Valor Econômico
Articuladores políticos do governo terão de
se esforçar para não desagradar mais a base aliada
A habilidade do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva em desarmá-lo no momento em que ele precisa atacar tem contribuído
para o desassossego do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira
(Progressistas-AL).
A sinalização de que o deputado Celso
Sabino (União Brasil-PA) será nomeado para o Ministério do Turismo na próxima
semana, quando Lula retornar da viagem à Europa, resolveu parcialmente a
turbulência política na Câmara, mas o desfecho da crise é remoto.
Um interlocutor de Lira confirmou à coluna que os movimentos da semana passada contribuíram para o “início de um entendimento”. O gesto principal foi a conversa, a sós, entre Lula e Lira na sexta-feira (16), no Palácio da Alvorada.
Após esse encontro, Lira confidenciou a
alguns aliados que Lula o deixa desconcertado. Relatou que apesar dos impasses
na relação, a conversa com o chefe do Executivo transcorreu em clima tão
cordial e bem humorado, que ficou difícil discordar do mandatário. O problema,
acrescentou, é que passados alguns dias, nada muda e os problemas persistem.
Um pequeno grupo de aliados testemunhou o
dia em que Lula desarmou um Arthur Lira com os nervos à flor da pele quando, no
dia 30 de outubro, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmou a vitória do
petista na eleição presidencial. Lira estava apreensivo com o resultado porque
havia feito campanha à luz do dia pela reeleição de Jair Bolsonaro.
Aliados recomendaram a Lira que telefonasse
para Lula para cumprimentá-lo, e fizesse uma declaração reconhecendo o
resultado. Ainda atordoado com a derrota de Bolsonaro, Lira obedeceu os aliados
e telefonou para Lula. Antes de balbuciar qualquer palavra, o petista foi mais
ligeiro e disparou do outro lado da linha: “Boa noite, Arthur, como está a
saúde do seu pai?”
Segundo quem presenciou a cena, e passou o
relato adiante, Lira surpreendeu-se e comoveu-se com a menção ao seu pai, o
prefeito de Barra de São Miguel (AL), Benedito (Biu) de Lira, 81 anos, que
estava se submetendo a um doloroso tratamento de câncer.
Um dos deputados que estava ao lado de Lira
naquela noite era Celso Sabino, o futuro ministro do Turismo, e um dos quadros
mais próximos do alagoano. Também estavam na residência oficial o então líder
do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), o líder do PP, André Fufuca (MA),
o líder do PSB, Felipe Carreras (PE), os deputados Hugo Leal (PSD-RJ) e Danilo
Forte (União-CE).
Ex-senador e três vezes deputado federal,
Biu de Lira é personagem relevante: foi mais votado que Renan Calheiros
(MDB-AL) no pleito para o Senado em 2010. Antes, foi um aliado estratégico do
governo Lula 1 (2003-2006) como autor da proposta de emenda constitucional
(PEC) 101/03 que autorizaria os presidentes da Câmara e do Senado a tentarem a
reeleição para os cargos no meio da legislatura.
Em 2004, se aprovada, a emenda concederia
mais dois anos de mandato ao petista João Paulo Cunha (SP) no comando da
Câmara, e a José Sarney (MDB-AP) na direção do Senado. Ambos, Cunha e Sarney,
eram aliados de primeira hora de Lula.
A PEC de Biu de Lira foi a empreitada que
chegou mais perto de permitir a reeleição dos dirigentes das Casas Legislativas
no meio da legislatura. Em maio de 2004, faltaram apenas 5 votos para aprovar o
substitutivo do deputado Paes Landim (PTB-PI). O documento obteve 303 votos
favoráveis, 127 contrários, e 9 abstenções. Em 2020, a mesma pretensão
capitaneada por Davi Alcolumbre (União-AP) no Senado e por Rodrigo Maia (RJ) na
Câmara foi sepultada no nascedouro pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A recondução com votação recorde de 464
votos em fevereiro suscitou rumores de que Lira poderia se movimentar para
tentar aprovar uma PEC nos mesmos termos daquela apresentada pelo seu pai há 19
anos. Essa possibilidade gerou apreensão no Palácio do Planalto porque Lira é
um adversário obstinado, difícil de “tourear”, segundo a descrição de um
ministro não palaciano.
Contudo, com tantos caciques do Centrão que
já se movimentam de olho na sucessão do alagoano, e diante do fim das emendas
de relator (RP9) - instrumento que inflou o poder de Lira - são remotas as
chances de que uma PEC nesses termos possa prosperar.
Porém, mesmo que em contagem regressiva
para deixar o cargo, Arthur Lira ainda é um chefe de poder com um ano e meio de
mandato pela frente, e tinta na caneta para acelerar ou refrear o andamento de
pautas estratégicas para o governo.
Acima de tudo, Lira é porta-voz da
insatisfação de mais de uma centena de deputados que cobram do governo um
acordo não cumprido relativo à PEC da Transição, estimado em R$ 9 bilhões das
extintas emendas de relator. Esse montante teria sido convertido em recursos do
Tesouro Nacional, mas que os deputados pretendem repassar para suas bases na
forma de convênios com prefeituras.
Enquanto o Congresso não concluir a votação
do novo marco fiscal, avançar com a reforma tributária e aprovar a Lei de
Diretrizes Orçamentárias (LDO) - que refletirá as premissas do novo arcabouço -
os articuladores políticos de Lula terão de rebolar para não desagradar mais a
gelatinosa base aliada. Será preciso mais que o poder de persuasão de Lula e as
piadas sobre futebol para aprovar as matérias relevantes do governo na Câmara.
Verdade.
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