Folha de S. Paulo
Brasileiro comum perdeu o medo de protestar,
e logo estará de volta
Em junho de 2013 as
pessoas que não eram de esquerda perderam o medo de ir às ruas protestar. Eu
fui uma delas, participando do pequeno grupo de libertários que queria uma
sociedade sem Estado (ou com radicalmente menos). Mas havia de tudo ali. Da
esquerda mais radical à direita que, depois de décadas, perdia o medo
de se assumir. "Desculpe pelo transtorno, estamos mudando o
Brasil", dizia um cartaz cuja foto viralizou. Mudando em que direção?
Ninguém sabia, mas todo mundo queria participar.
A única clareza era o que não queríamos: a política de sempre, as velhas estruturas, o governo que aí estava, as mesmas opiniões batidas da imprensa. O "sistema". Era um movimento de negação, como tantos outros ao redor do mundo: Occupy e Tea Party nos EUA, Primavera Árabe etc. E o que mudou para que protestos eclodissem pelo mundo inteiro? A tecnologia da comunicação. Redes sociais e apps de mensagens deram voz a discursos antes limados do debate público, que apenas aguardavam a chance de jorrar para fora.
2013 desaguou em Bolsonaro?
Sim, no sentido de que levou a ele, da mesma forma que levara ao impeachment dois
anos antes. Nada disso estava determinado desde o início. Em diferentes
momentos, Marina ou
mesmo Ciro poderia
ter surfado a nova maré. Quem soube fazê-lo foi Bolsonaro e seu entorno, e
continuam na crista da onda até hoje, como a eleição do
Congresso em 2022 mostrou.
A revolta com a velha política, turbinada
pela Lava Jato,
lançou milhões de brasileiros na esperança da antipolítica.
Só a vontade decisiva de um líder forte poderia colocar ordem na bagunça que
reinava em Brasília, nas ruas, nas salas de aula etc. Foi a terra arrasada que
acompanhamos pelos últimos quatro anos.
Então o espírito de 2013 terminou com
Bolsonaro e será enterrado, junto da Lava Jato, pela dupla Lula-centrão?
Duvido muito. A revolta contra um sistema distante e imperfeito continua forte.
A possibilidade de se questionarem as autoridades institucionais de maneira
socialmente relevante está dada. E, se esse questionamento é possível, ele será
usado. O debate público não é mais tão facilmente controlável.
Vivemos um período de democratização, e o
povo pode errar sim, inclusive errar feio. Erros que podem colocar a própria
democracia —isto é, as regras do jogo que permitem disputas justas e
alternância de poder— em risco.
Sendo assim, a escolha é simples para quem
valoriza a democracia liberal e a razão. Ou agarrar-se à esperança de que, com
Lula e centrão no poder, a estabilidade voltou e os últimos dez anos não terão
passado de um pesadelo febril. Este é o ápice de que a democracia é capaz, e
quem não está satisfeito é ingrato ou mesmo perigoso. O que sai disso é
discurso criminoso a ser neutralizado por uma futura regulação das
big techs.
A alternativa é aceitar que a mudança veio
para ficar, que temos pela frente tempos mais turbulentos e revoltos, mas que
só terá chance neles quem descer do palanque, se despir de suas credenciais e
conversar com as pessoas no nível em que elas estão. Acabou o reinado
inconteste de "especialistas", seja na ciência, na política, nas
finanças ou no jornalismo. Todos têm que aprender a persuadir e entrar no jogo
da comunicação horizontal e pessoal.
As ruas estão vazias agora, mas se engana
quem acha que elas permanecerão assim por muito tempo.
Pois é.
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