O Globo
Banco Central independente tem a mesma
característica simbólica, e custa ao PT entender que a política de juros do BC
teve papel fundamental para o controle e queda da inflação
A propagada sorte do presidente Lula volta
à discussão no momento em que os primeiros sinais de melhoria da economia
despontam, prevendo um crescimento do PIB maior do que o esperado pelos
analistas, e uma inflação decrescente e contida. Uma nova onda de commodities
no mundo, uma safra agrícola recorde, e a perspectiva de aprovação no Congresso
do chamado arcabouço fiscal, demonstração de que o governo está comprometido
com o equilíbrio das contas públicas, indicam que o futuro pode ser melhor do
que parecia até bem pouco tempo.
Há entre seus dois governos e este uma coisa em comum, além puramente da sorte de Lula: a compreensão, por parte da equipe econômica, de que o caminho para a recuperação do país é a persistência no tripé econômico firmado desde o Plano Real: câmbio flutuante, meta de inflação e equilíbrio fiscal. O ministro da Economia Fernando Haddad está tendo no atual governo o mesmo papel fundamental que Antonio Palocci exerceu no primeiro governo de Lula.
Aí está uma demonstração de que não basta
sorte, mas estratégia, para obter bons resultados. Colocar um político na
Economia foi uma surpresa em 2003. Quando o economista oficial do PT, Guido
Mantega, substituiu Palocci no ministério, devido a uma crise política, em
2006, começou a tentativa da “nova matriz econômica”, que viria a ser aprofundada
no governo Dilma, levando ao caos a economia.
A tentativa de mimetizar a solução Lula,
colocando na Fazenda o economista liberal Joaquim Levy no segundo governo
Dilma, fracassou redondamente porque ela não acreditava na solução. Apoiado
pelo presidente, Haddad tem negociado com o Congresso hostil com rara
habilidade, e só tem uma diferença, a seu desfavor, em relação a Palocci: ter
menos prestígio interno no PT, o que o faz perder mais tempo para avançar
contra a ala mais radicalizada do partido, comandada por Gleisi Hoffman.
Já Palocci não perdia tempo com as futricas
partidárias, e foi capaz de gestos como indicar um banqueiro internacional,
Henrique Meirelles, eleito deputado federal pelo PSDB, para presidir o Banco
Central. E colocar vários técnicos fora do PT na área econômica, como Marcos
Lisboa, Joaquim Levy, Murilo Portugal. O incômodo que causa aos petistas ter um
presidente do Banco Central independente, com mandato fixo, que age de acordo
com um pensamento técnico desligado dos temas políticos, é consequência do
hegemonismo com que o partido trata os que são de fora, mesmo que sejam
aliados.
O que dizer de um presidente do Banco
Central designado por Bolsonaro com o nome do avô, de um dos maiores expoentes
do liberalismo econômico? Roberto Campos Neto é o adversário perfeito para o
PT, o próprio bode expiatório para explicar o eventual fracasso da economia. O
PT nunca gostou da ideia de agências reguladoras, sempre as considerou uma
intromissão indevida no poder dos ministérios.
O Banco Central independente tem a mesma
característica simbólica, e custa ao partido entender que a política de juros
do BC teve papel fundamental para o controle e queda da inflação. Se
entendessem, perderiam também uma ação política importante para manter unida a base
petista mais radical. Bater em Roberto Campos Neto é espantar o fantasma do
liberalismo de Roberto Campos, que definia o PT como “o partido dos
trabalhadores que não trabalham, de estudantes que não estudam, e de
intelectuais que não pensam”.
Mais radical que colocar um banqueiro
tucano no Banco Central seria aceitar que o neto de Roberto Campos é
fundamental para o crescimento sólido da economia. Acreditar que o BC tem como
objetivo fazer cair a inflação, e não boicotar o governo, seria adotar as bases
de uma economia liberal abertamente, o que ainda é tabu dentro do PT, faria com
que Fernando Haddad fosse crucificado em praça pública. Para ter influência
interna, o ministro da Fazenda tem que falar duro com o BC independente, mesmo
que saiba que o caminho trilhado até agora é o único capaz de levar o país a um
porto seguro.
Então tá!
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