domingo, 18 de junho de 2023

Entrevista | Eduardo Giannetti: ‘A batalha das expectativas está sendo vencida’

Luiz Gilherme Gerbelli / O Estado de S. Paulo

Economista vê avanços do governo, mas diz que caminho para crescimento ainda é ‘longo’

“Uma coisa é conseguir virar o jogo na batalha das expectativas no curto prazo. Outra coisa é criar condições para um crescimento sustentável”

Economista, lecionou em Cambridge, USP e Insper. Elaborou os planos de governo de Marina Silva nas eleições de 2010 a 2018.

Na avaliação do economista Eduardo Giannetti, a nova gestão de Luiz Inácio Lula da Silva está conseguindo vencer a batalha das expectativas depois “de um começo muito claudicante”. Os sinais positivos, diz ele, estão na valorização do real em relação ao dólar, na alta recente da Bolsa de Valores e na queda do chamado risco País. “Se houvesse um pessimismo em relação ao Brasil, nós estaríamos vendo uma depreciação do real, como houve no início do ano, quando as dúvidas eram muito agudas.”

Eleitor de Lula no segundo turno de 2022 e conselheiro econômico da ministra Marina Silva em campanhas presidenciais, Giannetti destaca a boa visão do investidor internacional e a percepção de que o governo – por vezes, por influência do Congresso – tem optado pelo pragmatismo. “Estão vendo que o governo Lula tem um perfil na área econômica que é mais o do centro democrático liberal, não o do PT raiz.” 

A seguir, os principais pontos da entrevista:

Como o sr. vê os sinais da economia neste começo de mandato?

A grande novidade neste primeiro semestre de governo Lula é que há sinais concretos de que a batalha das expectativas está sendo vencida depois de um começo muito claudicante. A economia depende muito de expectativas. Eu digo que a economia é uma espécie de meteorologia em que a previsão do tempo afeta o próprio tempo. Se os agentes econômicos acreditam que as coisas vão melhorar, eles agem de acordo com essas expectativas, e as coisas melhoram.

Na avaliação do sr., de onde vem essa mudança?

Tem três indicadores que mostram com clareza como a batalha das expectativas vem virando a favor da equipe econômica. O primeiro deles é o câmbio. Se houvesse um pessimismo em relação ao Brasil, estaríamos vendo uma depreciação do real, como houve no início do ano, quando as dúvidas eram muito agudas. Os outros dois indicadores importantes são Bolsa – nós tivemos uma valorização acima de 20% de março para cá – e o risco Brasil, que também teve uma queda expressiva e está num nível mais parecido com o dos melhores países da América Latina.

O que está por trás dessa melhora das expectativas?

São fatores internos e externos. É difícil atribuir um peso específico para cada um desses componentes, mas, sem dúvida, pesa o fato de que o Brasil – ao contrário dos outros mercados emergentes – se mostra um país menos ameaçador e problemático. A pausa no aumento do juro americano também é um fator relevante. E as exportações brasileiras estão indo excepcionalmente bem. As nossas contas externas estão extremamente robustas, o que é algo que, certamente, faz muita diferença para o investidor externo. Agora, tem elementos internos importantes. Acho que temos que, realmente, aplaudir a condução da equipe econômica liderada pelo Fernando Haddad.

Por quê?

O arcabouço fiscal conseguiu um equilíbrio muito difícil entre o respeito aos compromissos de campanha e a restauração de um horizonte de controle dos gastos e da dívida pública. A equipe econômica foi muito hábil na maneira como construiu politicamente junto ao Congresso a aceitação e a legitimidade do novo arcabouço. É também evidente que o presidente Lula demonstra, repetidamente, incontinência verbal em muitas declarações no campo da economia. Agora, eu acho que as pessoas percebem que isso, na prática, significa muito pouco. No momento de implementar, prevalece um pragmatismo e um senso de realidade. Na questão do saneamento básico, foi surpreendente ver que, no Congresso, prevaleceu o que me parece ser a solução mais adequada, de não mudar um arcabouço legal, que, pelos dados que dispomos, favorece o investimento num setor no qual o Brasil tem um déficit tão inaceitável.

O País está no caminho, então, para ter anos de bom crescimento?

Não. Uma coisa é conseguir virar o jogo na batalha das expectativas no curto prazo. Outra coisa é criar condições para um crescimento sustentável. Eu diria que o caminho ainda é bastante longo e dificultoso. Eu acho que o governo vai concentrar agora o foco e as atenções no imperativo da reforma tributária. Seria a próxima grande conquista. E se conseguir o arcabouço fiscal e a reforma tributária neste ano, eu acho que nós terminamos com um saldo muito positivo, que coloca o Brasil em posição de poder sonhar e alcançar um desempenho de crescimento melhor do que os dos últimos anos.

E qual é a capacidade do governo para aprovar essa reforma?

Aí eu acho que mora um problema que está longe de dar tranquilidade com relação ao futuro. O Congresso, em alguns momentos, demonstrou uma postura mais cooperativa. Em outros momentos, mostra um fisiologismo e uma recaída nas piores práticas da velha política brasileira. Um fato novo, e eu acho que o governo ainda não está devidamente atento e preparado para isso, é que mudou muito a relação de forças e poder entre Executivo e Legislativo nos últimos anos. E isso requer uma nova postura e uma capacidade de articulação e negociação bastante estruturada, que o governo parece não ter ainda alcançado e conquistado.

E o que explica os investidores internacionais estarem menos preocupados com o Brasil?

Eles estão vendo mais a floresta e menos a árvore. Estão vendo que somos um país que tem contas externas equilibradas e sólidas, com excepcional desempenho de exportação do agronegócio. Somos uma economia com necessidades de investimento que podem gerar retornos espetaculares como, por exemplo, no campo da infraestrutura. Estão vendo que o governo Lula tem um perfil na área econômica que é mais o do centro democrático liberal, não o do PT raiz.

Mas há uma crítica de parte dos analistas de que o arcabouço pode ter de ser revisto a partir de 2025?

O primeiro desafio é implementar. É cumprir as regras que estão sendo aprovadas no Congresso. Para a questão fiscal ser equacionada, é fundamental a gente criar espaço para reduzir o juro no Brasil. Se o juro continuar no patamar em que está hoje por mais tempo, não há ajuste fiscal que resolva.

Qual será a consequência se o juro seguir elevado?

Vamos caminhar para uma bola de neve de endividamento. Com a apreciação do real, o espaço genuíno para uma redução de juro e o crescimento – que decorre dessa melhoria –, a questão fiscal tende a se tornar perfeitamente administrável. Eu acho que vamos estar em outro patamar em 2025 e 2026. Não é um momento para se preocupar com isso. Agora, é um momento para se preocupar em criar espaço para baixar o juro. Eu acho que ele está sendo conquistado. As expectativas de inflação vêm caindo consistentemente, e isso para o Banco Central é muito importante. Não há mais razão concebível para que o Banco Central não comece, na próxima reunião, um movimento de redução dos juros.

2 comentários:

  1. Um dos maiores e mais lúcidos economistas brasileiros. Este sabe realmente do que está falando, e não está apenas defendendo os interesses do deus Mercado, como alguns colunistas costumam fazer!

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  2. Serenidade para decodificar as expectativas e consistência para propostas estruturantes...o Gianetti tem porte seguro e argúcia para ver à frente...
    Antônio Menezes

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