quarta-feira, 24 de maio de 2023

Vera Magalhães- O marco transita entre escaramuças

O Globo

MPs na bacia das almas entre caducar e serem drasticamente alteradas e CPIs bombásticas expõem fragilidade da articulação política do governo

Se o prognóstico otimista da Fazenda e dos presidentes da Câmara e do Senado se confirmar, e o projeto do novo marco fiscal for aprovado com a facilidade prenunciada na semana passada, terá sido um momento isolado de triunfo do governo Lula enquanto o clima no Congresso está mais para levante oposicionista.

Fernando Haddad resolveu se envolver diretamente na costura política para a aprovação do novo arcabouço fiscal, e foi uma decisão acertada. A entrevista em que ele, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, além do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, estiveram lado a lado foi uma iniciativa inteligente diante das crescentes dificuldades para o Planalto no Legislativo, justamente agora.

Embora o titular da Fazenda conte com a boa vontade desses atores, não saiu de lá sem levar mais um recado, desta vez de Pacheco: o Congresso “reformista” considera que questões como marco do saneamento, privatização da Eletrobras e autonomia do BC estão dadas e não devem ser revistas. Apesar dos embates que tiveram neste início de legislatura, Lira e Pacheco estão alinhados nesse entendimento.

As dificuldades generalizadas de Lula nos outros fronts no Congresso são um indicativo a mais da interdição ao debate de alguns temas. E ameaçam impor derrotas amargas a Lula nas próximas semanas. A começar pela Medida Provisória que definiu a nova estrutura de funcionamento do governo, radicalmente diferente da que vigorava sob Jair Bolsonaro.

E, aqui, é o Parlamento que exorbita absurdamente suas prerrogativas. A pretexto de relatar a MP, o deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL) achou que cabia a ele, eleito não para governar o país, definir que órgão deve ficar sob que ministério e a que pastas cabem atribuições de Estado. Um abuso completo, que o governo não teve capacidade de prever nem de evitar. Agora é correr para evitar a derrota que teria graves consequências, ou, igualmente negativo, que a MP “caduque” e volte a vigorar a estrutura de governo bolsonaresca.

O deputado que resolveu redecorar a casa para Lula não é do PL de Bolsonaro, mas do MDB de Alagoas, partido com um ministro na estrutura que ele quer virar do avesso, o senador e ex-governador do estado Renan Calheiros Filho, na pasta dos Transportes. Se isso não é um indicativo flagrante de que o desenho de governabilidade feito pelo Planalto ruiu, é difícil saber o que seria. Há nada menos que nove MPs na bacia das almas, entre caducar e ser derrotadas no Congresso. O governo não parece ter segurança para pô-las em votação por não saber com que votos pode contar.

Não param por aí os obstáculos à relação entre Lula e o Parlamento. Todo dia há pelo menos um ministro convocado para ser espinafrado pela bancada estridente do bolsonarismo em alguma comissão. Só nesta semana são sete os integrantes do primeiro escalão que terão de largar seus afazeres e passar horas a fio batendo boca com youtubers e tiktokers de extrema direita. Onde está a articulação política para desarmar essa que pode ser uma bomba permanente? Ou o governo está disposto a deixar isso rolar por quatro anos?

E, por falar em palco de desgaste, a CPI do MST começou como o mais explosivo deles, com uma maioria oposicionista disposta a classificar o Movimento dos Sem-Terra como terrorista, marginal e bandido, para ficar só em três adjetivos usados na sessão desta quarta-feira. Em número francamente inferior, a capacidade da bancada governista de levar as investigações a também atingir grileiros de terras públicas e latifundiários é muito limitada.

Diante de uma casa tão desarrumada, a aprovação do marco fiscal terá sido, de fato, um milagre. Cabe ao governo retomar as rédeas da governabilidade, sob pena de, num cenário de caos, nem o arcabouço aprovado surtir o efeito benéfico que se espera dele.

 

Um comentário: