domingo, 18 de junho de 2023

Merval Pereira - Não basta sorte

O Globo

Banco Central independente tem a mesma característica simbólica, e custa ao PT entender que a política de juros do BC teve papel fundamental para o controle e queda da inflação

A propagada sorte do presidente Lula volta à discussão no momento em que os primeiros sinais de melhoria da economia despontam, prevendo um crescimento do PIB maior do que o esperado pelos analistas, e uma inflação decrescente e contida. Uma nova onda de commodities no mundo, uma safra agrícola recorde, e a perspectiva de aprovação no Congresso do chamado arcabouço fiscal, demonstração de que o governo está comprometido com o equilíbrio das contas públicas, indicam que o futuro pode ser melhor do que parecia até bem pouco tempo.

Há entre seus dois governos e este uma coisa em comum, além puramente da sorte de Lula: a compreensão, por parte da equipe econômica, de que o caminho para a recuperação do país é a persistência no tripé econômico firmado desde o Plano Real: câmbio flutuante, meta de inflação e equilíbrio fiscal. O ministro da Economia Fernando Haddad está tendo no atual governo o mesmo papel fundamental que Antonio Palocci exerceu no primeiro governo de Lula.

Aí está uma demonstração de que não basta sorte, mas estratégia, para obter bons resultados. Colocar um político na Economia foi uma surpresa em 2003. Quando o economista oficial do PT, Guido Mantega, substituiu Palocci no ministério, devido a uma crise política, em 2006, começou a tentativa da “nova matriz econômica”, que viria a ser aprofundada no governo Dilma, levando ao caos a economia.

A tentativa de mimetizar a solução Lula, colocando na Fazenda o economista liberal Joaquim Levy no segundo governo Dilma, fracassou redondamente porque ela não acreditava na solução. Apoiado pelo presidente, Haddad tem negociado com o Congresso hostil com rara habilidade, e só tem uma diferença, a seu desfavor, em relação a Palocci: ter menos prestígio interno no PT, o que o faz perder mais tempo para avançar contra a ala mais radicalizada do partido, comandada por Gleisi Hoffman.

Já Palocci não perdia tempo com as futricas partidárias, e foi capaz de gestos como indicar um banqueiro internacional, Henrique Meirelles, eleito deputado federal pelo PSDB, para presidir o Banco Central. E colocar vários técnicos fora do PT na área econômica, como Marcos Lisboa, Joaquim Levy, Murilo Portugal. O incômodo que causa aos petistas ter um presidente do Banco Central independente, com mandato fixo, que age de acordo com um pensamento técnico desligado dos temas políticos, é consequência do hegemonismo com que o partido trata os que são de fora, mesmo que sejam aliados.

O que dizer de um presidente do Banco Central designado por Bolsonaro com o nome do avô, de um dos maiores expoentes do liberalismo econômico? Roberto Campos Neto é o adversário perfeito para o PT, o próprio bode expiatório para explicar o eventual fracasso da economia. O PT nunca gostou da ideia de agências reguladoras, sempre as considerou uma intromissão indevida no poder dos ministérios.

O Banco Central independente tem a mesma característica simbólica, e custa ao partido entender que a política de juros do BC teve papel fundamental para o controle e queda da inflação. Se entendessem, perderiam também uma ação política importante para manter unida a base petista mais radical. Bater em Roberto Campos Neto é espantar o fantasma do liberalismo de Roberto Campos, que definia o PT como “o partido dos trabalhadores que não trabalham, de estudantes que não estudam, e de intelectuais que não pensam”.

Mais radical que colocar um banqueiro tucano no Banco Central seria aceitar que o neto de Roberto Campos é fundamental para o crescimento sólido da economia. Acreditar que o BC tem como objetivo fazer cair a inflação, e não boicotar o governo, seria adotar as bases de uma economia liberal abertamente, o que ainda é tabu dentro do PT, faria com que Fernando Haddad fosse crucificado em praça pública. Para ter influência interna, o ministro da Fazenda tem que falar duro com o BC independente, mesmo que saiba que o caminho trilhado até agora é o único capaz de levar o país a um porto seguro.

 

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