Valor Econômico
Câmara reage à ofensiva do governo com bom
momento da economia e alinhamento com Judiciário
A agência de classificação de risco S&P
já havia alterado a nota de crédito do Brasil para positiva, retomando o
patamar de quatro anos atrás de maior segurança para o investidor estrangeiro,
quando uma sirene de risco político tocou em alguns gabinetes da Câmara dos
Deputados.
Em meio à guerra entre Executivo e
Congresso pela troca de ministérios e ocupação de cargos em empresas públicas,
começou a circular um novo substitutivo para o projeto de lei que tipifica
crime de discriminação contra “pessoas politicamente expostas”.
Não estava previsto mas logo se arrumou um
jeito de pautar urgência e mérito. Apresentado inicialmente como uma reação dos
parlamentares às dificuldades colocadas pelos bancos para a abertura de contas
suas e de seus familiares, o projeto chegou a entrar em pauta semanas atrás mas
foi barrado.
Voltou mais bojudo. Entre as discriminações sujeitas a penas pelo substitutivo está a de impedir o acesso de alguém “devidamente habilitado, a qualquer cargo da administração direta ou indireta, bem como das concessionárias de serviços públicos”. Ao fim deste artigo, acresça-se “salvo expressa vedação legal”.
Um decreto de 2021 proíbe nomeações em
cargos de confiança de quem esteja enquadrado nos critérios da Ficha Limpa.
Como decreto não é lei, estaria franqueada a poluição da Esplanada.
Ao ser apresentado, dias atrás, pelas mãos
da deputada Daniela Cunha (União-RJ), o texto trazia as patas de seu pai, o
ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Na sua nova tentativa de votação,
chegou acrescido dos carimbos dos atuais comandantes da Casa que têm tido seus
indicados vetados pela nova governança.
Se este projeto for aprovado, não é apenas
a cidadela protegida da ministra da Saúde, Nísia Trindade, que corre riscos. O
Centrão espera pavimentar, com este substitutivo, sua demanda de ministérios
com porteira fechada. Ou seja, sem olheiros em cargos com dotação orçamentária.
É claro que este projeto, aprovado na
Câmara, ainda teria longo trâmite no Senado e avenida larga de contestação no
Judiciário, mas sua volta à Casa como uma ponte entre as gestões Eduardo Cunha
e Arthur Lira é repleta de significados.
Chega num momento em que o governo
administra vantagem em duas frentes, a de uma economia com inflação sob
controle e dólar em queda e aquela gerada pelo enfraquecimento da Câmara pela
Operação Hefesto.
Na mesma terça-feira em que o presidente da
República empurrou com a barriga a troca no Turismo, o governo conseguiu evitar
a convocação de aliados na CPMI do 8 de janeiro - e aprovar a de bolsonaristas
-, passar, na Câmara, o projeto que autoriza o uso da previdência privada como
garantia de empréstimos, e concluir, no Senado, a MP que recria o Minha Casa
Minha Vida. A única derrota do dia foi a desoneração prorrogada da folha de
pagamento de empresas em comissão do Senado.
Não se forma base parlamentar com operação
policial, mas não parece coincidência que a retomada da iniciativa legislativa
do governo tenha acontecido à sombra dos impactos, sobre o atual comando da
Câmara, do desenrolar da operação da Polícia Federal e da Controladoria-Geral
da União que apura a participação de aliados do presidente da Casa em fraude
nas licitações de kit robótica.
O Planalto conduz as negociações de troca
de ministros de olho no andamento do processo que foi iniciado pela justiça
federal em Alagoas mas já chegou ao Supremo Tribunal Federal. Os advogados dos
alvos esbarraram numa muralha no Tribunal Regional Federal da 5ª Região, onde o
primeiro recurso enfrentou um desembargador que define o estado de direito a
partir de sua prevalência sobre organizações criminosas.
No Supremo, o primeiro recurso contra a
Hefesto caiu nas mãos de Luís Roberto Barroso. Outra muralha. O ministro não
pavimentaria sua posse na Presidência do STF em outubro com um conluio deste
calibre. O propósito do recurso é anular a operação sob o argumento de que um
dos personagens captados pelas câmaras da PF é um deputado federal que
precisaria de autorização da Corte para ser investigado.
A aposta era de que, ao chegar ao Supremo,
o processo precisaria da manifestação do procurador-geral, Augusto Aras, que
não haveria de lhes faltar em seus derradeiros meses no cargo. Não tiveram
sorte com o relator. Quando conduziu o inquérito dos portos no governo Michel
Temer, Barroso contornou a PGR para enquadrar o presidente. Se a PF decidir dar
prosseguimento à investigação de detentores de foro, é ao ministro que
recorrerá.
O governo observava esta movimentação
jurídico-policial na expectativa de que dela resulte um moderador de apetite
para o Centrão. Esperava encontrar uma fórmula com a qual pudesse administrar
com parcimônia a condição de pato manco que a Hefesto parecia ter deixado o
presidente da Câmara. Não duvidava, porém, da reação.
A primeira veio com o substitutivo que
arromba a porteira da Esplanada. Teve sua votação confirmada pelo líder do
União Brasil, Elmar Nascimento (União-BA), depois de encontro com o ministro
Rui Costa, da Casa Civil, onde estão represadas as indicações. Foi uma reação
robusta ante um governo que se apresenta com as rédeas da economia e aposta em
conquistar a confiança dos gestores das finanças que, vide CPI das Americanas,
não têm tido motivos para depositá-la na Câmara dos Deputados.
Sei.
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