quinta-feira, 15 de junho de 2023

Maria Cristina Fernandes - A ponte para o atraso entre Cunha e Lira

Valor Econômico

Câmara reage à ofensiva do governo com bom momento da economia e alinhamento com Judiciário

A agência de classificação de risco S&P já havia alterado a nota de crédito do Brasil para positiva, retomando o patamar de quatro anos atrás de maior segurança para o investidor estrangeiro, quando uma sirene de risco político tocou em alguns gabinetes da Câmara dos Deputados.

Em meio à guerra entre Executivo e Congresso pela troca de ministérios e ocupação de cargos em empresas públicas, começou a circular um novo substitutivo para o projeto de lei que tipifica crime de discriminação contra “pessoas politicamente expostas”.

Não estava previsto mas logo se arrumou um jeito de pautar urgência e mérito. Apresentado inicialmente como uma reação dos parlamentares às dificuldades colocadas pelos bancos para a abertura de contas suas e de seus familiares, o projeto chegou a entrar em pauta semanas atrás mas foi barrado.

Voltou mais bojudo. Entre as discriminações sujeitas a penas pelo substitutivo está a de impedir o acesso de alguém “devidamente habilitado, a qualquer cargo da administração direta ou indireta, bem como das concessionárias de serviços públicos”. Ao fim deste artigo, acresça-se “salvo expressa vedação legal”.

Um decreto de 2021 proíbe nomeações em cargos de confiança de quem esteja enquadrado nos critérios da Ficha Limpa. Como decreto não é lei, estaria franqueada a poluição da Esplanada.

Ao ser apresentado, dias atrás, pelas mãos da deputada Daniela Cunha (União-RJ), o texto trazia as patas de seu pai, o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Na sua nova tentativa de votação, chegou acrescido dos carimbos dos atuais comandantes da Casa que têm tido seus indicados vetados pela nova governança.

Se este projeto for aprovado, não é apenas a cidadela protegida da ministra da Saúde, Nísia Trindade, que corre riscos. O Centrão espera pavimentar, com este substitutivo, sua demanda de ministérios com porteira fechada. Ou seja, sem olheiros em cargos com dotação orçamentária.

É claro que este projeto, aprovado na Câmara, ainda teria longo trâmite no Senado e avenida larga de contestação no Judiciário, mas sua volta à Casa como uma ponte entre as gestões Eduardo Cunha e Arthur Lira é repleta de significados.

Chega num momento em que o governo administra vantagem em duas frentes, a de uma economia com inflação sob controle e dólar em queda e aquela gerada pelo enfraquecimento da Câmara pela Operação Hefesto.

Na mesma terça-feira em que o presidente da República empurrou com a barriga a troca no Turismo, o governo conseguiu evitar a convocação de aliados na CPMI do 8 de janeiro - e aprovar a de bolsonaristas -, passar, na Câmara, o projeto que autoriza o uso da previdência privada como garantia de empréstimos, e concluir, no Senado, a MP que recria o Minha Casa Minha Vida. A única derrota do dia foi a desoneração prorrogada da folha de pagamento de empresas em comissão do Senado.

Não se forma base parlamentar com operação policial, mas não parece coincidência que a retomada da iniciativa legislativa do governo tenha acontecido à sombra dos impactos, sobre o atual comando da Câmara, do desenrolar da operação da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União que apura a participação de aliados do presidente da Casa em fraude nas licitações de kit robótica.

O Planalto conduz as negociações de troca de ministros de olho no andamento do processo que foi iniciado pela justiça federal em Alagoas mas já chegou ao Supremo Tribunal Federal. Os advogados dos alvos esbarraram numa muralha no Tribunal Regional Federal da 5ª Região, onde o primeiro recurso enfrentou um desembargador que define o estado de direito a partir de sua prevalência sobre organizações criminosas.

No Supremo, o primeiro recurso contra a Hefesto caiu nas mãos de Luís Roberto Barroso. Outra muralha. O ministro não pavimentaria sua posse na Presidência do STF em outubro com um conluio deste calibre. O propósito do recurso é anular a operação sob o argumento de que um dos personagens captados pelas câmaras da PF é um deputado federal que precisaria de autorização da Corte para ser investigado.

A aposta era de que, ao chegar ao Supremo, o processo precisaria da manifestação do procurador-geral, Augusto Aras, que não haveria de lhes faltar em seus derradeiros meses no cargo. Não tiveram sorte com o relator. Quando conduziu o inquérito dos portos no governo Michel Temer, Barroso contornou a PGR para enquadrar o presidente. Se a PF decidir dar prosseguimento à investigação de detentores de foro, é ao ministro que recorrerá.

O governo observava esta movimentação jurídico-policial na expectativa de que dela resulte um moderador de apetite para o Centrão. Esperava encontrar uma fórmula com a qual pudesse administrar com parcimônia a condição de pato manco que a Hefesto parecia ter deixado o presidente da Câmara. Não duvidava, porém, da reação.

A primeira veio com o substitutivo que arromba a porteira da Esplanada. Teve sua votação confirmada pelo líder do União Brasil, Elmar Nascimento (União-BA), depois de encontro com o ministro Rui Costa, da Casa Civil, onde estão represadas as indicações. Foi uma reação robusta ante um governo que se apresenta com as rédeas da economia e aposta em conquistar a confiança dos gestores das finanças que, vide CPI das Americanas, não têm tido motivos para depositá-la na Câmara dos Deputados.

 

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