Folha de S. Paulo
Ativo
na imprensa, Sérgio Porto investia contra o que chamava de Festival de
Besteiras que Assola o País
Meio
século atrás, Stanislaw Ponte Preta,
heterônimo humorístico do escritor e jornalista Sérgio Porto, cunhou o
neologismo "depufede", inicialmente em referência a um deputado
federal que, para combater o comunismo no país, queria proibir a vodca. Nada
muito estranho: era época da "Redentora", outra malícia sua para a
ditadura militar. Muito ativo na imprensa carioca, ele investia contra o que
chamava de "Febeapá", Festival de Besteiras que Assola o País.
A atualidade de Lalau, nome carinhoso do cronista, põe-se todo instante à prova na vida pública atual, onde a besteira, elevada ao zênite, corrói a civilidade institucional num verdadeiro culto à estupidez. Embora antenados a um determinado momento, seus ditos afiados guardam algo de intemporal, como as tiradas de Mark Twain. "Leitor, vamos supor que você fosse um idiota. E vamos supor que você fosse membro do Congresso. Mas estou me repetindo", boutade de Twain. "Depufede", agulhada de Stanislaw.
Na
leitura da esfera pública, a reprise de sátiras pode comportar atualização,
especialmente quando o sensório, não mais apenas o palavreado, se faz
incontornável. Nunca foram tão mobilizáveis as emoções explicativas, mas
permanece à margem o sentido do odor. Sobre isso o marketing sensorial tem algo
a ensinar, no capítulo dos perfumes, ao falar de "famílias olfativas"
como conjuntos de essências com diversas semelhanças entre si.
Reinterpretada,
a expressão depufede cresce em literalidade semântica quando a Câmara de
Deputados aprova um projeto de lei que criminaliza a malevolência verbal contra
seus próprios membros, parentes e colaboradores. Se vivos, Twain e Stanislaw
seriam alvos naturais. Mas um representante da dignidade minoritária, contrário
ao projeto, objetou: "Cheira mal!" No Senado se tapou o nariz.
Esse
tipo de juízo corrobora a hipótese de que a raiz mais antiga da vida emocional
esteja no olfato. Bem o sabia o apóstolo Paulo: "Nós somos o aroma de
Cristo, espalhando sua fragrância em todos os lugares" (2 Coríntios 2:15).
Ou então José Saramago: "A maior dificuldade para chegar a viver
razoavelmente no inferno é o cheiro que lá há" ("Ensaio sobre a
Cegueira").
O
neologismo de Lalau adquire plenitude em famílias olfativas cevadas no recente
chorume legislativo. Não é bodum físico igual ao do avião de drogas do
ex-deputado, tio de senadora. É mau cheiro moral, exalado de conjuntos híbridos
de roubos, cinismos e chantagens. Isso requer jornalismo de nariz apurado,
capaz de espelhar sinestesicamente, como se faz com sensação térmica, a náusea
social. Já existem exemplares ferroadas estéticas, como "sertanojo", de José Simão. Depufede
é, politicamente, a bandeira amarela do fisiologismo metastático.
*Sociólogo, professor emérito da UFRJ, autor, entre outras obras, de “Pensar Nagô” e “Fascismo da Cor”
Bostonaro.
ResponderExcluirFragrância da direita brasileira
Não sei se cheira enxofre,eu só sei que os espíritos trevosos cheiram mal mesmo,rs.
ResponderExcluir