quarta-feira, 24 de maio de 2023

Zeina Latif - Opção pelo isolamento

O Globo

O mundo busca diversificar os parceiros comerciais. Ficar parado no comércio mundial significa andar para trás

A abertura comercial não parece ser tema para o atual governo. O que há são ações, mais midiáticas do que diplomáticas, para reinserir o país na cena global, como o fortalecimento das relações com países com alinhamento ideológico e a participação em fóruns globais em que o Brasil é player pouco relevante à luz dos temas tratados, como a guerra na Ucrânia.

Gasta-se muita energia para nada, sem benefícios para os brasileiros, quando se deveria enfrentar temas cruciais, como o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia (UE), que está por um triz. O mundo busca diversificar os parceiros comerciais, podendo trazer oportunidades ao Brasil, e ficar parado no comércio mundial significa andar para trás, sendo que partimos de uma situação de grande isolamento.

O Brasil é um dos países mais fechados do mundo quando se leva em conta as barreiras tarifárias e não tarifárias. Temos poucos acordos de livre comércio e os parceiros são pouco relevantes (12% das importações estão no âmbito de acordos, ante 90% no Chile).

São muitas as formas de protecionismo que destoam a experiência brasileira, nas tarifas de importação, na burocracia, nas barreiras técnicas sanitárias e fitossanitárias etc. No setor de serviços, mais dificuldades se acumulam, como a bitributação, as barreiras regulatórias e a reserva de mercado nas compras do governo.

Isso em um mundo em que o comércio de serviços cresce de forma acelerada (a OCDE estima que, em valor adicionado, o setor de serviços corresponderá a 75% do comércio global até 2025).

A resistência à abertura comercial vem do próprio setor produtivo, o que demanda capacidade política do governo para seu enfrentamento. A justificativa é o elevado custo Brasil que encarece nossos produtos — a criação do IVA será importante passo, pois permitirá a isenção de exportações.

A exposição paulatina à concorrência internacional seria, porém, um estímulo para perseguir reformas estruturais e elevar o investimento. É o caso da agropecuária, um setor com inserção mundial e elevados ganhos de produtividade.

É amplo o benefício da abertura comercial ao crescimento, por conta de ganhos decorrentes da especialização e da maior escala na produção em setores de maior competitividade relativa, e do acesso a novas tecnologias e insumos mais sofisticados.

O isolamento pode até trazer lucros mais elevados para alguns setores no curto prazo, mas prejudica a todos no longo prazo, particularmente as classes populares, que sofrem com preços mais elevados — a grande reação à tentativa de taxar importações de até US$ 50 dá uma ideia do quanto a pauta do livre comércio poderá crescer.

Não há receita de bolo para a velocidade e o sequenciamento da abertura comercial. Mas uma coisa é certa, trata-se de agenda que precisa ser perseguida por vários governos, implementada em etapas, de forma consistente e sem risco de grandes retrocessos a cada ciclo político, de modo a prover previsibilidade aos agentes econômicos.

A agenda de abertura envolve muitas frentes, como dar continuidade à política de facilitação de comércio, retomada em 2017. Mas há temas que demandam foco maior no momento.

O principal e mais urgente é o acordo Mercosul-EU, que enfrenta resistências do próprio PT. A UE está fazendo novas exigências para seu avanço, associadas principalmente à agenda ambiental, como a rastreabilidade dos produtos de exportação.

Evitar esse tema agora poderá inviabilizar o acordo, o que seria uma grande oportunidade perdida, sendo que muitas das demandas serão também, cedo ou tarde, dos demais parceiros comerciais.

Outro tema é a necessidade de repactuação do Mercosul, pois o desenho de união aduaneira é um impeditivo ao avanço efetivo na abertura comercial. Um primeiro passo seria o Brasil se unir ao Uruguai na defesa de acordos comerciais com países relevantes, como a China.

Até lá, valeria insistir na proposta de redução da tarifa externa comum (a média da TEC é de 13,5% ante 3,6% na OCDE). Ainda que pouco se possa avançar até a eleição na Argentina, caberia um posicionamento do Brasil.

São janelas de oportunidade para avançar na agenda da abertura e de diversificação de parceiros comerciais, e o Brasil deveria se colocar como um grande protagonista no bloco. Porém, a julgar pelas sinalizações atuais do governo, esses temas não irão prosperar.

(*) Agradeço as contribuições de Sandra Rios

 

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