O Globo
A disposição de Lula de não resistir a
pressões dirigidas por interesses particulares mostra como é difícil controlar
o Congresso com um governo minoritário e sem projeto, a não ser o personalismo
petista
O presidente Lula está tentando organizar
seu ministério de acordo com os partidos que teoricamente o apoiam na Câmara,
mas o episódio da substituição da ministra do Turismo é exemplar. Nomeada como
Daniela do Waguinho, por ser casada com o prefeito de Belford Roxo, logo nos
primeiros dias ela pediu para ser chamada de Daniela Carneiro. Muito justo,
queria mostrar sua independência política. Mas a vontade não era tanta assim,
pois, logo que seu próprio partido, o União Brasil, resolveu trocá-la por outro
integrante, eis que entra em campo o mesmo Waguinho, para defender a
permanência no cargo de sua mulher.
Os petistas reclamam das críticas feitas a Lula por aceitar as chantagens parlamentares do União Brasil e, sobretudo, do presidente da Câmara, Arthur Lira. Recebem-nas como apoio aos chantagistas. Mas quem se colocou nessa posição foi o próprio Lula, que venceu a eleição sem programa de governo e foi preenchendo os cargos sem a menor lógica. Essa falta de sensatez aparece no comentário do próprio Waguinho, que terá um encontro com Lula provavelmente hoje: “Trocar uma evangélica por um bolsonarista não tem sentido”.
O presidente Lula terá muita dificuldade
para substituir a ministra do Turismo, pois até o PT do Rio, numa reação
surpreendente, mas nem tanto, trabalha para que ela fique. Será uma conversa
difícil a de Lula com Waguinho. Não estão empenhados nem um pouco em apoiar o
governo, mas, na hora de perder cargos, veem que ficarão sem nada. E deverá ser
também uma conversa difícil dentro do partido; pode haver uma brecha na união
interna, que não é lá essas coisas.
Segundo a colunista do GLOBO Bela Megale,
há um movimento para levar 50 dos 59 deputados para a oposição caso não se
concretize a mudança. É impressionante a força do grupo do Waguinho para manter
a mulher no cargo. Deve ser importante para eles, mas tem de ser importante
para o governo também. Lula está com dificuldade no mundo evangélico, o PT já
teve apoio forte desse eleitorado, com o bispo Edir Macedo. Mas a chegada de
Bolsonaro tomou conta dos evangélicos, e, se Lula mexer com eles, diminuirá
mais ainda sua capacidade de atuação dentro desse eleitorado, que é grande e
forte.
A disposição de Lula de não resistir a
pressões dirigidas por interesses particulares mostra como é difícil controlar
o Congresso com um governo minoritário e sem projeto, a não ser o personalismo
petista. Se Bolsonaro tivesse vencido a eleição pela diferença mínima com que
Lula venceu, controlaria o parlamento dando-lhe o orçamento secreto. Lula fez
bem em acabar com a institucionalização da roubalheira, mas não tem projeto que
mobilize a nação, mesmo porque o PT tem uma tendência à hegemonia, mesmo na
corrupção, que não comporta outros partidos políticos.
Funcionou na época do mensalão e do
petrolão, porque os políticos do Centrão interessavam-se apenas por cargos e
dinheiro, deixando o controle das ações políticas com o PT. Hoje, a situação
mudou completamente. O que está em disputa é o poder propriamente dito. Sem
abrir mão dos cargos e das verbas, claro. Se Lula tivesse colocado em prática o
governo de união nacional, ampliando o poder dos partidos do
centro-democrático, com projetos de governo que atendessem o eleitorado que o
levou à vitória sem ser petista, talvez tivesse alguma chance de ir em frente.
Como a situação está colocada, só
conseguirá algum espaço político para enfrentar os chantagistas se a economia
se recuperar. Dificilmente voltará ao patamar de 80% de apoio, mesmo porque
esse número foi suficiente para eleger Dilma Rousseff, mas não para conseguir
que ela fizesse um bom governo ou tivesse apoio nas ruas. A escolha de Dilma
foi um engano de Lula, que pensou em comandar os cordéis dos bastidores. Hoje,
ele tem de se contentar com uma aprovação mediana, por isso os partidos do
Centrão sugam-lhe o sangue.
E mesmo?
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