O Globo
A ligeira queda na intensidade da
polarização pode aumentar a esperança de terceiros, que no passado não
conseguiram espaço para competir
Começa nesta semana o julgamento de
Bolsonaro no TSE. É apenas um dos muitos processos contra ele. Mas, segundo
todas as previsões, não deverá escapar. Bolsonaro se tornará inelegível. Existe
apenas uma possibilidade de adiar essa decisão por 90 dias, caso o ministro que
ele indicou para o STF, Nunes Marques, peça vista. Mas não seria um pedido
inteligente, uma vez que a sorte está lançada, com o parecer do procurador
eleitoral. Uma solução rápida pode ser importante.
Bolsonaro e a corrente política que ele representa terão de encontrar uma alternativa, e isso demanda uma discussão longa. Um novo nome precisará também de alguns meses para se fixar. No processo que se julga agora, Bolsonaro é considerado por muitos indefensável. Ele reuniu embaixadores estrangeiros, usando o aparato oficial da Presidência, para criticar o sistema eleitoral brasileiro e defender o voto em papel, algo que já havia sido rejeitado.
Logo no início, seus advogados minimizaram
a cerimônia, dizendo que foi apenas uma troca de ideias. Mas na verdade os
embaixadores apenas ouviram e não dispõem, pelo menos até onde se sabe, de dons
telepáticos. O episódio em si é muito problemático. De forma indireta, também
deve pesar na decisão dos ministros a tentativa de golpe de 8 de janeiro. Ela é
na verdade fruto da longa pregação de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas.
Depois do 8 de Janeiro, surgiram evidências
de episódios que confirmam a preparação de um golpe, todo ele justificado pela
negação do resultado das eleições. A minuta encontrada na casa do ex-ministro Anderson
Torres previa uma intervenção no TSE, neutralização dos ministros, que seriam
substituídos principalmente por militares. Depois disso, no episódio da
falsificação dos cartões de vacinação, descobriu-se no celular de Mauro Cid,
ajudante de ordens de Bolsonaro, uma nova e longa conversa sobre golpe. Com um
fato gravíssimo e tantas circunstâncias negativas, Bolsonaro deverá se despedir
do processo eleitoral, pelo menos por oito anos.
É difícil prever em detalhes as
consequências dessa decisão. Mas certamente alterará a História nos próximos
anos. A saída de cena de Bolsonaro não significa que os conservadores no Brasil
percam força, muito menos prenuncia que a direita entrincheirada na internet
esmorecerá em sua guerra de memes. A ausência de um líder carismático contribui
para baixar o tom no processo eleitoral.
O presidente Lula, por sua vez, afirmou que
não pretende disputar em 2026. É uma escolha que pode ser revista. De qualquer
forma, é possível imaginar um cenário que reproduza o confronto que houve em
São Paulo, entre Tarcísio e Haddad. São os mais prováveis nomes alternativos.
Tive a oportunidade de acompanhar os debates presidenciais e de assistir aos
realizados em São Paulo. Se o cenário realmente acontecer, creio que a cena
política terá uma carga emotiva menor e um debate mais detalhado sobre programas.
Não há juízo de valor aí. Apenas uma
constatação de que a mudança, potencialmente, poderá reduzir a intensidade da
polarização. Toda essa análise na verdade conta com a reprodução em outros
termos dos confrontos de 2018 e 2022. Há um fator que não incluí aqui. A
ligeira queda na intensidade da polarização pode também aumentar a esperança de
terceiros, que no passado não conseguiram espaço para competir à altura das
duas grandes forças.
Vamos esperar o desenrolar da semana.
Talvez voltemos ao assunto em 90 dias, talvez tenhamos de prosseguir no tema.
Há semanas que se estendem por anos. Minha hipótese é que estamos entrando numa
delas.
Já não era sem tempo.
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