O Globo
Não podemos mais tolerar no Brasil que as
condições iniciais de vida sejam tão desiguais — em relação à educação, à
saúde, a todas as oportunidades que se oferecem
A desigualdade da sociedade brasileira foi
um dos assuntos debatidos em recente mesa-redonda promovida pela Revista
Brasileira na Academia Brasileira de Letras (ABL), tendo o filósofo, economista
e acadêmico Eduardo Giannetti da Fonseca desenvolvido o tema dentro do tripé
que identifica como objetivos que deveriam ser prioritários para o país,
“equidade, o meio ambiente e a forma de vida, ou seja, a felicidade”.
A ABL foi criada na redação da Revista Brasileira, que já existia havia 42 anos, e é seu órgão oficial desde 1941. Mais antiga, portanto, que a própria ABL, e a segunda mais antiga do país, só superada pela revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), a Revista Brasileira teve como um de seus colaboradores o próprio Machado de Assis, que nela publicou romances importantes na forma de folhetim, como Memórias póstumas de Brás Cubas (1881).
Em sua nova fase, editada pela acadêmica e
jornalista Rosiska Darcy de Oliveira, a Revista Brasileira se propõe a levar ao
debate temas fundamentais para o desenvolvimento do país em seu sentido mais
amplo. Temas como Amazônia, democracia e o povo brasileiro foram tratados em
números anteriores. A partir da semana passada, a Revista Brasileira fará uma
vez por mês um debate público sobre temas dos próximos números. O da próxima
edição será a inteligência artificial, sobre o que já escrevi na coluna de
domingo.
Para Eduardo Giannetti, a desigualdade
brasileira aparece em todos os indicadores econômicos e sociais, perpassa
muitas dimensões da vida. O importante é garantir a paridade nas condições
iniciais de vida, diz ele. “Não podemos mais tolerar no Brasil que as condições
iniciais de vida sejam tão desiguais — em relação à educação, à saúde, a todas
as oportunidades que se oferecem.”O mérito dessa ideia da equidade, ressalta
Giannetti, é que vai permitir que aflorem todos os talentos, competências e
capacidades: “Me pergunto quantos Machados de Assis analfabetos, quantos
Gilbertos Gil subnutridos estão por aí fazendo o que podem para viver um dia de
cada vez, porque não tiveram minimamente as condições de desenvolver seu
potencial humano”.
Outro fator é a falta de equidade perante a
lei, destaca Giannetti. Ele entende que vivemos ainda numa sociedade de foro
privilegiado. “O Brasil não tem mais político preso, todos foram soltos — agora
parece que vai voltar um”, ironizou. Um regime em que “os poderosos ricos e
famosos estão acima da lei, e aqueles que não têm a menor condição de se afirmar
estão abaixo da lei, na lei da selva, e sobre eles, quando a lei chega, é
absolutamente implacável”.
A questão da educação é primordial para
Giannetti. As crianças brasileiras hoje terminam o ensino médio sem estar —
muitas delas — plenamente alfabetizadas. Metade dos domicílios brasileiros não
tem coleta de esgoto. “Como chegamos ao século XXI sem saneamento básico
universal? Tivemos autoritarismo, governos mais à direita, mais à esquerda, mas
o fato incontornável é que chegamos ao século XXI sem universalizar o
saneamento”, indigna-se.
O tema conjuga-se com o meio ambiente. No
Brasil, o problema ambiental tem uma característica singular, analisa. “Nosso
grande problema ambiental é o desmatamento. É a destruição dos biomas por ação
humana e por fenômenos naturais que também precisam ser contidos.” Precisamos
convencer os predadores, diz Giannetti, de que a floresta Amazônica vale mais
economicamente em pé. O modelo econômico atual no mundo está claramente em
crise, analisa, “pelo mal-estar da civilização e em crise ambiental, porque nos
levou a um precipício que se anuncia de mudança climática”.
Para o filósofo Giannetti, “teremos uma grata surpresa no momento em que conquistarmos um mínimo, básico, de equidade e dignidade humana para todos os brasileiros, reduzindo a desigualdade”.
Tomara que consigam.
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