O Globo
O mundo busca diversificar os parceiros
comerciais. Ficar parado no comércio mundial significa andar para trás
A abertura comercial não parece ser tema
para o atual governo. O que há são ações, mais midiáticas do que diplomáticas,
para reinserir o país na cena global, como o fortalecimento das relações com
países com alinhamento ideológico e a participação em fóruns globais em que o
Brasil é player pouco relevante à luz dos temas tratados, como a guerra na
Ucrânia.
Gasta-se muita energia para nada, sem benefícios para os brasileiros, quando se deveria enfrentar temas cruciais, como o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia (UE), que está por um triz. O mundo busca diversificar os parceiros comerciais, podendo trazer oportunidades ao Brasil, e ficar parado no comércio mundial significa andar para trás, sendo que partimos de uma situação de grande isolamento.
O Brasil é um dos países mais fechados do
mundo quando se leva em conta as barreiras tarifárias e não tarifárias. Temos
poucos acordos de livre comércio e os parceiros são pouco relevantes (12% das
importações estão no âmbito de acordos, ante 90% no Chile).
São muitas as formas de protecionismo que
destoam a experiência brasileira, nas tarifas de importação, na burocracia, nas
barreiras técnicas sanitárias e fitossanitárias etc. No setor de serviços, mais
dificuldades se acumulam, como a bitributação, as barreiras regulatórias e a
reserva de mercado nas compras do governo.
Isso em um mundo em que o comércio de
serviços cresce de forma acelerada (a OCDE estima que, em valor adicionado, o
setor de serviços corresponderá a 75% do comércio global até 2025).
A resistência à abertura comercial vem do
próprio setor produtivo, o que demanda capacidade política do governo para seu
enfrentamento. A justificativa é o elevado custo Brasil que encarece nossos
produtos — a criação do IVA será importante passo, pois permitirá a isenção de
exportações.
A exposição paulatina à concorrência
internacional seria, porém, um estímulo para perseguir reformas estruturais e
elevar o investimento. É o caso da agropecuária, um setor com inserção mundial
e elevados ganhos de produtividade.
É amplo o benefício da abertura comercial
ao crescimento, por conta de ganhos decorrentes da especialização e da maior
escala na produção em setores de maior competitividade relativa, e do acesso a
novas tecnologias e insumos mais sofisticados.
O isolamento pode até trazer lucros mais
elevados para alguns setores no curto prazo, mas prejudica a todos no longo
prazo, particularmente as classes populares, que sofrem com preços mais
elevados — a grande reação à tentativa de taxar importações de até US$ 50 dá
uma ideia do quanto a pauta do livre comércio poderá crescer.
Não há receita de bolo para a velocidade e
o sequenciamento da abertura comercial. Mas uma coisa é certa, trata-se de
agenda que precisa ser perseguida por vários governos, implementada em etapas,
de forma consistente e sem risco de grandes retrocessos a cada ciclo político,
de modo a prover previsibilidade aos agentes econômicos.
A agenda de abertura envolve muitas
frentes, como dar continuidade à política de facilitação de comércio, retomada
em 2017. Mas há temas que demandam foco maior no momento.
O principal e mais urgente é o acordo
Mercosul-EU, que enfrenta resistências do próprio PT. A UE está fazendo novas
exigências para seu avanço, associadas principalmente à agenda ambiental, como
a rastreabilidade dos produtos de exportação.
Evitar esse tema agora poderá inviabilizar
o acordo, o que seria uma grande oportunidade perdida, sendo que muitas das
demandas serão também, cedo ou tarde, dos demais parceiros comerciais.
Outro tema é a necessidade de repactuação
do Mercosul, pois o desenho de união aduaneira é um impeditivo ao avanço
efetivo na abertura comercial. Um primeiro passo seria o Brasil se unir ao
Uruguai na defesa de acordos comerciais com países relevantes, como a China.
Até lá, valeria insistir na proposta de
redução da tarifa externa comum (a média da TEC é de 13,5% ante 3,6% na OCDE).
Ainda que pouco se possa avançar até a eleição na Argentina, caberia um
posicionamento do Brasil.
São janelas de oportunidade para avançar na
agenda da abertura e de diversificação de parceiros comerciais, e o Brasil
deveria se colocar como um grande protagonista no bloco. Porém, a julgar pelas
sinalizações atuais do governo, esses temas não irão prosperar.
(*) Agradeço as contribuições de Sandra
Rios
Muito bom o artigo.
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