Folha de S. Paulo
Núcleos do comando petista no governo
entram em atrito com outras áreas do governo
O comando do PT e o núcleo do PT no
governo, em especial na Casa Civil, têm um programa que, em parte, tem sido no
mínimo apoiado por Luiz Inácio Lula da
Silva.
É um plano que incomoda gente de outras
partes do governo, petistas inclusive, como na economia, nas relações
exteriores e mesmo na área ambiental. Até no BNDES, espécie de
ala esquerda da equipe econômica, os planos mais petistas-partidários causam
preocupação. Todos dizem que o governo precisa se lembrar de que foi eleito por
uma "frente ampla".
A tentativa de retomar o controle da Eletrobras, política para a Petrobras, regra de reajuste do salário mínimo, o caso de Lula com a guerra da Ucrânia, os decretos para mudar as leis do saneamento (facilitando a vida de estatais), a lentidão da remontagem na área ambiental e os ataques contra o arcabouço fiscal fazem parte da lista de atritos. A retomada da Eletrobras e os decretos do saneamento são obras do núcleo petista no governo.
Pode haver mais. O comando do PT, deputados
e economistas ligados ao partido, mas muito fora do governo, elaboram proposta
alternativa para o plano de gastos de Fernando
Haddad. A proposta prevê um aumento de despesa maior do que o do projeto
Haddad, em quase todos os casos, ou exclui investimentos da conta do saldo
primário, entre outras mudanças fortes.
Não passará pelo governo e ainda menos
pelo Congresso.
Mas a mera apresentação de um plano alternativo, nesses termos, daria força à
tese de que há mais oposição no governo do que fora dele.
É um comentário que se ouve em vários
ministérios que não são controlados por gente ligada ao comando do PT: é muito
tiro no pé. Pede-se arbitragem urgente de Lula.
O arcabouço já vai ser modificado em acordo
com o Congresso. Deve haver mais regras para "punir" o gasto em caso
de descumprimento da meta de superávit
primário, como gatilhos que impeçam aumento de certas despesas (como
salários) ou renúncia de receita. Algumas despesas devem entrar no limite do
teto de Lula: salários da enfermagem, dinheiro para engordar o capital de
estatais, por exemplo. É o contrário da linha petista
Oposição organizada e dominante no
Congresso de fato ainda não há. Mas o governo toma safanões, o que ficou
evidente em votações da semana passada, mas não apenas.
Arthur Lira
(PP-AL), presidente da Câmara, frita em público o ministro da Secretaria de
Relações Institucionais, Alexandre Padilha, responsável entre outras coisas por
distribuir dinheiro de emendas. A distribuição foi destravada depois de umas
chamadas irritadas de Lula, mas o dinheiro ainda não começou a chegar aos
companheiros dos parlamentares.
As lideranças do Congresso, um centrão
muito ampliado, criticam a Casa Civil, de Rui Costa,
por ser centralizadora e lerda; querem definições sobre cargos de menor
escalão, em especial em estados, que rendem prestígio, algum poder e algum
troco.
Com experiência, capacidade analítica e
interesse, não se sabe em qual proporção, essas lideranças do centrão ampliado
contam que o governo está desorganizado, ministros batem cabeça, em especial os
do Planalto. Dizem que o governo e, mais ainda, o PT, não entendem o novo
Congresso, mais forte e francamente de direita. Foi o que disse, em entrevista
ao jornal "Valor", aliás, Valdemar
Costa Neto, presidente do PL.
É o que Lira tem dito também. É evidente
para qualquer pessoa versada em aritmética política. O que por ora é safanão
pode se tornar oposição organizada, ainda mais se a economia não crescer bem
(não deve crescer, até 2024) e se não houver fluxo de emendas (pode faltar
dinheiro).
Conflitos no governo e com uma oposição
organizada são um combate em duas frentes. Jamais na história foi boa ideia.
Pois é.
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