O Globo
MPs na bacia das almas entre caducar e
serem drasticamente alteradas e CPIs bombásticas expõem fragilidade da
articulação política do governo
Se o prognóstico otimista da Fazenda e dos
presidentes da Câmara e do Senado se confirmar, e o projeto do novo marco
fiscal for aprovado com a facilidade prenunciada na semana passada, terá sido
um momento isolado de triunfo do governo Lula enquanto o clima no Congresso
está mais para levante oposicionista.
Fernando Haddad resolveu se envolver
diretamente na costura política para a aprovação do novo arcabouço fiscal, e
foi uma decisão acertada. A entrevista em que ele, Arthur Lira e Rodrigo
Pacheco, além do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, estiveram
lado a lado foi uma iniciativa inteligente diante das crescentes dificuldades
para o Planalto no Legislativo, justamente agora.
Embora o titular da Fazenda conte com a boa vontade desses atores, não saiu de lá sem levar mais um recado, desta vez de Pacheco: o Congresso “reformista” considera que questões como marco do saneamento, privatização da Eletrobras e autonomia do BC estão dadas e não devem ser revistas. Apesar dos embates que tiveram neste início de legislatura, Lira e Pacheco estão alinhados nesse entendimento.
As dificuldades generalizadas de Lula nos
outros fronts no Congresso são um indicativo a mais da interdição ao debate de
alguns temas. E ameaçam impor derrotas amargas a Lula nas próximas semanas. A
começar pela Medida Provisória que definiu a nova estrutura de funcionamento do
governo, radicalmente diferente da que vigorava sob Jair Bolsonaro.
E, aqui, é o Parlamento que exorbita
absurdamente suas prerrogativas. A pretexto de relatar a MP, o deputado Isnaldo
Bulhões (MDB-AL) achou que cabia a ele, eleito não para governar o país,
definir que órgão deve ficar sob que ministério e a que pastas cabem
atribuições de Estado. Um abuso completo, que o governo não teve capacidade de
prever nem de evitar. Agora é correr para evitar a derrota que teria graves
consequências, ou, igualmente negativo, que a MP “caduque” e volte a vigorar a
estrutura de governo bolsonaresca.
O deputado que resolveu redecorar a casa
para Lula não é do PL de Bolsonaro, mas do MDB de Alagoas, partido com um
ministro na estrutura que ele quer virar do avesso, o senador e ex-governador
do estado Renan Calheiros Filho, na pasta dos Transportes. Se isso não é um
indicativo flagrante de que o desenho de governabilidade feito pelo Planalto
ruiu, é difícil saber o que seria. Há nada menos que nove MPs na bacia das
almas, entre caducar e ser derrotadas no Congresso. O governo não parece ter
segurança para pô-las em votação por não saber com que votos pode contar.
Não param por aí os obstáculos à relação
entre Lula e o Parlamento. Todo dia há pelo menos um ministro convocado para
ser espinafrado pela bancada estridente do bolsonarismo em alguma comissão. Só
nesta semana são sete os integrantes do primeiro escalão que terão de largar
seus afazeres e passar horas a fio batendo boca com youtubers e tiktokers de
extrema direita. Onde está a articulação política para desarmar essa que pode
ser uma bomba permanente? Ou o governo está disposto a deixar isso rolar por
quatro anos?
E, por falar em palco de desgaste, a CPI do
MST começou como o mais explosivo deles, com uma maioria oposicionista disposta
a classificar o Movimento dos Sem-Terra como terrorista, marginal e bandido,
para ficar só em três adjetivos usados na sessão desta quarta-feira. Em número
francamente inferior, a capacidade da bancada governista de levar as
investigações a também atingir grileiros de terras públicas e latifundiários é
muito limitada.
Diante de uma casa tão desarrumada, a
aprovação do marco fiscal terá sido, de fato, um milagre. Cabe ao governo
retomar as rédeas da governabilidade, sob pena de, num cenário de caos, nem o
arcabouço aprovado surtir o efeito benéfico que se espera dele.
A Vera sabe das coisas.
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