sexta-feira, 2 de junho de 2023

Bruno Carazza - O pior começo de governo dos últimos 20 anos no Congresso

Valor Econômico

Números revelam problemas na articulação e pouca ambição do governo

Os dados não deixam dúvidas. Desde que o rito atual de tramitação das medidas provisórias foi instituído, com a Emenda Constitucional nº 32/2001, nunca um presidente em início de mandato teve tanta dificuldade de aprovar sua agenda no Congresso.

A suada conversão em lei da Medida Provisória nº 1.154/2023, que trata da estrutura do novo governo e deve ser sacramentada pelo Senado, esconde o fato de que outras três MPs irão caducar hoje às 23:59h.

E não se trata de medidas quaisquer: estão no pacote a extinção da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), a transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para o Ministério da Fazenda, a reconstituição da composição do Conselho Monetário Nacional (CMN) e a alteração da regra de desempate nas votações do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) a favor do governo.

Presidentes em início de mandato costumam ter capital político para passar sem grandes problemas as medidas inaugurais de seus governos. Desde 2003, só Dilma Rousseff viu o Congresso deixar vencer o prazo de MPs propostas no primeiro mês após a posse. Em 2011, foram duas MPs que caducaram, enquanto em 2015 aconteceu mais uma vez.

Além da fragilidade de sua base no Congresso e as frequentes dificuldades impostas pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, este início do governo Lula III se caracteriza também pela limitada ambição reformista.

Transcorridos cinco meses de seu novo governo, Lula não apresentou nenhuma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) ao parlamento. Olhando em retrospecto, apenas o governo Dilma I passou em branco neste quesito.

Nas suas duas passagens anteriores pela Presidência da República, o petista apresentou duas PECs em 2003 (reformas da previdência e tributária) e três em 2007 (prorrogação da CPMF, alteração no Fundo de Participação dos Municípios e outra tentativa de reforma tributária). Dilma II, Temer e Bolsonaro apresentaram uma PEC cada um nos primeiros cinco meses de mandato.

Em matéria de legislação complementar, Lula investiu em dois projetos: o novo arcabouço fiscal e mudanças na regulação do setor de seguros e resseguros. É menos do que Bolsonaro, que no mesmo período apresentou três projetos de lei complementar – uma delas a lei de autonomia do Banco Central.

Apenas em termos de propositura de leis ordinárias o governo Lula 3 apresenta um desempenho próximo de seus dois mandatos anteriores. Neste ano já foram encaminhados ao Congresso dez PLs, número superior ao de seus antecessores – Bolsonaro (8), Temer (6) e Dilma (5 e 6) – e no mesmo patamar dos períodos Lula I (9) e Lula II (12).

A grande questão é que, com tantos obstáculos para aprovar medidas tão básicas como sua própria estrutura de governo, converter essas intenções em lei parece pouco provável se a conjuntura política continuar assim tão desfavorável ao presidente.

Se Lula não ficar esperto, corre o sério risco de se tornar um pato manco até o final de 2026.

 

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