quarta-feira, 17 de maio de 2023

Vera Magalhães - Lula tenta destravar programa que o elegeu

O Globo

Lula parece ter percebido que a conjuntura com que governará até 2026 é em tudo diferente daquela que vigorava em seus dois primeiros mandatos, ao fim dos quais desfrutava popularidade recorde, capaz de eleger Dilma Rousseff, que nunca fora política.

Diante da tomada de consciência da realidade mais adversa, o presidente adotou o pragmatismo, que sempre foi uma das características apontadas nele por historiadores e analistas políticos, e baixou a ordem de que não quer ver marolas na votação do novo marco fiscal.

Prova de que se trata de uma decisão de cunho prático é o próprio Lula não morrer de amor pela proposta da Fazenda. Antes de fechar com Fernando Haddad, ele deixou correr solta uma tentativa de outros ministros e de setores do PT de tornar a proposta mais flexível ainda com gastos e menos comprometida com metas de austeridade fiscal.

Foi convencido pela argumentação da equipe econômica de que, diante da conformação do Congresso, seria um tiro no escuro apostar nessa fórmula para tentar revogar o teto de gastos. E, uma vez convencido — para o que parece ter sido fundamental a derrubada de trechos de seus decretos alterando o marco do saneamento —, resolveu deixar claro que não serão toleradas defecções na base aliada “raiz”, com o PT à frente.

A decisão de tapar o nariz e apostar num arcabouço fiscal longe do desejável — incluindo deixar passar um dissabor de última hora, a recusa do relator, Cláudio Cajado, em blindar o Bolsa Família da aplicação de gatilhos previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal — parte da compreensão de Lula de que a queda dos juros tão desejada por ele não virá sem que essa etapa seja cumprida.

Da mesma forma, não há como falar em reforma tributária sem cumprir a premissa de definir a nova âncora fiscal. Então é preciso tirar esse assunto da frente. E nem isso está garantido, uma vez que uma semana é uma eternidade em termos das idas e vindas da articulação política para um governo que não tem maioria folgada no Parlamento, como se viu claramente na discussão do Projeto de Lei das Fake News, que era dado como favas contadas e agora foi para o fim da fila da Câmara.

Ansioso para deslanchar as propostas com que disputou e venceu as eleições, Lula avançou na promessa de acabar com o Preço de Paridade Internacional (PPI) como política de definição do preço dos combustíveis pela Petrobras.

O anúncio feito ontem foi recebido com um misto de apreensão e dúvida quanto aos critérios adotados de agora em diante. É por isso que o primeiro impacto para cima no valor das ações da companhia não é sinal claro de céu de brigadeiro.

Lula vai tentando se desgarrar da “marcação” de um Congresso que está bem à sua direita operando como pode. Recorreu ao Supremo Tribunal Federal para rever as condições da privatização da Eletrobras, com que não concorda, e, agora, vai dirigindo a Petrobras a revisar todas as mudanças adotadas no governo Temer, pós-petrolão e intervenção de Dilma no preço dos combustíveis.

Mercado, analistas e políticos estão de olho se o comunicado pouco claro que anunciou a mudança da política de preços abrirá as comportas para uma volta ao estado de coisas que levou a empresa a acumular escândalos e prejuízos bilionários. Se for esse o caso, haverá em alguns dias e semanas a turbulência que não se viu ontem.

De qualquer forma, parece bastante estreita a margem de manobra do presidente para implementar, em 2023, o programa de governo que desenhou. Talvez porque ele tenha sido feito muito na base de prometer a volta a um passado que se desenhou idílico, mas nem era tanto assim — e, ainda que fosse, não é possível reviver quando se passaram 20 anos.

 

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