Luiz Gilherme Gerbelli / O Estado de S. Paulo
Economista vê avanços do governo, mas diz
que caminho para crescimento ainda é ‘longo’
“Uma coisa é conseguir virar o jogo na batalha
das expectativas no curto prazo. Outra coisa é criar condições para um
crescimento sustentável”
Economista, lecionou em Cambridge, USP e
Insper. Elaborou os planos de governo de Marina Silva nas eleições de 2010 a
2018.
Na avaliação do economista Eduardo
Giannetti, a nova gestão de Luiz Inácio Lula da Silva está conseguindo vencer a
batalha das expectativas depois “de um começo muito claudicante”. Os sinais
positivos, diz ele, estão na valorização do real em relação ao dólar, na alta
recente da Bolsa de Valores e na queda do chamado risco País. “Se houvesse um
pessimismo em relação ao Brasil, nós estaríamos vendo uma depreciação do real,
como houve no início do ano, quando as dúvidas eram muito agudas.”
Eleitor de Lula no segundo turno de 2022 e conselheiro econômico da ministra Marina Silva em campanhas presidenciais, Giannetti destaca a boa visão do investidor internacional e a percepção de que o governo – por vezes, por influência do Congresso – tem optado pelo pragmatismo. “Estão vendo que o governo Lula tem um perfil na área econômica que é mais o do centro democrático liberal, não o do PT raiz.”
A seguir, os principais pontos da entrevista:
Como o sr. vê os sinais da economia neste
começo de mandato?
A grande novidade neste primeiro semestre
de governo Lula é que há sinais concretos de que a batalha das expectativas
está sendo vencida depois de um começo muito claudicante. A economia depende
muito de expectativas. Eu digo que a economia é uma espécie de meteorologia em
que a previsão do tempo afeta o próprio tempo. Se os agentes econômicos
acreditam que as coisas vão melhorar, eles agem de acordo com essas
expectativas, e as coisas melhoram.
Na avaliação do sr., de onde vem essa
mudança?
Tem três indicadores que mostram com
clareza como a batalha das expectativas vem virando a favor da equipe
econômica. O primeiro deles é o câmbio. Se houvesse um pessimismo em relação ao
Brasil, estaríamos vendo uma depreciação do real, como houve no início do ano,
quando as dúvidas eram muito agudas. Os outros dois indicadores importantes são
Bolsa – nós tivemos uma valorização acima de 20% de março para cá – e o risco
Brasil, que também teve uma queda expressiva e está num nível mais parecido com
o dos melhores países da América Latina.
O que está por trás dessa melhora das
expectativas?
São fatores internos e externos. É difícil
atribuir um peso específico para cada um desses componentes, mas, sem dúvida,
pesa o fato de que o Brasil – ao contrário dos outros mercados emergentes – se
mostra um país menos ameaçador e problemático. A pausa no aumento do juro
americano também é um fator relevante. E as exportações brasileiras estão indo
excepcionalmente bem. As nossas contas externas estão extremamente robustas, o
que é algo que, certamente, faz muita diferença para o investidor externo.
Agora, tem elementos internos importantes. Acho que temos que, realmente,
aplaudir a condução da equipe econômica liderada pelo Fernando Haddad.
Por quê?
O arcabouço fiscal conseguiu um equilíbrio
muito difícil entre o respeito aos compromissos de campanha e a restauração de
um horizonte de controle dos gastos e da dívida pública. A equipe econômica foi
muito hábil na maneira como construiu politicamente junto ao Congresso a
aceitação e a legitimidade do novo arcabouço. É também evidente que o
presidente Lula demonstra, repetidamente, incontinência verbal em muitas
declarações no campo da economia. Agora, eu acho que as pessoas percebem que
isso, na prática, significa muito pouco. No momento de implementar, prevalece
um pragmatismo e um senso de realidade. Na questão do saneamento básico, foi
surpreendente ver que, no Congresso, prevaleceu o que me parece ser a solução
mais adequada, de não mudar um arcabouço legal, que, pelos dados que dispomos,
favorece o investimento num setor no qual o Brasil tem um déficit tão
inaceitável.
O País está no caminho, então, para ter
anos de bom crescimento?
Não. Uma coisa é conseguir virar o jogo na
batalha das expectativas no curto prazo. Outra coisa é criar condições para um
crescimento sustentável. Eu diria que o caminho ainda é bastante longo e
dificultoso. Eu acho que o governo vai concentrar agora o foco e as atenções no
imperativo da reforma tributária. Seria a próxima grande conquista. E se
conseguir o arcabouço fiscal e a reforma tributária neste ano, eu acho que nós
terminamos com um saldo muito positivo, que coloca o Brasil em posição de poder
sonhar e alcançar um desempenho de crescimento melhor do que os dos últimos
anos.
E qual é a capacidade do governo para
aprovar essa reforma?
Aí eu acho que mora um problema que está
longe de dar tranquilidade com relação ao futuro. O Congresso, em alguns
momentos, demonstrou uma postura mais cooperativa. Em outros momentos, mostra
um fisiologismo e uma recaída nas piores práticas da velha política brasileira.
Um fato novo, e eu acho que o governo ainda não está devidamente atento e
preparado para isso, é que mudou muito a relação de forças e poder entre
Executivo e Legislativo nos últimos anos. E isso requer uma nova postura e uma
capacidade de articulação e negociação bastante estruturada, que o governo
parece não ter ainda alcançado e conquistado.
E o que explica os investidores
internacionais estarem menos preocupados com o Brasil?
Eles estão vendo mais a floresta e menos a
árvore. Estão vendo que somos um país que tem contas externas equilibradas e
sólidas, com excepcional desempenho de exportação do agronegócio. Somos uma
economia com necessidades de investimento que podem gerar retornos
espetaculares como, por exemplo, no campo da infraestrutura. Estão vendo que o
governo Lula tem um perfil na área econômica que é mais o do centro democrático
liberal, não o do PT raiz.
Mas há uma crítica de parte dos analistas
de que o arcabouço pode ter de ser revisto a partir de 2025?
O primeiro desafio é implementar. É cumprir
as regras que estão sendo aprovadas no Congresso. Para a questão fiscal ser
equacionada, é fundamental a gente criar espaço para reduzir o juro no Brasil.
Se o juro continuar no patamar em que está hoje por mais tempo, não há ajuste
fiscal que resolva.
Qual será a consequência se o juro seguir
elevado?
Vamos caminhar para uma bola de neve de endividamento. Com a apreciação do real, o espaço genuíno para uma redução de juro e o crescimento – que decorre dessa melhoria –, a questão fiscal tende a se tornar perfeitamente administrável. Eu acho que vamos estar em outro patamar em 2025 e 2026. Não é um momento para se preocupar com isso. Agora, é um momento para se preocupar em criar espaço para baixar o juro. Eu acho que ele está sendo conquistado. As expectativas de inflação vêm caindo consistentemente, e isso para o Banco Central é muito importante. Não há mais razão concebível para que o Banco Central não comece, na próxima reunião, um movimento de redução dos juros.
Um dos maiores e mais lúcidos economistas brasileiros. Este sabe realmente do que está falando, e não está apenas defendendo os interesses do deus Mercado, como alguns colunistas costumam fazer!
ResponderExcluirSerenidade para decodificar as expectativas e consistência para propostas estruturantes...o Gianetti tem porte seguro e argúcia para ver à frente...
ResponderExcluirAntônio Menezes