mais difícil ainda se tornou o desafio quando, ao se empenhar na ampliação da base, o Planalto deixou claro que a ideia não era propriamente montar um governo de coalizão. O presidente nem mesmo tentou dissimular que a participação de outros partidos no Ministério não tinha outro objetivo que o de angariar o apoio de suas bancadas em votações no Congresso.

Agora, o Planalto deu-se conta da precariedade da base que pensou ter armado no Congresso. Tendo sido incapaz de bloquear a criação de duas CPIs de enormes custos políticos — a do 8 de Janeiro e a do MST —, o governo viu se obrigado a jogar a toalha na tentativa de aprovar o PL das Fake News, no qual investira considerável capital político.

Pior ainda, não teve como impedir que, por decreto legislativo, a Câmara derrubasse, por 295 votos a 136, trechos dos impensados decretos de Lula que alteravam o marco do saneamento.

O Planalto tinha razões de sobra para querer bloquear a criação da CPMI do 8 de Janeiro. Por mais que a comissão pudesse servir para reforçar a incriminação de bolsonaristas, o governo não teria como evitar que as investigações também lhe fossem desgastantes, tendo em conta a incúria com que se permitira não tomar as precauções que se faziam necessárias para lidar com a altíssima probabilidade de ocorrência de uma baderna daquele tipo.

Mas o bloqueio tornou-se inviável após terem vindo a público vídeos com cenas comprometedoras do então recém-nomeado ministro do Gabinete de Segurança Institucional, em meio à invasão do Palácio do Planalto.

Já a CPI do MST foi só o desfecho inevitável da crescente irritação do Congresso com a irredutível complacência — completamente irracional — que o governo continua a ter com invasões de propriedades rurais pelo MST, não obstante a insegurança que isso vem trazendo ao agronegócio, o setor mais dinâmico e promissor da economia.

Trata-se de uma CPI que promete não só trazer sérios dissabores ao Planalto, como dificultar ainda mais a montagem de uma bancada governista confiável.

Sem dispor de base parlamentar adequada, o governo se vê, agora, tendo de lidar ao mesmo tempo, no Congresso, com uma agenda muito mais ampla, multivariada e complexa do que esperava.

Já é hora de o Planalto mostrar mais lucidez no seu discurso e mais discernimento na difícil gestão dos limitados recursos políticos com que de fato conta.

 

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