O Globo
Ação contra modelo de privatização da
Eletrobras causa desconforto em ministros e é repetição de estratégia que levou
a derrota no Congresso
Depois de sofrer sua primeira derrota no
Congresso, na antessala da votação do novo marco fiscal, o que o governo Lula
resolveu fazer? Tentar a sorte com o mesmo tipo de pauta do outro lado da Praça
dos Três Poderes, no Supremo Tribunal Federal.
O raciocínio da Ação Direta de
Inconstitucionalidade contra aspectos da privatização da Eletrobras parece ser
o seguinte: se não passa na Câmara nem no Senado, por que não tentar no STF,
que tem sido mais “amigável” em relação ao governo?
Será esse um bom caminho? A julgar pela
reação reservada que colhi de alguns ministros, não há garantia de sucesso na
empreitada, pelo contrário. Esses integrantes do Supremo acham um erro primário
de avaliação o governo abrir esse flanco de batalha enquanto sabe que a Corte
está toda mobilizada pelo monumental trabalho, apenas no começo, de julgar os
responsáveis pela tentativa de golpe de 8 de janeiro.
Causou certa perplexidade entre os
magistrados que não seja Lula o maior interessado em preservar os ministros —
já superexpostos e enfrentando acusações por parte de parcela grande da
sociedade de querer interferir em temas que não são da sua alçada e instituir
uma “ditadura do Judiciário” — para que possam definir até a logística de um
julgamento que, só de peixe pequeno, já tem mais de 550 réus.
Além desse aspecto político e estratégico do cenário, existe uma incompreensão primordial do governo, a mesma que apontei neste espaço na semana passada em relação ao Parlamento: o estatismo com que Lula vai querendo caracterizar seu terceiro mandato não é claramente majoritário no Supremo, como não é na Câmara e no Senado.
Buscar os ministros como atalho conveniente
quando viu o caminho interditado no Congresso, portanto, é mais um erro
elementar de avaliação da articulação política. E isso, ainda por cima, às
vésperas da primeira indicação de Lula para a Corte, com a vaga aberta pela
aposentadoria de Ricardo Lewandowski.
Para os ministros, há pouca chance de rever
uma privatização que já foi concretizada, já surtiu efeitos nos campos jurídico
e econômico e que foi, repito, aprovada pelo Legislativo. É espantoso que Lula
ignore solene e arrogantemente todos os muitos sinais, alguns deles recados
explícitos, de que vai se dar mal se insistir numa versão petista da reforma da
natureza idealizada pela boneca Emília e descrita por Monteiro Lobato no volume
com esse título.
Gostem o presidente e sua coalizão ou não,
o Brasil viveu quatro anos de governo de direita. O eleitor não o chancelou,
tanto é que elegeu um projeto radicalmente contrário. Mas também não o repeliu
por completo, uma vez que Bolsonaro chegou a mais de 49% dos votos válidos, e o
Congresso saiu das urnas com a cara que saiu.
O prudente e inteligente do ponto de vista
político, diante desse duplo sinal, é revogar o que foram atos autocráticos de
um presidente rechaçado pelas urnas, mas não comprar brigas com pautas que
obtiveram o aval amplo do Congresso.
Isso se chama compreensão da lógica
intrínseca à alternância de poder: não se reconstrói tudo a cada ciclo de
quatro anos, e muitas vezes um governo de esquerda terá de seguir adiante
aceitando que algumas decisões de cunho liberal foram tomadas.
Nessa lógica, é lícito que Lula não
privatize mais nada. Ele avisou que sustaria o programa na campanha e foi
eleito. O mesmo não se estende a rever o que foi aprovado antes, do marco do
saneamento à privatização da Eletrobras. Ou ao menos não sem que o governo corra
um risco imenso de sofrer derrotas em série.
Arthur Lira foi cristalino ao falar nisso
ontem em Nova York: o Congresso resistirá à tendência de rever tudo que foi
aprovado. O Supremo não pensa de forma muito diferente. Teria sido de bom
alvitre sondar o humor da Corte antes de mandar a ação para lá.
Perfeito
ResponderExcluirPerfeito II.
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