quinta-feira, 29 de junho de 2023

Maria Hermínia Tavares* - As urgências do mundo

Folha de S. Paulo

Diplomacia presidencial parece começar a dar rumo ao protagonismo além-fronteiras

Em Paris, na semana passada, o presidente Lula discursou duas vezes. Para a multidão que participava do festival Power Our Planet, ao ar livre, no Champ de Mars, escalou nos decibéis ao cobrar dos países ricos uma paga pela devastação ambiental que promoveram para se tornar o que são.

À parte um momento de miopia autoprovocada —faz tempo, afinal, que também as nações menos desenvolvidas ajudam a fomentar o desastre planetário—, não disse coisa nova: ecoou o princípio das "responsabilidades comuns, porém diferenciadas", consagrado já em 1992 na Unfcc (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima) e desde então integrado à diplomacia brasileira. O texto obriga os países membros da convenção a defender o clima "com base na equidade e em conformidade com suas respectivas capacidades".

Na segunda fala, dirigiu-se aos chefes de Estado e representantes de organizações internacionais reunidos na Cúpula por um Novo Pacto Financeiro Mundial. Convocada pelo presidente francês, Emmanuel Macron, a reunião levou à cena a reforma das instituições multilaterais para adaptá-las aos desafios financeiros e econômicos nascidos da crise climática —em especial, como apoiar a transição energética dos países do chamado Sul Global.

Para esse distinto público, o brasileiro foi duro ao tratar da obsolescência das instituições de Bretton Woods em face do aumento exponencial das desigualdades e do imperativo de tratar pobreza, iniquidades e ameaça climática como dados da mesma equação.

Eis por que na capital francesa a diplomacia presidencial parece ter começado a dar rumo promissor ao protagonismo além-fronteiras, dessa vez, sim, nos temas em que a contribuição brasileira pode ser positiva e importante —o avesso da fantasia extravagante de influir no conflito produzido pela invasão russa da Ucrânia.

Somados os dois discursos e descontada a retórica por vezes áspera e rombuda, equivalem ao estabelecimento de relações estreitas do Brasil com a ideia de justiça climática. Esta, como se sabe, leva, de um lado, à constatação de que as consequências do aquecimento global serão bem piores para as populações mais pobres e vulneráveis; de outro, à necessidade de tratar conjuntamente riscos ambientais e carências sociais.

O papel internacional do Brasil nessa matéria se alicerça na importância para o mundo de seu patrimônio ambiental e da experiência de redução da pobreza e das desigualdades. Mas será tanto maior quanto for a aptidão do governo em ter a justiça climática como guia para entrelaçar as políticas sociais e ambientais em curso.

*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.

 

Um comentário: