quinta-feira, 18 de maio de 2023

Vinicius Torres Freire - Haddad e Lira vencem, PT perde

Folha de S. Paulo

Comando da Câmara indica os termos de um acordo entre a direita parlamentar e Lula

Câmara aprovou a tramitação urgente do teto móvel de gastos Lula-Haddad, o dito "arcabouço fiscal". Foi uma vitória por 367 votos a 102, com uma abstenção —presença de 91,6% dos deputados.

Foi uma vitória de Fernando Haddad, ministro da Fazenda, e de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara. Derrota do comando do PT, que não engole o "arcabouço fiscal" e ainda menos o ligeiro aperto que a Câmara deu na regra de gasto. Essa tramitação também tem um recado para o presidente da República.

Nada foi aprovado. O projeto será votado na semana que vem, dia 24. Os números da votação, porém, foram expressivos. A tramitação com urgência reduziu a possibilidade de haver emendas importantes ao projeto. O que importa aqui é menos política econômica e mais a política-politiqueira.

Sob certo aspecto, o governo venceu, depois de semanas levando safanões, caneladas e rasteiras da Câmara. Sob outro aspecto, é uma força um pouco ilusória ou sub judice.

Lira atuou um tanto a sua maneira de trator. Quis mostrar ao governo que pode ser um bom sócio da administração de Luiz Inácio Lula da Silva, desde que tenha poder, que seja um pouco o semipremiê que foi na segunda metade do governo das trevas. Lira ainda não tem esse poder, diz gente do seu entorno e mesmo do Planalto, que agora parece começar a entender o jogo.

Não foi a liberação de emendas parlamentares e outros mimos que facilitou de modo relevante a vitória desta quarta-feira. O dinheiro e os cargos ainda não chegaram em volume relevante. Além disso, chegaram por pressão de Lula sobre seus ministros de casa.

Lira quis demonstrar boa vontade e força a fim de obter de Lula um acordo: quer mais do que emendas para os seus. Quer ser o diretor de trânsito desses dinheiros, dizer quem recebe, como e quando, em acordo com suas lideranças amigas. Esse é o primeiro recado para Lula.

A vitória dependeu de um acerto entre a cúpula da Fazenda e a cúpula de Lira. Não foi uma negociação mediada pela Casa Civil ou pelo Planalto. Quando o assunto bateu por lá, como na segunda-feira retrasada, chegou a empacar por uns dias, pois a Casa Civil então percebeu de vez que a negociação era direta, Fazenda-Lira. Por disputa de poder e por ser um centro mais petista do governo, a Casa Civil não gostou. Nem do encaminhamento do assunto nem do teor da nova regra fiscal, ligeiramente mais rígida.

Além do mais, deputados do PT e economistas amigos de fora do governo chegaram a formular um plano alternativo. Havia pressão de deputados próximos da cúpula do partido. Lula interveio e o movimento parou.

Há um segundo recado para o governo, que deveria estar ciente disso desde a eleição deste Congresso de direita.

Lira quer se mostrar o fiador da responsabilidade econômica, por assim dizer. Em entrevistas em Nova York, na semana que passou, reiterou, agora para o mundo, que vai barrar "retrocessos" nas reformas liberais de 2016-2022. Diz que a nova regra fiscal é um "assunto do país". Assim, satisfaz aliados fora do Congresso, como na finança, parte dos parlamentares mais convicta dessas ideias e outros que são apenas antipetistas e antilulistas.

A atitude de Lira e seu entorno quanto à regra fiscal é facilitada pelo fato de o limite de gastos de Lula 3 ser bem flexível. Dado o aumento de gasto a ser permitido para 2024, Lula deve ter problema maior com as contas de seu governo apenas em 2025.

A votação desta quarta-feira pode ser o começo de uma bela amizade entre Lula e o aspirante a semipremiê Lira. Lula ainda tem dificuldades no Congresso. A Câmara apresentou sua proposta de regras do jogo e o que tem a oferecer. Falta ver a reação de Lula e dos seus.

 

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