O Globo
Pelo olhar da economia, a incerteza se
dissipa e abre espaço para a queda de juros. Pelo institucional, o país se
livrou das maiores incertezas: um golpe de estado
Os juros não vão cair esta semana, mas
poderiam. Espera-se ao menos que o recado de queda na próxima reunião seja
claro. Em apenas 45 dias entre uma reunião e outra a projeção de inflação para
2023 e para o próximo ano encolheu em um ponto percentual. Isso apesar de a
previsão de crescimento ter subido de 1% para 2,14%. O país está derrubando a
inflação mesmo em meio à melhora dos prognósticos do PIB. Os juros futuros
estão em queda, o dólar caiu ontem novamente reduzindo as pressões
inflacionárias. É óbvio que a incerteza diminuiu e, se olharmos para fora da
economia, a queda da imprevisibilidade é ainda mais forte.
A taxa de juros para janeiro de 2025, que pega a política monetária para este e o próximo ano, caiu de fevereiro para junho, de 13,23% para 11,12%. Mas a previsão de queda é ainda maior quando se olha o Boletim Focus. Ele prevê juros a 12,25% no final do ano e de 9,5% para o final do ano que vem. O que esses números dizem? Que nas transações e nas projeções, os bancos e consultorias trabalham com quedas fortes nas taxas de juros. E isso porque as expectativas melhoraram significativamente e o surto inflacionário foi vencido.
A previsão do IPCA de 2023 feita pelo Focus
antes da última reunião do Copom era 6,05%. Agora é de 5,12%. Uma queda forte
em um mês e meio. E era de 5,18% para 2024, agora é de 4%. O dólar estava
cotado em R$ 5 durante a última reunião e ontem terminou o dia em R$ 4,77. Além
da queda forte do dólar, houve redução dos preços externos de commodities,
diminuição das expectativas de inflação e sinais de desaceleração da economia
em abril. Argumenta-se que, mesmo em queda, a projeção da inflação está acima
do teto da meta. Bom, as projeções vão continuar caindo.
Um dos motivos do conservadorismo do Banco
Central é o desempenho do mercado de trabalho. A ideia é que o desemprego
estaria baixo, e, portanto isso poderia pressionar para cima os salários e
produzir inflação. É o que eles chamam de externalidade negativa de uma boa
notícia. Mas Luis Otávio Leal, sócio e economista-chefe da G5 Partners, avalia
que o número de 8% de taxa de desemprego dessazonalizada pela PNAD de abril
pode ser artificial, isso porque a taxa de participação no mercado de trabalho
vem caindo mês a mês. Há menos gente disponível para trabalhar. No final de
2019, estava em 63,4%. Caiu durante a pandemia para a 57,2%, e agora está em
61,3%. Se a taxa de desemprego fosse ajustada para o tamanho da participação,
poderia estar em 11%, segundo ele.
Há essa análise das miudezas dos números, e
todos eles mostram que o espaço para a queda da taxa de juros já está dado. E
há o necessário olhar mais amplo para o cenário econômico. Nos últimos meses
caiu a incerteza fiscal do Brasil, porque o teto de gastos, desmoralizado pelo
governo Bolsonaro, e o temor de um governo petista gastador foram trocados por
um arcabouço fiscal que está agora tramitando no Senado, depois de ter sido
aprovado na Câmara dos Deputados. É inegável que a incerteza caiu, ainda que
seja também razoável argumentar que persistem dúvidas sobre a estabilidade da
dívida pública. Aliás, com juros a 13,75% e uma inflação caindo de 5% para 4% é
muito difícil estabilizar qualquer dívida pública.
Se o olhar for mais amplo, para toda a conjuntura do país, fica ainda mais claro que há espaço para a queda dos juros. Do ponto de vista institucional, o país livrou-se da maior das incertezas, a de sofrer, na terceira década do século XXI, um golpe de estado ao estilo do começo da segunda metade do século passado. Era isso que se conspirava no entorno do presidente com a participação de militares da ativa e em postos estratégicos, como é o caso de Jean Lawand, o então subchefe do Estado-Maior do Exército. E vários outros militares com patentes, comando e da ativa estavam na mesma conspiração junto com o ex-chefe da Ajudância de Ordens de Jair Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid. A notícia que veio a público inicialmente trazida por “Veja”, em matéria de Robson Bonin, revelou um quadro de grave risco institucional. Se houvesse o que eles defendiam, a intervenção na Justiça Eleitoral, com afastamento de ministros do TSE, teria acontecido a quebra da ordem constitucional. Em um cenário assim, nenhum arcabouço legal restaria de pé. O fim da democracia é a incerteza econômica, política e jurídica levada ao grau máximo.
Pois é.
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