Folha de S. Paulo
Há meios de evitar que a Selic não fique em
13,75% pelo período mais longo da história
Até
esta quarta-feira, o Banco Central havia
mantido a Selic em
13,75% por 273 dias. Não vai mexer na taxa básica de juros na próxima reunião
do Copom,
em 21 de junho, a não ser que os anjos da desinflação baixem do céu ou que
ocorra um colapso financeiro mundial.
Na reunião seguinte, em 2 de agosto, há uma
chance mínima de a Selic começar a descer da estratosfera. A Selic de 13,75%
então quase faria aniversário, com 364 dias de idade.
Em apenas três outras ocasiões a Selic
ficara estacionada por mais tempo do que 273 dias, no regime de metas de
inflação (desde 1999). Em duas, porém, parara no vale, no nível mais baixo de
então.
O recorde de estacionamento na alta ocorreu
de 30 de julho de 2015 a 19 de outubro de 2016. A Selic ficou em 14,25% por 446
dias.
Nesse intervalo, o IPCA passou de 9,56% ao ano para 7,87%. No fim desse período, a inflação esperada para o ano seguinte estava pertinho da meta de 2017, de 4,5%.
Houvera então um surto de inflação por
causa da liberação de preços de energia, carestia de alimentos e desvalorização
enorme do dólar por causa de tumulto e incerteza (era o início do processo de
deposição de Dilma Rousseff).
Em 2016, a economia afundava na pior
recessão da República. Os salários despencavam (ora sobem). Ainda não havia o
teto de Michel Temer (aprovado em dezembro de 2016), mas os donos do dinheiro
compraram a ideia de que haveria controle de gastos e o governo seguiria um
caminho luminoso de reformas liberais ("Ponte para o Futuro"), com
ganhos de produtividade e nas expectativas.
Em geral, não deu certo, apesar de melhoras
em expectativas, mas esse era um aspecto do panorama da época. No final de
2018, fim de Temer, a Selic baixara a 6,5%, com IPCA de 3,75%.
No mais, no que interessa a este governo e
hoje grande causa da esquerda (a que ponto chegamos), a meta de inflação era
maior, 4,5% em 2017. Atualmente, é de 3% para 2024. Quando a Selic chegou a
13,75%, no início de agosto de 2022, o IPCA estava em 10% ao ano. Deve fechar
2023 perto de 6%.
Talvez não tenha sido boa ideia baixar a
meta de inflação da casa dos 4% para 3%, por vários motivos. A recíproca não é
verdadeira, por assim dizer. O estrago, se houve estrago, está feito e elevar a
meta a 4% não vai refrescar a situação e, talvez, piore expectativas e
inflação.
Ao contrário, enterrar a discussão sobre
mudança nas metas pode ter efeito positivo, assim como seria benéfico enterrar
a discussão de facilitar gasto público, ao menos até a economia se estabilizar
(leva anos). Com os discursos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (metas e
gastos), de novembro até pelo menos março, as expectativas de inflação subiram,
assim como os juros na praça (isto é, as taxas que definem o custo de
endividamento do governo). Tiro pela culatra.
Um ponto percentual para lá ou dois para cá
em termos de juros ou metas não vão tirar o Brasil deste atoleiro histórico —a
questão é muito mais enrolada. Mas, no curto prazo, se pode refrescar a
situação de emprego e contas públicas.
A fim de conseguir melhores resultados, a
melhor tática, por ora, é não dar murro em ponta de faca. É tirar os bodes da
sala: deixar as metas quietas, endurecer um pouco as metas fiscais etc.
Tentar criar guerra dentro do BC, nomeando
uma "bancada" de diretores
amigos do governo também não vai funcionar. Vai criar mais tumulto,
até porque piora a impressão de que o governo não entende do riscado e é
inclinado a fazer bobagem politiqueira juvenil e jeca, a acreditar que decreto,
tabelamento e intervenção pesada resolvem problema econômico. Não resolvem nem
ajudam o governo a ganhar a disputa política que, em parte, decerto, envolve as
decisões de política econômica.
Sei.
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