O Globo
O último domingo marcou o aniversário do
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL),
mas o dia não lhe trouxe boas notícias. A revista piauí e a Folha de S.Paulo
publicaram que a Polícia
Federal havia encontrado no carro do motorista de seu ex-assessor
Luciano Cavalcante anotações de pagamentos de quase R$ 500 mil para um certo
“Arthur”.
Cavalcante é um dos alvos do inquérito que
apura o desvio de R$ 8 milhões na compra de kits de robótica para escolas
de Alagoas com
dinheiro do orçamento secreto.
Lira não se abalou. Naquela noite, ele e a namorada celebraram com amigos no Praia no Parque, um bar de Lisboa sediado no elegante Parque Eduardo VII. À mesa, além do vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (Republicanos-SP), e do vice-presidente do União Brasil, Antônio Rueda, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes era paparicado pelos comensais.
O grupo estava entre os mais de mil
inscritos para o Fórum Jurídico promovido na capital portuguesa pelo IDP,
faculdade de Direito fundada por Gilmar e hoje dirigida por seu filho.
Nos três dias do fórum, que terminou ontem,
foram realizadas dezenas de palestras. A programação que mais interessava aos
convidados era a intensa agenda paralela, que rendeu ao evento o apelido de
GilmarFest (ou Gilmarpalooza).
O que não faltou foram almoços, coquetéis e
jantares grátis para os convidados de Gilmar. Só no domingo em que Lira
comemorou o aniversário, o cientista político e advogado Murillo de Aragão
ofereceu um almoço em Cascais para o dono do portal jurídico Migalhas, Miguel
Matos. A mulher de Matos, Daniela Teixeira, é candidata à vaga aberta no STJ para
um integrante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
No final do dia, o sócio da Riachuelo Flávio
Rocha deu um coquetel pela entidade empresarial Esfera em sua
cobertura na Avenida Liberdade, endereço nobre de Lisboa. Além de Gilmar e
de Luís
Roberto Barroso, que presidirá o STF a partir de outubro, atenderam ao
convite André Mendonça e os ministros de Lula José
Mucio (Defesa), Jorge Messias (AGU)
e Vinícius Carvalho (CGU).
No final da noite, a Azul juntou num
restaurante cerca de cem participantes do fórum. Gilmar deu uma passadinha,
antes de encontrar Lira e sua turma. Na segunda-feira, lá estava o ministro de
novo, no jantar em que o BTG reuniu 25 VIPs em torno de seu controlador, André
Esteves, no sofisticado restaurante Eleven — os ministros de Lula, os do
Supremo e o próprio Lira, além do dono da Cosan, Rubens
Ometto, e do presidente do conselho do Bradesco, Luiz
Trabuco.
Na terça, numa celebração maior, o banco
fechou outro local badalado, o Sud, para centenas de convidados se divertirem à
beira do Rio Tejo.
Em meio a drinques e canapés, candidatos a
vagas em tribunais faziam seu lobby, enquanto empresários e advogados
cortejavam ministros de Cortes superiores e autoridades com postos estratégicos
tão longe dos olhos do público.
O fórum está em sua 11ª edição, e hoje
parece que ninguém mais se espanta com o fato de ministros do Supremo e
autoridades da República confraternizarem com prepostos de empresas e de
interesses bilionários sobre os quais fatalmente terão de decidir.
Tampouco incomoda que toda essa gente
precise ir até Lisboa para discutir assuntos que só dizem respeito ao Brasil,
muitas vezes com passagens e hospedagem pagas com o dinheiro público.
Ninguém mais parece lembrar que a parceira
do IDP no evento, a FGV, foi alvo no ano passado de outra operação da PF, sobre
uma organização criminosa que vendia pareceres jurídicos para ajudar no desvio
de dinheiro do governo do Rio nas gestões de Sérgio Cabral.
A operação durou menos de 48 horas. O
próprio Gilmar suspendeu tudo, alegando falta de competência do juiz federal
que a determinara. Independentemente de quem tenha razão, não é difícil
constatar aí um caso clássico de conflito de interesses.
Nos primeiros anos, Gilmar ainda respondia
aos questionamentos sobre o fórum, sempre garantindo que não havia nenhum
problema ou conflito. Hoje nem se preocupa mais em fazê-lo. Estamos todos,
afinal, festejando a vitória da democracia sobre o obscurantismo, do Estado de
Direito sobre a destruição das instituições.
Foi esse, aliás, o tema da fala de Lira na palestra inaugural do fórum, ao lado de Gilmar. Enquanto ele discorria sobre “Estado Democrático de Direito e Defesa das Instituições”, a PF encaminhava ao Supremo o relatório dos pagamentos a “Arthur” — evidência de que, para a corporação, há envolvimento de autoridade com foro privilegiado. Lira, porém, estava à vontade e foi bastante aplaudido. O fórum é um sucesso — e Lisboa, uma festa.
Cruzes!
ResponderExcluirCoisas do Brasil em terras d'além mar. Texto perfeito!
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