Valor Econômico
Na hora de sinalizar queda dos juros,
presidente do BC provavelmente ainda precisará convencer a maioria dos
integrantes do colegiado
O presidente do Banco Central, Roberto
Campos Neto, não manda sozinho no Comitê de Política Monetária (Copom). Quando
ele chegar à conclusão de que está na hora de sinalizar a queda dos juros
básicos - algo que não ficou claro nas suas declarações mais recentes, que
foram recheadas de ambiguidade -, provavelmente ainda precisará convencer a
maioria dos integrantes do colegiado. Atualmente, há diferenças relevantes de
visão entre os diretores do BC.
O longo histórico de decisões unânimes tomadas desde 2016 passa a falsa ideia de que Campos Neto tem o controle absoluto do comitê e de que todos pensam uniformemente. Não é bem assim: costuma haver divergências relevantes, sobretudo nos inícios e finais de ciclos de alta ou de baixa de juros, ainda que suavizadas pela busca do consenso.
Poucos lembram, mas o atual ciclo de aperto
monetário começou com uma divisão. Pelo menos três dos nove membros do Copom
defenderam que, já em janeiro de 2021, a meta da taxa Selic começasse a subir.
A maioria, porém, ainda não tinha feito a cabeça e votou por esperar um pouco
para acumular mais informações. O juros subiram só em março.
No fim do ciclo de subida, ocorreu a única
reunião com votos dissidentes dos últimos sete anos. Em setembro de 2022, os
diretores de assuntos internacionais, Fernanda Guardado, e de organização do
sistema financeiro, Renato Gomes, votaram por uma alta residual dos juros, de
13,75% ao ano para 14% ao ano. Com as expectativas de inflação acima das metas
e muitas dúvidas sobre se o aperto monetário estava fazendo efeito para esfriar
a economia e baixar a inflação, eles defenderam que o BC passasse uma mensagem
final de maior austeridade.
Na pandemia, outras divergências. No começo
do ciclo de distensão, alguns membros do Copom achavam que precisava cortar
mais rápido. No fim do ciclo, havia quem defendesse levar a Selic abaixo de 2%,
e só depois adotar uma sinalização de manter a política relaxada por mais
tempo.
Tem passado meio batido que, nas três
últimas reuniões do Copom, houve uma divergência importante sobre a chamada
taxa neutra de juros - aquela que mantém a inflação estável e a economia em
pleno emprego. Pelo menos três membros levantaram a hipótese de que a taxa
neutra é maior do que os 4% ao ano usados nos modelos de projeção de inflação.
Na prática, tudo mais constante, significa que seria preciso manter um aperto
maior para obter um mesmo efeito para levar a inflação para as metas.
Essa divergência vem se acentuando ao ponto
de, em maio, os membros mais conservadores defenderem que a taxa neutra parecia
maior, diante da “resiliência na atividade brasileira e um processo
desinflacionário lento”. Ou seja, a queda da inflação não estava ocorrendo como
o esperado, na visão desses membros. Assim, para saber com mais certeza quando
os juros podem cair, será preciso saber o que esses membros mais conservadores
do Copom acharam dos mais recentes índices de inflação.
Gomes, que já era um suspeito natural de
integrar a ala mais conservadora, ao lado de Guardado, disse em entrevista ao
jornal “O Estado de S. Paulo” que o Copom não deve ter pressa para baixar os
juros; que não basta olhar a inflação corrente; e que é preciso ter certeza de
que o processo de desinflação está ocorrendo da forma esperada.
A entrevista foi interpretada, por alguns,
como um torpedo teleguiado por Campos Neto para mandar uma mensagem mais
conservadora, quando quase todo mundo no mercado está se animando com a
possibilidade de ganhar dinheiro com apostas na baixa de juro. Mas não seria
prudente subestimar Gomes: embora comande uma área técnica do Banco Central,
ele é um dos quadros com formação e experiência econômica mais sólidas do
comitê.
Por que Gomes falou? Aparentemente, os
diretores do BC estão assumindo um perfil mais autônomo em relação ao
presidente da instituição, talvez em preparação para a chegada de novos membros
do Copom com visões econômicas radicalmente diferentes dos demais. Um deles é o
secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galipolo, um economista
não ortodoxo indicado pelo presidente Lula para a diretoria de política
monetária. Todos esses membros têm mandato e autonomia concedidos pelo Senado
e, no Copom, não estão subordinados ao chefe do BC.
Os diretores do Banco Central já estão
falando mais há algum tempo. Guardado concedeu a sua primeira entrevista
ao Valor em
abril; o diretor de política econômica, Diogo Guillen, conversou com “O Globo”
em maio; e agora foi a vez de Gomes. Dessa forma, ninguém vai estranhar quando,
por exemplo, Galipolo começar a emitir as suas opiniões sobre juros, caso seja
confirmado para o cargo no Senado.
A tendência é que o Copom, ao longo do tempo, fique mais parecido com o Federal Reserve (Fed). Para saber a inclinação dos juros, os analistas econômicos acompanham as falas dos diversos membros, procuram identificar os mais influentes e os mais isolados. No Brasil, o Copom provavelmente seguirá sua tradição de buscar decisões unânimes, que dão mais credibilidade e potencializam a ação de política monetária, mas poderá haver dissidências mais frequentes, sobretudo no começo e no fim dos ciclos.
Lendo e aprendendo.
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