terça-feira, 13 de junho de 2023

Luiz Carlos Azedo - Ninguém briga para participar de governo fraco

Correio Braziliense

Lula não gosta de mexer em ministro sob pressão política. Mas terá que abrir mais espaço para os deputados do Centrão, para manter a governabilidade, é uma questão de tempo.

O título, tomei emprestado do Ilimar Franco, escolado repórter de política, a propósito da briga do União Brasil pelo cargo da ministra do Turismo, Daniela Carneiro, cuja permanência no ministério subiu no telhado da Câmara. Lembrei-me de uma tese do jurista italiano Norberto Bobbio, ponto de referência para análises de conjuntura política. Todo governo, mesmo o pior, é a forma mais concentrada de poder. Quando nada funciona, as tarefas essenciais do Estado são mantidas: arrecadar, normatizar e coagir. Somente quando perde a capacidade de se manter financeiramente e garantir a ordem pública vira desgoverno.

É muito cedo para conclusões definitivas, mas Lula não faz um mau governo, no sentido de que perdera o foco no bem comum. Independentemente da areia movediça que é obrigado a atravessar ao se relacionar com um Congresso conservador, capaz, inclusive, de tomar decisões reacionárias. Lula vem mantendo a iniciativa política, ainda que algumas delas sejam muito polêmicas, como a obsessão de negociar a paz na guerra da Ucrânia ou a decisão de turbinar a indústria automobilística com incentivos para carros populares movidos a carbono.

Na semana passada, a pesquisa Ipec mostrou um governo com 53% de aprovação, o que se reflete na relação com os partidos do Centrão. A repercussão maior ainda está por vir, com a aproximação entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da Câmara, Arthur Lira, que fizeram um pacto para aprovação da reforma tributária o quanto antes. Essa é a prioridade do país, pois avalia-se que a reforma pode ter um impacto de até 10% no PIB brasileiro, o que é uma expectativa muito otimista. Se for a metade disso, já será um sucesso absoluto, porque viabilizará com folga o novo arcabouço fiscal, cujo ponto fraco é a projeção de arrecadação com os parâmetros atuais.

Exemplificando a tese do Bobbio: o governo Temer foi um governo fraco, mas aprovou praticamente tudo o que quis no Congresso, recuperou o controle das finanças públicas e jogou a inflação para baixo. Seu calcanhar de aquiles foi a segurança pública, principalmente a crise nos presídios (Maranhão, Amazonas e Roraima) e a greve dos policiais militares no Espírito Santo. Para enfrentar a questão, Temer criou um ministério e escalou para o cargo o seu então ministro da Defesa, Raul Jungmann. A firmeza do então governador Paulo Hartung e a atuação do ministro foram fundamentais para domar a greve, além da presença do Exército, por meio de uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).

Entretanto, o episódio foi uma espécie de ovo da serpente do que viria depois: um pacto entre setores militares e policiais para eleger Jair Bolsonaro e apoiar seu projeto saudosista de regime autoritário. A segurança pública continua sendo um grave problema, agora no colo do ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB). Sortudo, herdou do governo Temer a criação de sistema unificado de segurança pública, de gestão tripartite (União, estados e municípios), com R$ 4 bilhões em caixa, que não foram gastos durante o governo Bolsonaro, para investir na sua implantação. O ministro vem sendo testado desde o 8 de janeiro, porém, a questão da segurança pública é seu grande desafio: continua como dantes no quartel de Abranches.

Belford Roxo no poder

É aí que a presença no governo da ministra Daniela Carneiro, cuja cabeça está sendo pedida pelo União Brasil, é uma grande contradição. Sem preconceito, o município de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, não é um polo de atração turística. Antigo distrito de Nova Iguaçu, com 70km², se desenvolveu às margens da linha auxiliar da Central do Brasil, a antiga estrada de Ferro Rio D’Ouro. Sua origem é a antiga fazenda de Pedro Caldeira Brant, o conde de Iguaçu, filho do marquês de Barbacena. Vendida para para o comendador Manuel José Coelho da Rocha, no final do século XIX, entrou em decadência, por causa das epidemias.

A antiga Vila do Brejo mudou de nome para homenagear o engenheiro maranhense Francisco Teixeira Belford Roxo, parceiro de Paulo de Frontin. Seus antigos laranjais foram loteados e transformados em formigueiro humano, às margens da ferrovia. O complexo industrial da Bayer, instalado durante o governo Juscelino Kubitschek, porém, garante ao município uma arrecadação de R$ 8,2 bilhões, que contrasta com um IDH de 0,6 para uma renda per capita de R$ 16,7 mil. Por isso, tem uma Prefeitura muito cobiçada.

Waguinho Carneiro (Republicanos), prefeito de Belford Roxo, é marido e cabo eleitoral de Daniela. Teve um papel importante na eleição do presidente Lula, dividindo votos numa área que havia sido ocupada por Bolsonaro. É acusado de ter o apoio das milícias da Baixada Fluminense, violentíssimas. Ontem, o prefeito acusou o golpe e cobrou solidariedade de Lula: “A ministra Daniela é de um estado importante, o Rio de Janeiro, território totalmente bolsonarista, onde nós levamos a campanha do presidente Lula em toda a Baixada Fluminense, no interior, no Noroeste. Encorajamos muitas pessoas e pagamos um preço muito caro por isso”, disse Waguinho, ao acusar o União Brasil de golpe por tentar tirar Daniela do ministério e pôr no seu lugar o deputado Celso Sabino (BA), que apoiou Bolsonaro. O PT fluminense defende a aliança com Waguinho. Lula não gosta de mexer em ministro sob pressão política. Mas terá que abrir mais espaço para os deputados do Centrão, para manter a governabilidade, é só uma questão de tempo.

 

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